30 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 274

Efemérides 30 de Setembro
Truman Capote (1924 - 1984)
Truman Streckfus Persons nasce em New Orleans, Louisiana, EUA. Em 1933 recebe o nome Truman Garcia Capote, adoptando o apelido do padrasto. Autor de contos, romances, peças teatrais obtém o reconhecimento com Breakfast At Tiffany's (1958) e In Cold Blood (1965), um livro de crime real. É considerado um dos maiores escritores norte americanos do século XX e um mestre da short story. O escritor tem cerca de 20 obras adaptadas ao cinema e televisão. Em Portugal estão editados vários livros do escritor, destacam-se os livros de contos:
1 – A Árvore da Noite (1959), Nº44 Colecção Dois Mundos, Editora Livros do Brasil. Título Original: A Tree Of Night (1949). Um conjunto de 8 short stories
2 – Música Para Camaleões (1984), Nº44 Colecção Autores Universais, Bertrand Editores. Título Original: Music For Chameleons (1980). Uma antologia de short stories de ficção e não ficção.
3 – Um Natal (1986), Editora Diffel. Título Original: One Christmas (1983). Conto autobiográfico. Reeditado em 1993 pela Editora Asa, na colecção Pequenos Prazeres, com o título Um Natal E Outras Histórias.
4 – Contos Completos (2008), Sextante Editora. Título Original: The Complete Stories Of Truman Capote (2004). Uma colectânea de 20 short stories
E ainda In Cold Blood editado pela primeira vez em 1967 na Colecção Dois Mundos, pela Editora Livros do Brasil com o título A Sangue Frio : narração verídica de um quádruplo assassínio e suas consequências. O livro foi depois editado pela Circulo de leitores em 1973, pela Editora Dom Quixote em 2006 com sucessivas reedições.



Michael Innes (1906 - 1994)
John Innes Mackintosh Stewart nasce em Edimburgo, Escócia. Professor e escritor policiário publica sob o pseudónimo Michael Innes 45 livros da série Inspector Appleby, iniciada em 1936 com Death At The President's Lodging; escreve ainda 3 livros na série Charles Honeybath e mais 10 romances. Como J. I. M. Stewart cerca de 20 livros policiários. Em Portugal estão publicados:
1 – A Peso Da Evidência (1962), Nº116 Colecção Xis, Editorial Minerva. Título Original: The Weight Of The Evidence (1943). É o 9º livro da série Inspector Appleby. Editado com o título Prova Incontestável (1995), Nº153 Colecção Livros de Bolso, Clube do Crime, Publicações Europa América.
2 – A Morte Do Alfarrabista (1963), Nº127 Colecção Xis, Editorial Minerva. Título Original: Silence Observed (1961). É o 19º livro da série Inspector Appleby.
3 – A Maldição De Shakespeare (1987), Nº478 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Long Farewell (1958). É o 17º livro da série Inspector Appleby.
4 – A Vingança De Hamlet (1989), Nº498 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Hamlet Revenge (1937). É o 2º livro da série Inspector Appleby.

5 – Posição Ingrata (1990), Nº12 Colecção Crime S. A. Editoria Ulisseia. Título Original: An Awkward Lie (1971). É o 25º livro da série Inspector Appleby.
6 – Morte Na Escócia (1994), Nº145 Colecção Livros de Bolso, Clube do Crime, Publicações Europa América. Título Original: Lament For A Maker (1938). É o 3º livro da série Inspector Appleby.
7 – Morte Na Coutada (1995), Nº575 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Death At the Chase (1970). É o 24º livro da série Inspector Appleby.
8 – O Caso Daffodil (1995), Nº152 Colecção Livros de Bolso, Clube do Crime, Publicações Europa América. Título Original: The Daffodil Affair (1942). É o 8º livro da série Inspector Appleby.
9 – A Casa Aberta (1996), Nº584 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Open House (1972). É o 26º livro da série Inspector Appleby.
10 – Outra História (1996), Nº591 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Appleby Other Story (1974). É o 28º livro da série Inspector Appleby.



