Efemérides 13 de Novembro
Robert Louis Stevenson (1850 – 1894)
Robert Lewis Balfour Stevenson nasce em Edimburgo, Escócia. Poeta, romancista, ensaísta e escritores de viagens é um dos autores mais traduzidos em todo o mundo. Os seus romances mais famosos são Treasure Island (1883) e Strange Case Of Dr Jekyll And Mr Hyde (1886). Em Portugal, a obra de Stevenson tem sido publicada por diferentes editoras, mais recentemente pela editora Assírio e Alvim (Clicar).
Vera Caspary (1899 – 1987)
Vera Louise Caspary nasce em Chicago, Illinois, EUA. Escritora de contos, romances policiários, peças de teatro e argumentos para cinema. Usa também o pseudónimo literário Sergei Marinoff num livro que escreve sobre dança. Publica 24 livros entre 1929 e 1979; e o destaque vai para Laura (1942) devido ao sucesso cinematográfico do filme de Otto Preminger baseado na obra da autora.
George V. Higgins (1939 – 1999)
George Vincent Higgins nasce em Brockton, Massachusetts, EUA. Advogado, professor na Universidade de Boston torna-se num escritor de bestsellers policiários a partir do início da década de 7. Com 21 títulos publicados, muitos dos livros de Higgins acentuam o elemento criminal e a perseguição policial e o autor é reconhecido pelo realismo que imprime aos diálogos dos seus personagens.
TEMA — CRÓNICA SOCIAL — VIOLÊNCIA: VÍRUS
CONTAGIOSO
Por M. Constantino
Introduzo a chave na fechadura. Duas voltas, a porta abre-se mas fica presa pela corrente de segurança. Dou dois berros para o interior, primo o botão da campainha, furibundo.
Aparece-me a tia Anica — identifico-a apenas e só pelo cheiro — a exigir-me a identificação. Começo a zangar-me e grito-lhe em vão. A tia não cede. Passo o bilhete de identidade pela nesga da porta, à boa maneira policial, idem FBI, e abre-me enfim, a porta da minha própria casa.
Pasmo, ou talvez não. A boa tia Anica, 82 anos ainda úteis e desembaraçados, depois de tanto “espectáculo espectacular” da TV, resolve-se a vedar toda a entrada possível na casa. Calculem… tem medo de ser violada!
Agora não quer ver TV… nem vê nem tê. Tia Anica recusa-se simplesmente olhar para o pequeno ecrã, pois até nos anúncios entre as telenovelas, há um forte complemento de violência.
Falar de violência é falar do homem. Tratadistas da alma do pensamento e estudo psicológico reconhecem que o homem é um ser violento, por instinto, um ser que ao longo dos milhões de anos de existência, quer primitivamente quer no mundo civilizado de hoje, permanece fera. Inteligente e criador, manteve inalterável, por detrás da máscara da polidez, instinto e princípio básico da natureza agressiva.
Em génese 1.2., a Bíblia traça um padrão que, dir-se-ia, cumprido textualmente: “crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra…” É o homem, numa interpretação literal, tem dominado… violentamente.
Quando não em guerras devastadoras, individual ou colectivamente dentro da própria comunidade.
Os fenómenos de racismo, atentados, violações e criminalidade nas suas formas diversas, são expressão de violência.
E tem tido defensores, em tempo e em lugar, pensadores bem conhecidos, de Franz Fanon, mesmo Sartre, ou num outro plano, Che Guevara, Ho Chi Minh, Mao Tsé-Tung, doutrinaram a violência.
Para Freud, o homem “é uma marioneta condicionada por impulsos. Mas, se a agressividade é um aspecto normal da personalidade humana, podendo admitir-se que certa violência é natural nas sociedades, não serve de álibi ou escudo para justificar, muito menos para desculpabilizar o homem dos seus comportamentos agressivos. Mesmo nos actos titulados de violência de contestação, porque o indivíduo é tão capaz para a agressividade como para a sociabilidade — mister é raciocinar.
