28 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 272

Efemérides 28 de Setembro
Sapper (1888 – 1937)
Herman Cyril McNeile nasce em Bodmin, Cornwell, Inglaterra. Escreve sob o pseudónimo Sapper e torna-se um autor muito popular na sua época, em especial devido à série Bulldog (ver TEMA em baixo) com 15 títulos publicados. Alem destes, Sapper escreve mais cerca de 30 romances policiários. Em Portugal está publicado:
1 – Knock Out (1947), Nº5 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Knock Out (1933), também editado com o título Bulldog Drummond Strikes Back.

Capa de Cândido Costa Pinto


Ellis Peters (1913 – 1995)
Edith Mary Pargeter nasce em Horsehay, Shropshire, Inglaterra. Escreve sob vários pseudónimos: John Redfern, Jolyon Carr, Peter Benedict em especial sobre História ou ficção histórica. Mas no campo da narrativa policiária assina como Ellis Peters as populares séries Brother Cadfael, com 20 livros e Felse Family, com 13 títulos publicados. A autora recebe em 1963 o Edgar Award para Best Novel com Death And The Joyful Woman (1961), o 2º livro da série Felse Family e em 1993 é galardoada com o Diamond Dagger, atribuído pela Crime Writer’s Association que distingue a carreira literária de escritores policiários. O livro Death And The Joyful Woman está editado pela Livros do Brasil na Colecção Vampiro, Nº207 com o título Alegria E Morte (1964); a autora tem ainda mais 19 títulos editados pelas Publicações Europa América (Clicar).


Capa de Lima de Freitas



Marcia Muller (1944)
Marcia Muller nasce em Detroit, Michigam, EUA. Na sua obra destaca-se a série Sharon McCone, com 29 romances, protagonizados por uma mulher detective privado, publicados entre 1977 e 2011. Traduzida em várias línguas e com mais de 2 milhões de cópias vendidas, a escritora tem sido distinguida com vários prémios e nomeações com The Shape of Dread (1989), Where Echoes Live (1991), Wolf In The Shadows (1993) Listen To The Silence (2000) e Vanishing Point (2007). Marcia Muller é casada com o escritor Bill Prozini, referido nas Efemérides do CALEIDOSCÓPIO 104 (Clicar). Os dois escritores têm obras literárias em conjunto, romances e edição de antologias.



TEMA — APRESENTANDO UM PERSONAGEM DE SAPPER
M Constantino
Um dos mais famosos personagens ligado à ficção de espionagem é, sem dúvida “Bulldog” Drummond, alcunha aplicada ao capitão Hugh Drummond que pertencera ao activo do Red Regimento de Lanceiros de Lanceiros de Sua Majestade Britânica. Era um homem grande, de longos ombros, nada tinha de bonito, mas inspirava confiança e simpatia. O nariz apresentava fortes marcas da escola de boxeurs de pesos pesados, boca grande e sorriso agradável, olhos francos e expressivos onde se misturava a sua natureza de desportista, herói e cavalheiro.
A lealdade e o patriotismo eram as principais características deste aventureiro e veterano da I Grande Guerra, que não esquecera que os alemães eram inimigos terríveis. Fora para eles a sua acção de espionagem, para que fora contratado, e depois para o novo perigo representado pelo recém implantado regime comunista russo. “Bulldog” está na linha dos espiões superdotados, capazes de utilizar todos os meios, o legal e o ilegal, o moral e o imoral, para conseguir os fins determinados
As novelas protagonizadas pelo Capitão são de espionagem e entram, por vezes, no policiário (sempre com a ajuda da sua equipa, Algie e Tenny), graças à intervenção do coronel Neelson da Scotland Yard.