TEMA — NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM — A MARCA DA CORAGEM OU DA COBARDIA
M Constantino
É erro vulgar conotar-se coragem ou cobardia com a força física: coragem como bravura e cobardia como medo. No mundo de hoje a vida não se compadece com jogos de soldadinhos. Nestas acepções são conceitos fora de moda: quantos gestos de coragem não resultam de desespero, outros considerados de cobardia são autênticos actos de sábia prudência?
Hoje em dia, a coragem é a virtude necessária ao ser humano para atravessar a estrada da existência. Coragem não é força física mas força anímica, uma resposta afirmativa aos choques do quotidiano, contrariedades, trabalhos, crises, doenças. Cobardia é ausência, o oposto daquela coragem e revela simplesmente que a potencialidade vital humana não é realizada, está bloqueada, transformada em preguiça. Quando, em termos da época presente, se procura o oposto da coragem, encontramos o conformismo — dir-se-ia a cobardia do conformismo. Coragem é uma qualidade interior, uma virtude ou atitude de nos relacionarmos connosco mesmo e com as nossas aptidões.
É mister alcançar o âmago dessa coragem, o ânimo para atacar de frente as nossas debilidades e revezes, com maior equanimidade enfrentar as situações externas, firmar-se nas próprias convicções com capacidade construtiva já que a coragem é também a base de qualquer relacionamento criativo. Existem, na realidade, pessoas que alardeiam ideias e projectos que mais não representam do que enganos de si próprios, jamais os levam a efeito ou, quando os iniciam já os estão a abandonar a favor de outras ideias e projectos igualmente irrealizáveis. As suas mentes estão cheias de verbo “projectar”, mas ignoram o “criar”, a sua coragem para agir é um vácuo. Para criar e agir é realmente necessário valor e verdadeira coragem. Em uma prosa inolvidável Balzac deixou-nos escritos alguns tópicos que não devem ser esquecidos:
Planear, sonhar e imaginar belas obras, é com certeza uma agradável ocupação… mas produzir sem jamais desanimar diante das convulsões desta vida louca, triunfar na tarefa da execução, já muitas mentes humanas não concebem esta coragem…
Numa época de compromissos, a capacidade humana de conservar firme as suas convicções sem que o determine parcela de obstinação, desafio ou retaliação, simplesmente porque é naquelas que se acredita, tem a marca da coragem. Coragem que emerge do senso da própria dignidade e da auto-estima, valor fundamental de todo o ser humano. E a coragem para dominar-se, confiar em si mesmo, apesar do facto de ser limitado no tempo e no espaço, significa agir, amar, pensar, criar embora reconheça que não tem respostas definitivas à Lei da Vida…


TEMA — CASOS E ACASOS DO CRIME — DOIS TIROS NO CORAÇÃO
O dia a dia do mundo humano, oferece-nos fartas possibilidades de aplicar a fórmula usual: acidente, suicídio ou crime? O caso que a seguir se relata dá-nos todos os ângulos apontados, inclusivamente a de um crime em recinto fechado. É, segundo nos parece, daqueles casos que, por tão estranho, deve ser guardado como recorte antológico.

O caso que vamos narrar, extraído dos arquivos do Departamento de Polícia de Cleveland, teve início com a chamada telefónica de um marido aflito. Soluçando, disse que a esposa havia disparado sobre si mesma.
Chegando ao local a polícia encontrou o desalentado marido afundado numa cadeira. O cadáver de sua esposa, com uma bala no coração achava-se estendido sobre a cama. Enquanto um detective interrogava o marido, um outro começou a procurar a arma. Descobriu-a, a três metros de distância do corpo, metida entre uma velha mala.
O marido afirmou que estava no quarto próximo quando ouviu o tiro. Embora vivessem em harmonia, disse, sua esposa ameaçava frequentemente suicidar-se.
Ao autopsiar o cadáver, o legista descobriu que duas balas haviam atravessado o coração exactamente no mesmo lugar. Entrementes, os detectives souberam que o casal havia discutido violentamente algumas horas antes do tiro. O marido apegou-se ao que havia dito e sustentou que apenas ouvira um tiro.
O que mais intrigou os detectives foi a descoberta da arma por trás da mala. Como, perguntavam, poderia a mulher ter desfechado dois tiros no próprio coração, e depois esconder a arma? Os factos indicavam que o marido estava a mentir.
No dia seguinte, porém, chegava um laudo mais completo. O revólver calibre 38 disparava apenas balas de curto tamanho maior que o normal, embora tivessem ambas o mesmo peso.
A arma fora disparada alguns anos antes e emperrara devido a uma cápsula defeituosa. O tiro recente, disparado pela mulher, impelira a bala emperrada à sua frente, entrando ambas no coração. O tremendo coice da arma arrebatou-a da mão da suicida e atirou-a para trás da mala.

Não é espantoso? Nenhuma diligência dos encarregados e tudo poderia ter sucedido; pelo menos acusar o marido da suicida transformando o caso num dos muitos erros judiciais.

29 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 273

Efemérides 29 de Setembro
Elizabeth Peters (1927)
Barbara Louise Gross Mertz nasce em Caton, Illinois, EUA. Doutorada em Egiptologia escreve livros de mistério, suspense e thriller muitos deles com a arqueologia e o Egipto como pano de fundo. Utiliza o pseudónimo Elizabeth Peters para as séries Vicky Bliss, Amelia Peabody Emerson e Jacqueline Kirby e outros romances, com um total de cerca de 40 títulos publicados. Sob o pseudónimo Barbara Michaels escreve 30 romances góticos e de sobrenatural. Elizabeth Peters está incluída no TEMA REGRESSAR AO PASSADO NO POLICIÁRIO publicado no CALEIDOSCÓPIO 5 (Clicar) e CALEIDOSCÓPIO 7 (Clicar). A autora acumula uma extensa lista de prémios que distinguem a literatura policiária. Em Portugal estão editados vários livros da escritora, alguns já referidos, mas que agora se sistematizam de forma mais completa.
Barbara Michaels
1 – Pontos Dados No Tempo (1997), Planeta Editora. Título Original: Stitches In Time (1995).
2 – O Monstro Do Labirinto (1998), Planeta Editora. Título Original: The Dancing Floor (1997).
3 – Outros Mundos (2000), Planeta Editora. Título Original: Other Worlds (1998).