Resolvi ter uma conversa franca e convincente com tia Anica. Fui, entretanto, encontrá-la no quarto, deitada, com a coberta por cima da cabeça. Desisti.
Voltei à sala, carreguei no botão do aparelho de televisão, baixei o som ao mínimo. Sentei-me no sofá, facto que é raro em mim.
Duas “claques” batiam-se pelos respectivos clubes… o presidente de um deles clamava contra a inépcia da polícia e a culpa do governo… claro, a culpa é sempre dos outros!
Fiz desaparecer as imagens.
Entrei em auto-reflexão.
A polícia é hoje, uma instituição condicionada: se age é agressora, e se queda é inapta. Mau. É certo que, por vezes, as autoridades sofrem, a cegueira da própria autoridade. Mas o controle humano sobre as instituições em vez do controle dos homens pelas instituições: é o caos. Assim a violência é proibida como delito mas recomendada como sanção. Sanção que tem um duplo significado: por um lado, resume-se à confirmação solene da Lei e, por outro, constitui uma ameaça de punição e método de constrangimento no caso de infracção à Lei — escreve Friedrick Hacker num importante e completo trabalho sobre as motivações do comportamento humano.
A violência, entretanto, não é um facto nacional, deixou de ter fronteiras. É como um distintivo dos tempos modernos; uma realidade contundente e inescondível. Assaltos, assassinatos, choques de civis e polícia, violações, sinistros, desastres, etc., chocam, traumatizam olhos e ouvidos, numa intrusão crescente dos media na esfera íntima dos indivíduos e das famílias, particularmente da televisão, transmitindo imagem de um crescendo de violência social, “sem advertir o público de que muitos casos apresentados não são o resultado de um aumento de violência mas, pelo contrário, de um aumento da acuidade social relativamente a certos tipos de violência” (Nelson Lourenço, sociólogo).
Naturalmente que o sentimento de segurança, aparece e alastra associado a um clima de ansiedade, de terror.
Tem razão a boa tia Anica.
A violência rodeia-nos por palavras e actos. Até que ponto é necessária a sua específica exploração, em doses maciças, abusivamente cruel, por puro interesse comercial, por disputa entre os vários canais televisivos, de visual cada qual mais chocante?
Como ser pensante que sou, discordo do destaque posto ao “direito à indignação”. Direito (sentimento é mais correcto) emocional, sem regra escrita ou cobertura jurídica-doutrinária, é um dos primeiros estádios da violência; um álibi para a actuação passar por legítima defesa dos objectivos mais elevados, ao fim e ao cabo não mais faz que criar um artifício para maior consumo público.
Não é caso único de violência pró-justificada.
Sabe-se que tão só se pretende chamar a atenção pública para factos pontuais subjacentes a um determinado grupo ou classe. Ninguém de bom senso lhes negará os direitos próprios, excepto o direito de pretender subordinar — por tabela — um universo indeterminado, também com direito inalienáveis. Quero dizer: por exemplo, quando mil indivíduos cortam uma estrada invocando direitos que lhe são próprios, esquecem que outros mil, três mil ou mais, são privados da circulação cujo privilégio legal lhes é inerente. É violência, diria, sem procurar encontrar apontar resultados em pessoas alheias a tais conflitos. Existem com certeza outros meios de revindicação, suponho eu, que não sou perito. Contrista-me as vítimas inocentes, inquieto-me pelos que, em desespero de causa, são levados a actos menos conformes, sofro quando penso que “ muitas vezes são os honestos que caiem por detrás onde se ocultam os canalhas”.~
Estará, porventura, em moda a “justiça popular” que os meios de comunicação social amplamente difundem, mais parecendo querer demonstrar que o País, o seu próprio País, não tem lei nem Ordem? Lamentável! Não seria de espantar que a justiça popular desse lugar as velhinhas “Justiça de Fafe” ou “Justiça de Montemor” em juízo à fulminante eficácia e amplo colorido dos que transformam o ser humano no joguete das suas influências.
Afirma-se que os cidadãos perderam a confiança nas instituições judiciais e policiais. Os bairros e cidades assumem-se como garantes da segurança.
