28 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 333

Efemérides 28 de Novembro
Richard Powell (1908 – 1999)
Richard Pitts Powell nasce em Philadelphia, Pennsylvania, EUA. Começa a escrever ficção na década de 40 e a partir de 1958 dedica-se exclusivamente à escrita. Inicia a série Arab & Andy Blake com Don’t Catch Me — também editado com o título The Case Of The Curious Chair em 1943; esta série tem 5 títulos publicados. Escreva ainda mais 14 livros policiários, entre os quais se destaca o bestseller The Philadelphian (1957), adaptado ao cinema dois anos depois.


TEMA — DIÁRIO DE UM ADVOGADO — OS PASSOS DE QUEM VAI
Apareceu no escritório, como tinha prometido.
Vinha triste, arrasado, física e, também, moralmente. A sua apresentação ao Juízo da Primeira Vara Criminal e respectivo recolhimento à prisão, juntamente com o outro colega de pronúncia, era uma realidade terrível, para o fim de ano, e que resultara do que eu havia assentado, na véspera, com Eurico Novais.
Pois é isso, o constituinte estava ali, sumido, diminuído, no canto da sala. Um espanto, maior do que a sua tristeza, o vestia de ponta a ponta.
A verdade, entretanto, é que o seu espanto e a sua desgraça tocaram-me ao de leve. Curioso… se fosse há uns dez anos atrás, também ficaria arrasado. Mudaria o Natal ou terei mudado eu?
Será que os advogados de certa tarimba, por muito reagir contra os desgastes afectivos e emocionais, acabam por ficar anestesiados?
Atendi outros, fiz telefonemas, redigi alguns requerimentos.
Esqueci-me do homem coberto de depressão que sabia sumido no canto da sala.
Afinal, saímos juntos. Eu, para a rotina diária da actividade profissional. Ele para as grades e para a implacável saudade de homem livre.
Em frente da Livraria Forense uma observação brutal tomou conta de mim e aos poucos foi “cobrando” o tributo fatal…
Quis para na livraria. Comprar um livro para um amigo… Senti que não tinha coragem. É que contrastando com o egoísmo de fim de ano em que aparentemente me achava, o constituinte vinha atrás, muito atrás ainda… os seus passos eram tardos, lentos, estranho.
À distância vi, senti que um peso enorme tolhia, atrapalhava os seus passos.
O homem que está a caminhar para a prisão, instintivamente, faz muito esforço para andar…
A partir daí éramos dois, a sofrer fraternalmente. Quem disse que a tarimba imuniza?
À porta do Palácio da Justiça, o prezado Eurico de Novais informa que a apresentação final ficou para outra oportunidade.
Respiro aliviado.
Voltamos juntos, o constituinte e eu. Os nossos passos eram iguais, no mesmo ritmo. Rápidos e leves.



TEMA — ARQUIVOS DA SCOTLAND YARD — O MISTÉRIO DE MORRISON

O mistério de Stinie Morrison é um clássico nos anais da criminologia inglêsa. É- o drama estranho e fascinante de um homem acusado de homicídio — acusação que se baseou em três provas, todas destruídas depois pela sombra da dúvida. Stinie Morrison era um homem bem nascido, que cedo enveredou pela senda do crime. Mas nunca se envolveu em crimes violentos, e ainda que a sua reputação não fosse das melhores, não era tão má ao ponto de justificar a sentença de morte.

Esta história principia na noite de Ano Novo. 1911. O cenário é Clapham Commom, um espaço aberto num subúrbio de Londres, muito procurado pelos namorados. São duas horas da manhã. Um jovem casal caminha vagarosamente, enlaçado. Vem de uma festa. Na distância, o relógio da igreja avisa-os da hora tardia. Na semi-escuridão da noite George Silver, o rapaz, distingue o vulto de alguém estendido no chão, ao que parece a dormir.
— Pobre homem! Em que farra deve ter-se metido… Dormindo no meio da rua!
O sentimento de solidariedade humana faz com que George Silver tentasse despertar o desconhecido.
Estranho! Tem o rosto coberto com um lenço!
— Acorde, homem!
E então George Silver recua, os olhos esbugalhados pelo terror. O lenço escorregara e ele pudera ver, à meia luz dos lampiões, um rosto ensanguentado. Em cada face, um instrumento cortante marcara um “S”. A jovem que o acompanhava gritou, alucinada. Não havia dúvida. O homem estava morto. O jovem casal correu, apavorado, à procura de um polícia. Trágica noite de Ano Novo.