Elizabeth Peters
1 – Um Crocodilo Na Duna (2002), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: Crocodile On The Sandbank (1975). É o 1º livro da série Amelia Peabody.
2 – A Maldição Dos Faraós (2003), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: The Curse Of The Pharaohs (1981). É o 2º livro da série Amelia Peabody.
3 – O Caso Da Múmia (2003), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: The Mummy Case (1985). É o 3º livro da série Amelia Peabody.
4 – Um Leão No Vale Caso (2003), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: Lion In The Valley (1986). É o 4º livro da série Amelia Peabody.
5 – Um Crime Do Museu Britânico (2005), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: Deeds Of The Disturber (1988). É o 5º livro da série Amelia Peabody.
6 – O Último Camelo Caiu Ao Meio-Dia (2007), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: The Last Camel Died At Noon (1991). É o 6º livro da série Amelia Peabody.
7 – A Cobra, O Crocodilo E O Cão (2008), Colecção Nocturnos, Editora Gótica. Título Original: The Snake, The Crocodile, And The Dog (1992). É o 7º livro da série Amelia Peabody.


Colin Dexter (1930)
Norman Colin Dexter nasce em Stamford, Lincolnshire, Inglaterra. Escritor policiário criador do Inspector Morse, que surge em 1975 em Last Bus To Woodstock e é o protagonista dos 13 romances do escritor e de um livro de contos. Colin Dexter tem recebido vários dos mais prestigiados galardões da narrativa policiária, inclusivamente é-lhe atribuído em 1997 o Diamond Dagger, Em Portugal estão publicados:
1 – Morte Em Jericó (1993), Nº37 Colecção Não Incomode, Editora Gradiva. Título Original: The Way Through The Woods (1975). É o 10º livro da série Inspector Morse. Premiado com o Silver Dagger, atribuído pela Crime Writers' Association.
2 – Desaparecida No Bosque (1995), Nº40 Colecção Não Incomode, Editora Gradiva. Título Original: The Death Of Jericho (1981). É o 10º livro da série Inspector Morse. Premiado com o Gold Dagger, atribuído pela Crime Writers' Association.

Donna Leon (1942)
Nasce em Montclaire, New Jersey, EUA. Professora de literatura inglesa um pouco por todo o mundo: Suíça, Arábia Saudita, China Irão, Itália. Donna Leon é a criadora do famoso Commissario Guido Brunetti figura central de 21 romances policiários que têm como cenário Veneza, a cidade onde a autora se fixou em 1891. A autora tem um romance The Jewels Of Paradise agendado para Outubro de 2012. Donna Leon tem sido distinguida com vários prémios e é uma escritora reconhecida internacionalmente, com obras publicadas em 24 países. Curiosamente, a sua obra não está traduzida em italiano por desejo expresso da autora. Em Portugal os seus livros têm sido editados pela Editorial Presença e pela Planeta (Clicar)


TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — AINDA A PERSONALIDADE DE CHARLIE ~
M Constantino
Continuação de CALEIDOSCÓPIO 237 (Clicar)
A casa de Charlie Chan em Punchbowl Hill estava longe de ser sossegada A vida com crianças estava igualmente longe de ser calma: de manhã muito cedo transformava-se o lar, um verdadeiro pandemónio de vozes por todo o lado, gritando, discutindo, rindo e pelo menos um chorando alto. Mas era sempre com um sentimento confortador que começava normalmente o seu dia de trabalho. Da porta da casa descortinava vales verdejantes, águas cristalinas, manchas roxas das copas as poincianas em plena floração, chorões dourados em generosa quantidade, aqui e ali a nota rubra de uma latada de buganvílias o que alegrava o seu coração.
Com sentimento de respeito lembrava o cemitério da encosta onde repousava sua mãe, que ele trouxera da China para com eles passar os últimos anos a vida.
Para Chan, como para os demais chineses, a noite é o seu momento favorito: sentado, imóvel, na varanda como um buda de pedra, numa serena indiferença aos factos, estende os olhos sobre as luzes vacilantes da cidade, para a curva da praia de Waikiki, que resplandece toda branca sob o luar tropical. É um homem calmo e este é sempre um dos momentos mais calmos sua vida. A lua do Havai tem um poder mágico.
No interior da casa, a sua esposa, que encontrara pela primeira vez na praia, esbelta como um junco, bonita como os botões da ameixoeira, hoje é uma mulher de aspecto agradável, quase tão nutrida quanto Chan, com um plácido sorriso rosto olhos calmos.
A arrumada sala da casa algo de que o casal -tem orgulho. Um único quadro na parede, pintado em seda, representando um pássaro pousado num ramo de macieira. Encanto e simplicidade. Segundo Chan “um quadro é um poema mudo”. E Chan gosta de poesia, estuda poesia com o mesmo interesse que costuma estudar os crimes misteriosos que enchem as páginas dos jornais.
Por debaixo do quadro uma mesa quadrada ladeada de cadeiras de braço. Nos outros móveis, em madeira de teca, vasos brancos e azuis, jarras de porcelana, árvores anãs. Lanternas ouro-pálido pendiam do tecto. No chão um tapete de cores suaves.
“… tenho observado o que representa o lar para vocês, gente do continente. Um apartamento não privado, um pombal em que se repousa depois da dança ou do passeio de automóvel. Nós, os chineses, somos diferentes. Amor, casamento, lar… ainda nos apegamos a casas fora de moda, como essas. O lar é o santuário dentro do qual nos enclausuramos. O pai é um alto sacerdote, e os focos dos altares ardem como chama brilhante…” “…alimento grosseiro para comer, água para beber, e o braço dobrado por travesseiro, eis velha definição da felicidade na minha terra. Que é a ambição? Um cancro que rói o coração branco roubando-lhe as alegrias do contentamento…”
Nas Chan tinha outras pequenas felicidades… esquecer as preocupações de detective flutuando languidamente na água da praia, de papo para o ar, o enorme ventre a distinguir-se como uma bolha sobre a superfície.
O posto da polícia, que ficava no andar térreo, sob o tribunal, na retaguarda, ficava a sala de chá, que era o seu orgulho e alegria. Fora-lhe destinada pelo seu chefe quando agira com brilhante sucesso no caso Fane. Dali via, através da janela, a alameda que corria por detrás dos edifícios.
Não são muitos os crimes em Honolulu. Mas Chan, um caçador de criminosos, reconhece que o homem tranquilo é o homem feliz e não se queixa desta verdade.
Os orientais sabem que há uma ocasião para pescar e outra para enxugar as redes. Diz: “Procuro não deixar escapar a minha ansiedade e cumpro os meus deveres apresentando certa calma interior. Muitas vezes contemplando a cidade adormecida, sofro a tortura de desejar que o telefone traga uma comunicação importante. Vou realmente onde o dever me leva, mas prefiro ficar ocioso. Será possível nadar num tapete? Não, temos de procurar um lugar onde haja água profunda.”
Tinha os seus triunfos, mas não se sentia orgulhoso. Era-lhe impossível encarar os factos, friamente, sob um prisma científico. Meditava sobre os homens, sobre o coração humano, negava-se ao regozijo nos momentos de triunfo.
Oiçamos a sua experiencia policial:
As impressões digitais e outras provas são boas nos romances policiais, mas não tanto na vida real. A minha experiência ensinou-me a pensar muito na natureza humana. Paixões humanas, sempre acompanham o crime. Estudo incansavelmente a natureza humana. Em todo o caso, gosto dos métodos de Scotland! Yard.
É pena que a gente cometa tantos erros no decorrer da vida. Eu, por mim, sou um estúpido trapalhão.
Um velho chinês, discípulo de Confúcio disse: “Os tolos interrogam outras pessoas, o homem avisa do interroga-se a si próprio.”. Por isso as minhas investigações aparentam inocência; é o meu sistema, neste jogo é melhor que o adversário não saiba o que pensamos. Não se deve agir com ideias preconcebidas. Em caso de homicídio, o primeiro dever do detective é examinar a posição em que o corpo caiu, um tiro pode ter vindo de qualquer lado, por vezes o atingido dá uns passos antes de cair. É preciso ouvir o médico, é prudente não tirar conclusões precipitadamente. Se tivermos respostas muito prontas, podemos enganar-nos, como os meus filhos quando estudam álgebra Aquele que se apressa demais não pode ter o passo firme.
Muitas vezes parece-nos que subindo não encontramos o caminho e descendo, não achamos saída. Mas mesmo um cego, se conhece bem a estrada, pode indicar o caminho, por isso temos que observar tudo muito bem. Não, adivinhar não. Adivinhar é uma coisa barata, mas adivinhar errado é uma coisa muito cara.
Nos interrogatórios não é meu costume usar lápis e papel, estes produzem, muitas vezes, um efeito prejudicial na pessoa que fala. Guardo tudo na cabeça e oportunamente tomo notas.
Às vezes, há indícios demais: tantos que se venderiam alguns bem baratos. Mas a prática tem demonstrado que com o correr do tempo os indícios vão tomando o seu devido valor; os falsos desvanecem-se, os verdadeiros reúnem-se e transformam-se num inequívoco sinal luminoso.
Os álibis perfeitos muitas vezes tornam-se imperfeitos sem grandes dificuldades.
E conclui:
É no coração humano que se encontram os grandes motivos. Que paixão teria feito este “trabalho”? Ódio, ambição, inveja ou ciúme? É no estudo das pessoas que está a solução. Mas, como diz um filósofo da minha terra “Os peixes no fundo da água podem ser fisgados, os pássaros no ar, podem ser caçados, mas o coração do homem está fora do nosso alcance”.
Será este o sistema para um bom detective? Não sou bom polícia, a minha cabeça como o Rio Amarelo. Mas alguém já disse que até o Rio Amarelo tem dias em que é mais claro.
Sobretudo não desanimem. Lembro-me do meu primeiro caso importante. Pensam que descobri alguma coisa!
Pode uma formiga arrancar uma árvore?
Como se vê, Charlie Chan é pródigo em citar provérbios e pensamentos chineses. Alguns não passam de adequações de ocasião.
Vejamos ao acaso:
Se a força fosse tudo, o tigre não tinha medo do escorpião. Por uma palavra, um homem pode ser considerado prudente, por uma palavra pode ser considerado insensato. Quanto mais forte o trovão, mais fraca e a chuva. As nuvens escuras passam, o céu azul permanece. Nenhum homem gosta da pessoa que guiou os seus passos vacilantes até ao degrau superior da escada. Muito poucos oradores de banquetes têm o bom gosto de parar a tempo. Até um mendigo hesita em atravessar uma ponte em ruínas. Que lucram os mortos com o sofrimento dos vivos? Quando uma árvore cai, a sua sombra desaparece O homem que atravessa o rio a vau não deve despertar o crocodilo que dorme.
E continuando para recreio próprio: No escuro, por vezes, é difícil distinguir o gavião do corvo. Quem vive com grande evidência chama a atenção do destino. O homem não pode pensar debaixo de uma árvore cheia de papagaios. Aquele que pesca em águas turvas não pode distinguir o peixe grande do pequeno. A felicidade não é uma questão de geografia. Intuições são chaves para as portas da verdade. Para os felizes até as raízes dos repolhos são odoríferas.