Lembro Terêncio: “Summa jus, summa injuria” (Justiça exagerada é exagerada injustiça).
Psicólogos, sociólogos criminólogos mantêm que prolixidade visual da violência é influenciável. Contagiosa como um vírus da cólera deve o seu vírus ao protesto da justificação (?) que a torna epidémica. Não raro a um crime segue-se outro crime, uma série, nem sempre mesmo autor, mas uma cópia.
Posto que, de nada vale, em ano de tolerância, apelar para o sentimento de compreensão na expectativa de não poder pedir, bradando, à importância da não violência, no mínimo seria que os meios de comunicação reduzam as desenfreadas cenas “eventualmente chocantes” da violência.
Pelo menos para ter o prazer de voltar a ouvir a tia Anica, a falar-me do que vê na televisão.
TEMA — O MÉDICO E O MONSTRO — ONDE SE INSPIROU
STEVENSON?
As jovens não se cansavam de conversar sobre o simpático rapaz que fora convidado para o chá:
— Ele é tão atraente — dizia uma.
— Aposto que vai dar um óptimo marido — afirmava outra. — E, a julgar pelo dinheiro que ganha, deve estar para se casar brevemente. Qual de nós escolherá?
— Psssiu! — exclamava a terceira. — Ele está a chegar! E veja… todo vestido de branco, como um verdadeiro santo!
Realmente, William Brodie tinha muitas características angelicais, pelo menos para quem não o conhecesse bem. Um solteirão de hábitos pacatos, membro do Conselho da cidade, excelente carpinteiro, parecia não ter defeitos. A única coisa que depunha contra ele era sua excessiva timidez. Não se sentia muito à vontade entre outras pessoas.
— Sim, ele é muito educado e bonzinho… — comentavam as moças mais espertas. — Mas há algo estranho nele. É perfeito demais, como se escondesse alguma coisa!
E, de facto, escondia.
Tudo se descobriu em 1788: Brodie, então com 48 anos e ainda solteiro, foi julgado e executado na Prisão de Tolbooth, acusado de liderar uma terrível quadrilha de malfeitores que aterrorizara Edimburgo durante anos.
Após sua morte, muitas histórias sobre Brodie passaram de boca em boca e acabaram por se transformarem em lendas. Setenta anos mais tarde, Robert Louis Stevenson, então um menino de oito anos de idade, ouviu algumas daquelas histórias apavorantes e ficou tão impressionado que pediu à ama para levá-lo à parte velha da cidade, cenário da maioria das aventuras de Brodie.
Segundo o próprio Stevenson, há determinadas coisas que acontecem na infância de muita gente que lhes marcam quase a vida inteira. E essa criança um dia torna-se adulta e se tem o dom de escrever, passa para o papel todo aquele pesadelo, misturando a ficção com a realidade. Assim aconteceu com ele.
Aos 14 anos, Robert Louis Stevenson escreveu uma peça sobre Brodie. Reviu-a aos 25 anos e conseguiu que fosse encenada, embora com pouco sucesso, em Londres e Nova York. Só bem mais tarde, aos 36 anos, é que o escritor usou o malfeitor como inspiração para um livro que se tornaria um clássico da literatura mundial: “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde”.
Nessa novela, Stevenson quis representar o que Brodie significou na vida real. Dr. Henry Jekyll também era um cidadão acima de qualquer suspeita, sem vícios e competente sua profissão. Mas as suas experiências científicas possibilitaram-lhe assumir a forma de um outro homem: o cruel Edward Hyde.
No início, Jekyll conseguia controlar Hyde e limitar suas “aparições”. Porém, ao agredir uma menina e matar um velho, ele percebeu que a “segunda personalidade” começava a tornar-se difícil de dominar. O pacato Dr. Jekyll começou a transformar-se em Mr. Hyde sem recorrer à droga que descobrira. Torturado pela consciência, o único remédio que achou para o dilema foi cometer o suicídio, matando de uma só vez o suave Dr. Jekyll e o brutal Mr. Hyde.