TEMA — A ARTE DA LITERATURA TERROR — JANELA ENTAIPADA
De Ambrose Bierce (1842-1914)
Em 1830, a poucas milhas do que é agora a grande cidade de Cincinati, plantava-se imensa e quase floresta virgem. Toda a região era esparsamente povoada pela gente da fronteira, almas inquietas, que mal construíam moradas habitáveis naquele deserto e atingiam esse grau de prosperidade que hoje chamamos indigência, e logo, impelidas põe um misterioso impulso da própria natureza, tudo abandonavam e prosseguiam o avanço para oeste, ao encontro de novos perigos e provações, no esforço de reconquistar os mesmos magros confortos a que tinham voluntariamente renunciado.
Muitos deles haviam já abandonado aquela região por paragens mais remotas, mas entre os que ficaram, estava o homem que ali chegara em primeiro lugar. Vivia sozinho numa cabana de toros empilhados, rodeado por todos os lados pela grande floresta, de cuja desolação e silêncio parecia parte integrante, pois ninguém lhe surpreendera jamais o menor sorriso ou uma única palavra supérflua. As suas parcas necessidades bastavam-se com a venda ou troca de peles de animais selvagens, na cidade ribeirinha. Sim, porque nada medraria naquela terra que, em caso de necessidade, ele poderia reclamar, por direito de posse pacífica e nunca contestada.
Havia, entretanto, sinais de melhoramentos. Alguns acres, imediatamente ao redor da casa, foram certa vez desbastados de árvores, cujos detritos em decomposição desapareciam, semi-recobertos pela nova vegetação irrompia como para reparar o estrago feito pelo machado derrubador. Aparentemente o entusiasmo do homem pela agricultura consumira-se em fogo lento até expirar nas cinzas penitenciais.
A pequena cabana de toros com a sua chaminé rústica e o tecto de pranchas empenadas, embuçadas de cal e mantidas pelo peso de vigas atravessadas, tinha uma só porta e, do lado directamente oposto, uma janela. Esta era, contudo, tapada com tábuas pregadas, e ninguém se lembrava do tempo em que se abria livremente. Como também pessoa alguma sabia a razão porque estava entaipada. Certo, não seria horror à luz ou ao ar do velho morador, pois nas raras ocasiões em que um caçador acontecia passar por esse lugar solitário, o recluso era visto a tomar sol, no alpendre, quando coincidia brilhar o astro rei, é claro. Imagino que pouca gente, hoje viva, conheça o segredo dessa janela tão bem como eu, como demonstrarei a seguir.
O nome do homem devia ser Murlock. Aparentava setenta anos de idade, mas na realidade contava apenas cinquenta. Algo, além do tempo, contribuíra para envelhecê-lo. Os cabelos e as longas e abundantes barbas estavam completamente brancos. Os olhos cinzentos e sem brilho encovavam-se em olheiras fundas. O rosto, singularmente encarquilhado, apresentava rugas aparentemente pertencentes a dois sistemas inter-seccionais. De talhe era alto e robusto, com um ombro ligeiramente caído, traindo o longo exercício de carregar pesos. Nunca o vi na minha vida. Estes detalhes, aprendi-os do meu avô, de quem obtive também a história da curiosa personagem em questão, ainda nos dias da meninice.
Um dia, Murlock fora encontrado morto, na sua cabana. Não havia ainda então peritos policiais e jornalistas e, ao que suponho, chegou-se à conclusão de que morrera de morte natural, pois, de contrário, tudo me teria sido contado e eu forçosamente me lembraria. Sei apenas que, com o que era provavelmente um senso natural da medida das coisas, o corpo fora enterrado junto do casebre, ao lado da sepultura de sua esposa, que o precedera de tantos anos na morte, e que a tradição local mal conservara apagada noção da sua existência. E assim se encerrou o capítulo final dessa história verdadeira, com excepção, realmente, da circunstância de que muitos anos depois, em companhia de outro espírito não menos intrépido, penetrei naquele local e aventurei-me bastante perto da choupana arruinada, a uma distância em que me seria possível atirar uma pedra sobre ela e correr para me pôr fora do alcance do fantasma que qualquer rapazinho bem informado das cercanias sabia infestar aquele local. Havia, porém, o capítulo precedente, que me contou o meu avô.
Quando Murlock construiu a sua cabana e começou a manejar estouvadamente o machado, derrubando o mato próximo para instalar um campo de lavoura, e usando habilidosamente a espingarda na obtenção dos seus meios de subsistência, era jovem, forte e cheio de esperança. No país de Leste, de onde viera, casara-se conforme o uso com uma donzela, a todos os títulos digna da sua maior devoção e que compartilhava dos perigos e privações do marido, com o espírito benévolo e o coração alegre. Não ficou a menor menção do seu nome ou dos seus dotes encantadores, e a habitual tradição pessoal silenciava sobre a prendada mulher. Aos cépticos deixava-se a liberdade de apegar-se às próprias dúvidas das quais Deus me livre de guardar ou participar. Da afeição e felicidade do casal testemunhava sobejamente cada dia de viuvez do nosso bom homem. Pois que mais a não ser o magnetismo de uma abençoada memória poderia arrastar alma tão aventureira a uma vida tão penosa num lugar tão solitário?