Em jeito de conclusão da figura de Charlie Chan, é lícito esclarecer que à época as Ilhas Havai não eram um Estado da União (hoje é o 50º), mas uma colónia ou território dos Estados Unidos povoada por orientais em percentagem muito elevada, abundando os chineses, pelo que seria lógico colocar num posto oficial da polícia um chinês para tratar com chineses.
Charlie nasceu na China e chegou a Honolulu por volta de 1920 Serviu como cozinheiro, foi mordomo na família Phillimore, depois ingressou na polícia.
Quando sargento actuava com certa autonomia, mas não tinha direito a ajudante; ao ser promovido inspector obteve como ajudante precisamente um sargento, o sargento Kashimo, jovem, inexperiente e mesmo pouco esperto, todavia de uma dedicação extrema seu superior que, aliás, o tratava como verdadeiro filho.
Reúnem-se em Charlie Chan todos os defeitos qualidades — na época — dos filhos do Celeste Império: imperturbável, humilde, cortês, cerimonioso, fala pouco, é hermético nos seus conhecimentos.



28 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 272

Efemérides 28 de Setembro
Sapper (1888 – 1937)
Herman Cyril McNeile nasce em Bodmin, Cornwell, Inglaterra. Escreve sob o pseudónimo Sapper e torna-se um autor muito popular na sua época, em especial devido à série Bulldog (ver TEMA em baixo) com 15 títulos publicados. Alem destes, Sapper escreve mais cerca de 30 romances policiários. Em Portugal está publicado:
1 – Knock Out (1947), Nº5 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Knock Out (1933), também editado com o título Bulldog Drummond Strikes Back.

Capa de Cândido Costa Pinto


Ellis Peters (1913 – 1995)
Edith Mary Pargeter nasce em Horsehay, Shropshire, Inglaterra. Escreve sob vários pseudónimos: John Redfern, Jolyon Carr, Peter Benedict em especial sobre História ou ficção histórica. Mas no campo da narrativa policiária assina como Ellis Peters as populares séries Brother Cadfael, com 20 livros e Felse Family, com 13 títulos publicados. A autora recebe em 1963 o Edgar Award para Best Novel com Death And The Joyful Woman (1961), o 2º livro da série Felse Family e em 1993 é galardoada com o Diamond Dagger, atribuído pela Crime Writer’s Association que distingue a carreira literária de escritores policiários. O livro Death And The Joyful Woman está editado pela Livros do Brasil na Colecção Vampiro, Nº207 com o título Alegria E Morte (1964); a autora tem ainda mais 19 títulos editados pelas Publicações Europa América (Clicar).


Capa de Lima de Freitas



Marcia Muller (1944)
Marcia Muller nasce em Detroit, Michigam, EUA. Na sua obra destaca-se a série Sharon McCone, com 29 romances, protagonizados por uma mulher detective privado, publicados entre 1977 e 2011. Traduzida em várias línguas e com mais de 2 milhões de cópias vendidas, a escritora tem sido distinguida com vários prémios e nomeações com The Shape of Dread (1989), Where Echoes Live (1991), Wolf In The Shadows (1993) Listen To The Silence (2000) e Vanishing Point (2007). Marcia Muller é casada com o escritor Bill Prozini, referido nas Efemérides do CALEIDOSCÓPIO 104 (Clicar). Os dois escritores têm obras literárias em conjunto, romances e edição de antologias.