O corpo foi logo identificado; era de Leon Beron, homem conhecido no East End londrino como pessoa rica Costumava frequentar um restaurantezinho de Whitechapel, chamado Snelwar. Ficou esclarecido plenamente que, na noite de 31 de dezembro, depois de alguns goles, Leon Beron saíra Snelwar cerca das 11 horas. Usava então uma corrente de ouro e um relógio, com um berloque também de ouro, desses que se compravam a cinco libras, e que denotava a prosperidade económica do possuidor. Devia ter muitos soberanos (moedas de ouro) nos bolsos, mas nem a corrente, nem o relógio, nem o dinheiro foram descobertos. A violência do crime, a posição do cadáver, o número de ferimentos produzidos por punhal, demonstravam que o crime não podia ter sido obra de um só homem. O criminoso fora ajudado por uma ou mais pessoas. Estabeleceu-se, sem sombra de dúvida, que Leon Beron saíra por livre e espontânea vontade do restaurantezinho de Whitechapel, por volta das 11 horas da noite, e apanhara um táxi, que o deixou em Clapham Commom. Nunca se esclareceu por que motivo Leon Beron se decidira a fazer aquela visita a Clapham Commom.
A Scotland Yard encarregou-se do caso. O inspector de dia ordenou que o sargento Hutton entrasse em contacto com o distrito policial de Clapham Common, a fim de apurar se havia sido visto algum suspeito naquelas imediações, nos últimos dias antes do crime.
As investigações fizeram aparecer, entre outros, o nome de Stinie Morrison. Fora visto em Clapham dois dias antes do crime. Os arquivos da Scotland Yard tinham várias fotografias do suspeito, que já fora processado anteriormente por assalto à mão armada. Essas fotografias foram mostradas, entre outras, a um motorista que fizera uma corrida, por volta da meia-noite, justamente para Clapham Commom.

Ainda que relutante, o motorista admitiu que o passageiro bem podia ter sido Stinie Morrison. E imediatamente a Scotland Yard expediu mandado de prisão contra Stinie Morrison, o suspeito, que foi preso facilmente um dia depois, quando tomava o seu “breakfast” num modesto restaurante do bairro.
— Stinie Morrison?
— Eu mesmo!
— Venha connosco até Leman Street. O inspetor quer conversar consigo.
Prisão sem resistência que, no entanto, resultaria altamente dramática, quando no julgamento fossem reveladas as circunstâncias que a cercaram.
Nenhuma acusação formal pesava contra este homem, que somente disse aos polícias que o prenderam:
— Vocês estão a cometer o maior engano das vossas vidas! Eu sei que vocês se enganam sempre, mas este é o maior!
Haveria engano? Stinie Morrison foi levado à Scotland Yard sem qualquer acusação. O nome de Leon Beron não foi sequer mencionado. Nenhuma insinuação foi feita de que poderia ser ele o culpado de um crime de morte, mas estava preso.
Uma hora depois, quando o inspetor-chefe Wensley mandou chamá-lo, o prisioneiro disse estas palavras:
— Os senhores estão a acusar-me de assassinato!"
Nenhuma acusação formal fora feita, nem nenhuma referência à palavra “assassinato”; assim, o inspetor Wensley respondeu:
— Não se trata absolutamente de nada disso!
O prisioneiro sorriu, repetindo a palavra “assassinato”.
Poderia haver maior evidência do que essa? Um homem suspeito é preso, sem que ninguém lhe diga a razão. É o primeiro a fazer a afirmação de que pesava contra ele a-acusação de assassinato. Essa prova foi um trunfo valiosíssimo nas mãos do promotor. Stinie Morrison defrontava-se com o Tribunal do Júri o 16 de Janeiro de 1911. Entre- as testemunhas de acusação figurava uma mulher bonita, Eva Flitterman. Conhecera Stinie Morrison havia três semanas. A última vez que o vira fora nos primeiros dias do ano. Declarou que reparara que ele usava uma corrente e um relógio de ouro, com um berloque também de ouro, desses que se compram cinco libras!
Como sabia o preço do berloque?
Eva Flitterman respondeu que o seu pai costumava usar um berloque semelhante.
Outra terrível prova contra Stinie Morrison, agravada ainda pelo depoimento do cocheiro Edward Heyman. Eis o que declarou ele em juízo:
— Apanhei dois passageiros na esquina de Sydney Street, cerca de duas horas da manhã.
— Onde os deixou?
— Em Lavender Hill.
— Quanto tempo durou a viagem?
— Cerca de quarenta minutos.
— Tem absoluta certeza de que um dos passageiros era o réu?
— Absoluta.
— E o outro?
— Não reparei bem. Parecia um homem moreno e baixote.
Esse outro homem jamais foi encontrado.
E as duzentas libras-ouro que Stinie Morrison tinha em seu poder quando foi preso? As declarações do réu foram evasivas. Negócios… Que espécie de negócios? Silêncio. Terceira prova indiscutível, porque Leon Beron, ao ser morto, possuía em seu poder soma semelhante, ainda que isto nunca tivesse sido matematicamente provado. Mas — onde conseguira Stinie Morrison tanto dinheiro?
Apesar das terríveis provas contra Stinie Morrison, o advogado Edward Abinger, um dos mais famosos criminalistas da Inglaterra, tomou a defesa do réu, conduzindo-se com grande habilidade. Mas o julgamento continuava os seus trâmites legais, e Stinie Morrison estava bem próximo da sentença capital. Entretanto, no último dia, quando a sentença deveria ser conhecida, Mr. Abinger recebeu uma carta no seu escritório, com o envelope marcado — “Estritamente Confidencial”. Era uma carta lacónica, mas impressionante:

Senhor,
Estou a escrever-lhe a fim de esclarecer que a alegação da Scotland Yard de que Stinie Morrison ignorava completamente a razão de sua prisão, é falsa!
Eu pertenço à Polícia e vi quando Morrison foi informado por um colega de que sua prisão se relacionava com o assassinato de Leon Beron.
(a) Sargento George Greaves

Mr. Abinger, sem hesitar, correu para a Câmara dos Comuns, pedindo uma entrevista urgentíssima com o Procurador-Geral. Precisava de uma declaração assinada por aquele sargento, a fim de exibir naquela mesma tarde, no último minuto do julgamento de Morrison. Essa declaração admitiria, publicamente, que a Scotland Yard cometera um tremendo engano — estranha situação que pela primeira vez na história da criminologia britânica iria ocorrer.
O Procurador Geral recomendou que Mr. Abinger se entendesse directamente com Sir Melville Mac Naughten, -chefe do C.I.D. (Criminal Investigation Department) da Scotland Yard.
O espanto de Sir Melville foi sem limites.
— Como? O senhor quer uma declaração assinada do polícia que acusa a Scotland Yard de haver cometido um engano? Quem é esse polícia?
Mr. Abinger mostrou apenas o envelope marcado: “Estritamente confidencial”. E antes de revelar o nome do sargento Greaves obteve de Sir Melville a promessa escrita de que as suas declarações tomadas a termo não prejudicariam a sua carreira na Scotland Yard.
Momentos depois, quase às duas horas da tarde, em Whitechapel, o sargento era localizado e seguia com o advogado para o Tribunal, onde fez o seu depoimento, provando que a Scotland Yard se enganara: Stinie Morrison fora informado da razão de sua prisão e, por isso, nada de extraordinário havia na sua afirmativa feita ao inspetor Wensley de que o acusavam de assassinato.
Caía por terra a primeira prova. Mas as outras duas eram de tal forma graves que nem as declarações do sargento Greaves tiveram força para persuadir os jurados. O julgamento terminou naquela mesma noite. Stinie Morrison foi condenado a morrer na forca.
O advogado não desanimou. Apelou da sentença O apelo ficou em suspenso. Nesse intervalo, Abinger entrou em contato com Eva Flitterman, a jovem que vira a corrente, o relógio e o berloque de ouro. Mr. Abinger encontrou-a assustada e aflita Soubera da condenação à morte. Fez novas declarações à Polícia, reforçadas pelas da própria mãe:
— Quando declarei na semana passada que Stinie Morrison trazia preso ao relógio um berloque de cinco libras, cometi um engano lamentável. Disse que o meu pai possuía um berloque igual, o que é verdade, como a minha mãe está aqui para provar. Entretanto, o berloque que o meu pai usava, exatamente igual ao que vi no relógio de Stinie Morrison, custou duas libras! Percebi o meu engano, logo depois do julgamento. Fui à Scotland Yard para rectificar as minhas declarações. Não fui atendida. Eu nem sequer sabia que Morrison estava a ser julgado por assassinato!
Os jornais promoveram uma verdadeira batalha, imprimindo as declarações de Eva Flitterman. O inspector Wensley declarou que a retificação pedida não tinha valor legal, vista que Morrison e Eva Flitterman eram amantes. Nesse caso a segunda prova caía por terra de qualquer maneira!
Mr. Abinger tentou todos os recursos, mas o apelo foi negado. A data da execução de Stinie Morrison foi marcada para 17 de Fevereiro.
O caso assumira proporções dramáticas. A última esperança do condenado estava num pedido de clemência ao secretário do Interior, na época Mr. Winston Churchill, Diversos jornais pediram a Stinie Morrison que encabeçasse com a sua assinatura o pedido. Seguir-se-iam dezenas de milhares de assinaturas. Londres em peso estaya com o condenado.
Na prisão de Wandsworth, Mr. Abinger não conseguiu convencer Stinie Morrison a assinar o pedido de clemência.
— Sou-lhe muito grato, mas não assino! Eu sou inocente! Não vou Implorar clemência a ninguém! Todos nós temos de morrer um dia! Não tenho medo!
 Mr. Abinger suplicou-lhe que assinasse, mas foi em vão.
— Então, não poderia ao menor dizer alguma coisa que me ajudasse numa última tentativa?
A 13 de Fevereiro Stinie Morrison fez uma revelação espantosa.
— A Polícia fala muito nas duzentas libras que estavam comigo… Eu não disse nada porque confiava em sair livre do julgamento e não queria ser apanhado como falsário…
O condenado declarou que no dia 3 de Janeiro falsificara a assinatura de um cheque contra o South Western Bank, filial de Holloway, exatamente de duzentas libras. O cheque fora descontado, e apressara em ir à Agência Cook de Ludgate Hill, trocando as duzentas libras em francos. Para maior segurança do “golpe”, tornara a trocar os francos em libras, em outras filiais da Cook, em Piccadilly.
Estas declarações eram verdadeiras, e o cheque falso foi localizado no banco South Western, filial de Holloway. Funcionários da agência Cook identificaram Stinie Morrison, que ali fizera as operações de câmbio!
Na véspera do dia marcado para a execução, a terceira prova caia por terra. Mr. Winston Churchill assinou o apelo do advogado Abinger. Stinie Morrison escapou da forca, ainda que ficasse de pé a condenação à prisão perpétua por falsificação… e homicídio.