É duvidoso que Brodie fosse torturado por problemas de consciência, devido a sua outra personalidade. Aquele jovem simpático, inteligente e de futuro mantinha duas “esposas” em residências distantes. Teve filhos dos dois casamentos e, após a sua prisão, apenas um parente o visitou: Cecil, a filha predileta. Sempre vestido de branco durante o dia, durante a noite Brodie costumava usar roupas negras para visitar as tabernas, antros de jogatina, prostituição e lutas de galo. E ao sair para assaltar, o Conselheiro da cidade usava uma máscara preta.
No início, Brodie preferia trabalhar sozinho. Com o decorrer do tempo, entretanto, cercou-se de uma pequena quadrilha. Ele precisava de uma plateia, capaz de se impressionar devidamente com o seu talento para o crime.
Costumava fazer cópias das chaves das portas de lojas durante o seu trabalho de honesto de carpinteiro. Depois, quando a noite caía, usava as chaves falsas para assaltar os estabelecimentos onde trabalhara durante o dia. Agindo assim, assaltou inúmeros bancos e joalheiras — e até as residências de alguns de seus mais íntimos amigos da sociedade.
O seu herói era o Capitão Macheath, personagem do drama Ópera dos Mendigos, de John Gay. Gostava de imaginar-se como ele: respeitoso e cavalheiresco com as damas e cheio de desdém pela lei.
Mas, ao contrário de Macheath, Brodie não tinha muito estilo, se é que podemos expressar-nos assim. Faltava glamour às suas façanhas e foi por causa disso que Brodie planeou aquele que deveria ser o seu maior crime: o roubo de uma das principais repartições coletoras de impostos da Escócia. Havia ali milhares de libras, esperando que Brodie viesse recolhê-las. Aquilo, sim, faria com que ele se tornasse famoso.
É verdade que naquela altura já fora oferecido um prémio de cem libras a quem trouxesse a anónima cabeça. Porém, aquilo era pouco para Brodie. Depois daquele ousado assalto, a recompensa seria pelo menos duplicada.
Tudo foi bem planeado. Brodie seus comparsas não se apressaram. Aquele seria um crime perfeito. Só não era possível prever todas as eventualidades. Assim, foram surpreendidos, no meio do “trabalho” por um funcionário que resolvera, voltar à repartição durante à noite. Notando algo de anormal, fez soar o alarme — e o plano foi todo por água abaixo.
Apesar disso, os ladrões conseguiram fugir. Tudo ficaria por isso mesmo se, no dia seguinte, um dos cúmplices de Brodie, descontente com a atuação do líder da quadrilha, não resolvesse denunciá-lo a polícia.
Sabendo disso, Brodie fugiu para Londres. Seus concidadãos, atónitos, já sabiam que um dos membros mais influentes e respeitados da comunidade não passava de um bandido vulgar. Já em Londres, subornou uma companhia marítima, e um navio o desembarcou em Flusing, Estados Unidos.
Brodie sentiu-se a salvo. Ninguém se lembraria de persegui-lo na Colónia! Assim, escreveu algumas cartas para amigos explicando-lhes as razões de sua partida e comunicando que pretendia iniciar nova vida na América do Norte. Pediu a um dos passageiros do navio que colocasse as cartas no correio. Este, entretanto, preferiu mandá-las ao chefe de polícia de Edimburgo.
Assim, Brodie foi preso e levado de volta à cidade que conseguira ludibriar durante tantos anos. Foi julgado e condenado à morte por enforcamento.
Quase na hora da morte, encontrou meios de subornar um brilhante médico francês, encarregando-o de tentar fazê-lo reviver após a execução. E, para impedir o estrangulamento, escondeu um tubo de prata na garganta.
Mas o trabalho na execução foi perfeito. O pescoço de Brodie ficou irremediavelmente quebrado. E assim terminou a carreira de um homem que inspiraria Stevenson a escrever, gravemente doente, um dos clássicos da literatura de todos os tempos.
Se Brodie sonhava com a imortalidade, obteve-a… de certo modo.
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