TEMA — APRESENTANDO UM PERSONAGEM DE SAPPER
M Constantino
Um dos mais famosos personagens ligado à ficção de espionagem é, sem dúvida “Bulldog” Drummond, alcunha aplicada ao capitão Hugh Drummond que pertencera ao activo do Red Regimento de Lanceiros de Lanceiros de Sua Majestade Britânica. Era um homem grande, de longos ombros, nada tinha de bonito, mas inspirava confiança e simpatia. O nariz apresentava fortes marcas da escola de boxeurs de pesos pesados, boca grande e sorriso agradável, olhos francos e expressivos onde se misturava a sua natureza de desportista, herói e cavalheiro.
A lealdade e o patriotismo eram as principais características deste aventureiro e veterano da I Grande Guerra, que não esquecera que os alemães eram inimigos terríveis. Fora para eles a sua acção de espionagem, para que fora contratado, e depois para o novo perigo representado pelo recém implantado regime comunista russo. “Bulldog” está na linha dos espiões superdotados, capazes de utilizar todos os meios, o legal e o ilegal, o moral e o imoral, para conseguir os fins determinados
As novelas protagonizadas pelo Capitão são de espionagem e entram, por vezes, no policiário (sempre com a ajuda da sua equipa, Algie e Tenny), graças à intervenção do coronel Neelson da Scotland Yard.