EPÍLOGO
Mas — poderão perguntar — Stinie Morrison não foi apenas vítima de uma série de provas circunstanciais, agravadas por um erro da Scotland Yard?
Porquê a Scotland Yard fez tudo para manter a acusação de homicídio contra esse homem, que chegara a dois passos da morte?
Alguns meses depois, Stinie Morrison estava na prisão, cumprindo a sua pena, o advogado Abinger, que continuava a lutar para libertar o seu constituinte, abandonou a causa subitamente. O caso foi caindo no esquecimento. E dez anos depois Stinie Morrison falecia na prisão de Peinkhurst, de morte natural. Ninguém se preocupou em saber por que motivo Mr. Abinger cessara de lutar. O motivo consta das declarações do advogado à Scotland Yard:
“Fui procurado em minha casa por, uma mulher, Kathleen Smith, do East End. Declarou-me ela que vivera muitos anos com um criminoso várias vezes condenado por chantagem. Esse homem, ao que sabia, chamava-se Smith. Na madrugada de 1° de Janeiro, Smith aparecera em sua casa com as roupas sujas de sangue. Ameaçou-a com um punhal, caso dissesse uma palavra a alguém. Smith dera-lhe várias Libras em ouro, que ela aceitou com alguma relutância. Smith fechou-se em casa durante algumas semanas, e finalmente embarcou para os Estados Unidos. Logo que se certificou da partida de Smith, ela resolveu procurar-me.”
Kathleen Smith foi interrogada pelo inspector Wensley e confirmou ponto por ponto as declarações feitas a Mr. Abinger. E eis como terminou o seu depoimento:
— Quando Smith saiu de sua casa, às 11 horas da noite de 31 de Dezembro, estava sozinho?
— Não.
— Quem estava com ele?
— Um homem.
— Conhecia-o?
— Claro! Pois era Stinie Morrison!

Julgamento de Stinie Morrison

Sem comentários:

Enviar um comentário