TEMA — A ARTE DA LITERATURA TERROR — JANELA ENTAIPADA
De Ambrose Bierce (1842-1914)
Em 1830, a poucas milhas do que é agora a grande cidade de Cincinati, plantava-se imensa e quase floresta virgem. Toda a região era esparsamente povoada pela gente da fronteira, almas inquietas, que mal construíam moradas habitáveis naquele deserto e atingiam esse grau de prosperidade que hoje chamamos indigência, e logo, impelidas põe um misterioso impulso da própria natureza, tudo abandonavam e prosseguiam o avanço para oeste, ao encontro de novos perigos e provações, no esforço de reconquistar os mesmos magros confortos a que tinham voluntariamente renunciado.
Muitos deles haviam já abandonado aquela região por paragens mais remotas, mas entre os que ficaram, estava o homem que ali chegara em primeiro lugar. Vivia sozinho numa cabana de toros empilhados, rodeado por todos os lados pela grande floresta, de cuja desolação e silêncio parecia parte integrante, pois ninguém lhe surpreendera jamais o menor sorriso ou uma única palavra supérflua. As suas parcas necessidades bastavam-se com a venda ou troca de peles de animais selvagens, na cidade ribeirinha. Sim, porque nada medraria naquela terra que, em caso de necessidade, ele poderia reclamar, por direito de posse pacífica e nunca contestada.
Havia, entretanto, sinais de melhoramentos. Alguns acres, imediatamente ao redor da casa, foram certa vez desbastados de árvores, cujos detritos em decomposição desapareciam, semi-recobertos pela nova vegetação irrompia como para reparar o estrago feito pelo machado derrubador. Aparentemente o entusiasmo do homem pela agricultura consumira-se em fogo lento até expirar nas cinzas penitenciais.
A pequena cabana de toros com a sua chaminé rústica e o tecto de pranchas empenadas, embuçadas de cal e mantidas pelo peso de vigas atravessadas, tinha uma só porta e, do lado directamente oposto, uma janela. Esta era, contudo, tapada com tábuas pregadas, e ninguém se lembrava do tempo em que se abria livremente. Como também pessoa alguma sabia a razão porque estava entaipada. Certo, não seria horror à luz ou ao ar do velho morador, pois nas raras ocasiões em que um caçador acontecia passar por esse lugar solitário, o recluso era visto a tomar sol, no alpendre, quando coincidia brilhar o astro rei, é claro. Imagino que pouca gente, hoje viva, conheça o segredo dessa janela tão bem como eu, como demonstrarei a seguir.
O nome do homem devia ser Murlock. Aparentava setenta anos de idade, mas na realidade contava apenas cinquenta. Algo, além do tempo, contribuíra para envelhecê-lo. Os cabelos e as longas e abundantes barbas estavam completamente brancos. Os olhos cinzentos e sem brilho encovavam-se em olheiras fundas. O rosto, singularmente encarquilhado, apresentava rugas aparentemente pertencentes a dois sistemas inter-seccionais. De talhe era alto e robusto, com um ombro ligeiramente caído, traindo o longo exercício de carregar pesos. Nunca o vi na minha vida. Estes detalhes, aprendi-os do meu avô, de quem obtive também a história da curiosa personagem em questão, ainda nos dias da meninice.
Um dia, Murlock fora encontrado morto, na sua cabana. Não havia ainda então peritos policiais e jornalistas e, ao que suponho, chegou-se à conclusão de que morrera de morte natural, pois, de contrário, tudo me teria sido contado e eu forçosamente me lembraria. Sei apenas que, com o que era provavelmente um senso natural da medida das coisas, o corpo fora enterrado junto do casebre, ao lado da sepultura de sua esposa, que o precedera de tantos anos na morte, e que a tradição local mal conservara apagada noção da sua existência. E assim se encerrou o capítulo final dessa história verdadeira, com excepção, realmente, da circunstância de que muitos anos depois, em companhia de outro espírito não menos intrépido, penetrei naquele local e aventurei-me bastante perto da choupana arruinada, a uma distância em que me seria possível atirar uma pedra sobre ela e correr para me pôr fora do alcance do fantasma que qualquer rapazinho bem informado das cercanias sabia infestar aquele local. Havia, porém, o capítulo precedente, que me contou o meu avô.
Quando Murlock construiu a sua cabana e começou a manejar estouvadamente o machado, derrubando o mato próximo para instalar um campo de lavoura, e usando habilidosamente a espingarda na obtenção dos seus meios de subsistência, era jovem, forte e cheio de esperança. No país de Leste, de onde viera, casara-se conforme o uso com uma donzela, a todos os títulos digna da sua maior devoção e que compartilhava dos perigos e privações do marido, com o espírito benévolo e o coração alegre. Não ficou a menor menção do seu nome ou dos seus dotes encantadores, e a habitual tradição pessoal silenciava sobre a prendada mulher. Aos cépticos deixava-se a liberdade de apegar-se às próprias dúvidas das quais Deus me livre de guardar ou participar. Da afeição e felicidade do casal testemunhava sobejamente cada dia de viuvez do nosso bom homem. Pois que mais a não ser o magnetismo de uma abençoada memória poderia arrastar alma tão aventureira a uma vida tão penosa num lugar tão solitário?
Certa vez, Murlock voltando da caça de uma parte distante da floresta, encontrou a mulher prostrada, com febre e delirante. Não havia médico várias milhas ao redor, nem mesmo vizinho. Acrescia que ela não se achava em condições de ser deixada sozinha para que o marido procurasse socorro. Então, assumiu ele a tarefa de tratá-la e restaurar-lhe a saúde, mas ao cabo do terceiro dia, a mulher tombou na inconsciência e faleceu assim, sem aparentemente ter mostrado o mais fraco vislumbre de ter recuperado os sentidos.
Pelo que conheço de uma natureza como a sua, posso arriscar-me a esboçar alguns detalhes do seu retrato, delineado por meu avô.
Após certificar-se de que a esposa estava morta, teve Murlock bastante senso para se lembrar de que os defuntos devem ser preparados para o enterro. No cumprimento desse sagrado dever, porém, ele cometeu toda a sorte de trapalhadas, fazendo algumas coisas incorrectas e outras certas, mas repetidas a esmo muitas e muitas vezes. Os seus fracassos ocasionais em realizar certos actos simples enchia-o de assombro, como um bêbado que se admira de perder o senso natural e familiar do equilíbrio. Também se surpreendera por não ter chorado. Tomara-o de surpresa a morte da esposa, e a vergonha era grande por permanecer de olhos enxutos diante do cadáver querido.
— Amanhã — disse, em voz alta terei de fazer o caixão e cavar a sepultura. Depois, então, é que sentirei a sua falta e terei saudades quando os meus olhos não mais a virem. Agora, ela morreu, com efeito, mas tudo está bem, porque ainda está aqui. Afinal tudo tem de estar bem, de qualquer modo. As coisas jamais são tão ruins como parecem.
Plantara-se inclinado sobre o corpo, à luz bruxuleante do aposento, ajustando-lhe os cabelos e dando os últimos retoques à simples toilette fúnebre, fazendo tudo isso mecanicamente, com uma solicitude abstracta. Ainda e sempre, através do seu subconsciente, corria-lhe um sentimento, uma espécie de convicção reflexa de que tudo marchava bem. De que aquilo não era definitivo. A mulher voltaria para o seu lado, viveria como dantes e tudo se explicaria naturalmente. Não tinha experiência do sofrimento. A sua capacidade deixara de desenvolver-se por falta de uso. O coração não suportaria aquela carga de dor, nem a sua imaginação podia conceber tal coisa com exactidão. Simplesmente não sabia que fora duramente ferido, e tal compreensão viria depois e desde então não o deixaria mais.
A dor é um artista de poderosos recursos, tão variados como os instrumentos em que executa os seus cantos para os mortos, tirando de uns as notas agudas e cortantes, de outros os acordes graves e soturnos, que angustiam e enlouquecem como um lento e interminável rufar de tambor distante. Certos temperamentos espantam-se, outros ficam estarrecidos. Para alguns, é como o impacto de uma flecha, acicatando todas as sensibilidades para uma vida mais ardente, outros sentem como que a pancada de uma clava que esmaga, atordoando. Podemos figurar Murlock afectado pela segunda maneira, (pois aqui pisamos terreno mais sólido do que simples conjectura) tão logo terminou a sua piedosa tarefa, deixou-se cair sobre a cadeira, ao lado da mesa sobre a qual repousava a morta e, notando como era pálido o seu perfil no crepúsculo denso, cruzou os braços nos bordos da mesa, e sobre eles reclinou o rosto, ainda sem lágrimas e infinitamente cansado.
Nesse instante, entrou pela janela aberta um som longo e lamuriento, semelhante ao choro apavorado de uma criança perdida no mais escuro da floresta. O homem não se mexeu. Novamente e mais perto ainda, ressoou o grito lancinante aos seus ouvidos tontos de mágoa. Talvez fosse um animal selvagem, talvez um simples sonho.
Entretanto, Murlock, adormecera.
Algumas horas mais tarde, como posteriormente se esclareceu, Murlock acordou e, erguendo a cabeça de entre os braços cruzados, pôs-se a escutar com atenção, embora sem saber porquê. E ali, na negra escuridão, junto da morta, rememorando factos sem emoção visível, arregalou os olhos para ver, ainda sem saber o quê. Todos os seus sentidos alertavam, a respiração suspensa, o sangue congelado nas veias como para não perturbar o silêncio.
Quem ou o quê o acordara e de onde vinha?
De repente, a mesa estremeceu sobre os seus braços, e no mesmo instante ouviu, ou imaginou ouvir, uma passada leve e abafada… depois outra mais… soando como pés descalços no soalho!
Ganhou-o um terror paralisante que o impedia de gritar ou de se mover. Viu-se forçado a esperar, ali nas trevas, durante o que lhe pareceu séculos de um pavor tal que pensou não escapar para contar.
Tentou em vão balbuciar o nome da defuma, debalde quis estender a mão através da mesa para se certificar de que ainda lá estava. A sua garganta permaneceu inerte e os seus braços e mãos pesavam-lhe como chumbo.
Passou-se então qualquer coisa ainda de mais terrível. Um corpo pesado como que se apoiou contra a mesa com tal ímpeto que lançou violentamente o móvel sobre o peito de Murlock, quase derrubando-o. E ao mesmo tempo, ele ouviu e sentiu a queda de alguém no chão, com tamanha violência, que toda a casa foi sacudida pelo abalo. Seguiu-se um rumor de luta e uma confusão de sons impossível de serem descritos.
Murlock pusera-se de pé. O excesso de medo tirara-lhe o domínio das faculdades. Conseguiu atirar as mãos sobre a mesa, explorando-a. Ninguém estava sobre ela!
Há um ponto em que o terror pode transformar-se em loucura.
E a loucura incita à acção. Sem intento definido, sem motivo claro além do cego impulso de um louco, Murlock correu até à parede e, com rápido tactear febril, agarrou o fuzil carregado. Sem alvo nem pontaria disparou a arma. Ao vivido clarão que iluminou a sala, lobrigou uma enorme onça que arrastava o cadáver da mulher para a janela, pendente das presas aguçadas.
Depois voltaram as trevas mais negras do que dantes, e o silêncio espesso envolveu tudo. Quando ele recobrou o conhecimento, o sol ia alto e a floresta enchia-se do canto da passarada.
A morta jazia junto à janela, onde a fera a largara, espantada pelo clarão e o estampido do tiro. As vestes estavam em desalinho e a longa cabeleira despenteada, os membros contorcidos em todas as direcções. Da garganta, horrivelmente dilacerada, jorrara um mar de sangue ainda não de todo coagulado. A fita que lhe atava os pulsos rebentara e os dedos crispavam-se em garra. E entre os seus dentes estava um pedacinho da orelha do animal!


27 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 271

Efemérides 27 de Setembro
Jim Thompson (1906 – 1977)
Este escritor não deve ser confundido com James Thompson, escritor nascido nos EUA, mas a viver na Finlândia e referido em NOVIDADES (clicar).
James Myers Thompson nasce em Anadarko, Caddo County, Oklahoma, EUA. Escritor policiário e argumentista, com mais de 30 romances publicados, só é devidamente reconhecido depois da sua morte. Ver mais detalhes em TEMA.
Em Portugal estão editados:
1 – Violência E Uma Cabana (1987), Nº46 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: Cropper’s Cabin (1952).
1 – 1280 Almas (1987), Nº8 Colecção Estórias, Editora Teorema. Título Original: Pop 1280 (1964) Reeditado em 2006 pela mesma editora na Colecção Outras estórias
1 – O Homem Zero (1991), Círculo de Leitores Título Original: The Nothing Man (1954)
1 – Os Vigaristas (1992), Nº2 Colecção Bolso Negro, Editora Puma. Título Original: The Grifters (1963).
1 – O Assassino Dentro De Mim (1993), Nº18 Colecções Bolso Negro, Editora Puma. Título Original: The Killer Inside Me (1952).
1 – Escape (1996), Colecção Literatura e Cinema, Diário de Notícias. Título Original: The Getaway (1958).




TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — THOMPSON O HOMEM E O ESCRITOR
M Constantino
Homem de muitos ofícios, desde moço de hotel, cobrador, camionista, perito em explosivos numa companhia petrolífera, segurança, vendedor ambulante, etc, — profissões estas que utilizou mais tarde na ficção — antes de se tornar jornalista e colaborador em revistas populares. No período da “caça às bruxas” americana foi incluído na lista negra dos influentes adeptos do marxismo, sendo obrigado a esconder-se, sem consequências, por ser considerado na prática um desconhecido do público Posteriormente aparece como guionista cinematográfico, tendo adaptado textos quer para o cinema quer para televisão, chegando a ser figurante.
Apesar de a sua obra ter sido publicada, maioritariamente em edições populares, usando os seus diferentes conhecimentos da vida real, pessoal e familiar, próximo da autobiografia, escreveu sobre o alcoolismo e o erotismo, debruçou-se sobre a parte social com incursões à depressão americana cujos cenários conhece. Desta digressão resulta a fixação literária na área dos “duros muito duros”, realista, crítica e no campo da psicologia criminal
O primeiro romance de Thompson “Now And The Earth” (1942), versa sobre um escritor de nome Jim (protagonismo?), segue-se um bom lote de livros, muitos dos quais adaptados à tela; o último romance publicado antes da morte do autor, em 7 de Abril de 1977, foi “King Blood”, existindo diversas obras póstumas.

Jim Thompson