Certa vez, Murlock voltando da caça de uma parte distante da floresta, encontrou a mulher prostrada, com febre e delirante. Não havia médico várias milhas ao redor, nem mesmo vizinho. Acrescia que ela não se achava em condições de ser deixada sozinha para que o marido procurasse socorro. Então, assumiu ele a tarefa de tratá-la e restaurar-lhe a saúde, mas ao cabo do terceiro dia, a mulher tombou na inconsciência e faleceu assim, sem aparentemente ter mostrado o mais fraco vislumbre de ter recuperado os sentidos.
Pelo que conheço de uma natureza como a sua, posso arriscar-me a esboçar alguns detalhes do seu retrato, delineado por meu avô.
Após certificar-se de que a esposa estava morta, teve Murlock bastante senso para se lembrar de que os defuntos devem ser preparados para o enterro. No cumprimento desse sagrado dever, porém, ele cometeu toda a sorte de trapalhadas, fazendo algumas coisas incorrectas e outras certas, mas repetidas a esmo muitas e muitas vezes. Os seus fracassos ocasionais em realizar certos actos simples enchia-o de assombro, como um bêbado que se admira de perder o senso natural e familiar do equilíbrio. Também se surpreendera por não ter chorado. Tomara-o de surpresa a morte da esposa, e a vergonha era grande por permanecer de olhos enxutos diante do cadáver querido.
— Amanhã — disse, em voz alta terei de fazer o caixão e cavar a sepultura. Depois, então, é que sentirei a sua falta e terei saudades quando os meus olhos não mais a virem. Agora, ela morreu, com efeito, mas tudo está bem, porque ainda está aqui. Afinal tudo tem de estar bem, de qualquer modo. As coisas jamais são tão ruins como parecem.
Plantara-se inclinado sobre o corpo, à luz bruxuleante do aposento, ajustando-lhe os cabelos e dando os últimos retoques à simples toilette fúnebre, fazendo tudo isso mecanicamente, com uma solicitude abstracta. Ainda e sempre, através do seu subconsciente, corria-lhe um sentimento, uma espécie de convicção reflexa de que tudo marchava bem. De que aquilo não era definitivo. A mulher voltaria para o seu lado, viveria como dantes e tudo se explicaria naturalmente. Não tinha experiência do sofrimento. A sua capacidade deixara de desenvolver-se por falta de uso. O coração não suportaria aquela carga de dor, nem a sua imaginação podia conceber tal coisa com exactidão. Simplesmente não sabia que fora duramente ferido, e tal compreensão viria depois e desde então não o deixaria mais.
A dor é um artista de poderosos recursos, tão variados como os instrumentos em que executa os seus cantos para os mortos, tirando de uns as notas agudas e cortantes, de outros os acordes graves e soturnos, que angustiam e enlouquecem como um lento e interminável rufar de tambor distante. Certos temperamentos espantam-se, outros ficam estarrecidos. Para alguns, é como o impacto de uma flecha, acicatando todas as sensibilidades para uma vida mais ardente, outros sentem como que a pancada de uma clava que esmaga, atordoando. Podemos figurar Murlock afectado pela segunda maneira, (pois aqui pisamos terreno mais sólido do que simples conjectura) tão logo terminou a sua piedosa tarefa, deixou-se cair sobre a cadeira, ao lado da mesa sobre a qual repousava a morta e, notando como era pálido o seu perfil no crepúsculo denso, cruzou os braços nos bordos da mesa, e sobre eles reclinou o rosto, ainda sem lágrimas e infinitamente cansado.
Nesse instante, entrou pela janela aberta um som longo e lamuriento, semelhante ao choro apavorado de uma criança perdida no mais escuro da floresta. O homem não se mexeu. Novamente e mais perto ainda, ressoou o grito lancinante aos seus ouvidos tontos de mágoa. Talvez fosse um animal selvagem, talvez um simples sonho.
Entretanto, Murlock, adormecera.
Algumas horas mais tarde, como posteriormente se esclareceu, Murlock acordou e, erguendo a cabeça de entre os braços cruzados, pôs-se a escutar com atenção, embora sem saber porquê. E ali, na negra escuridão, junto da morta, rememorando factos sem emoção visível, arregalou os olhos para ver, ainda sem saber o quê. Todos os seus sentidos alertavam, a respiração suspensa, o sangue congelado nas veias como para não perturbar o silêncio.
Quem ou o quê o acordara e de onde vinha?
De repente, a mesa estremeceu sobre os seus braços, e no mesmo instante ouviu, ou imaginou ouvir, uma passada leve e abafada… depois outra mais… soando como pés descalços no soalho!
Ganhou-o um terror paralisante que o impedia de gritar ou de se mover. Viu-se forçado a esperar, ali nas trevas, durante o que lhe pareceu séculos de um pavor tal que pensou não escapar para contar.
Tentou em vão balbuciar o nome da defuma, debalde quis estender a mão através da mesa para se certificar de que ainda lá estava. A sua garganta permaneceu inerte e os seus braços e mãos pesavam-lhe como chumbo.
Passou-se então qualquer coisa ainda de mais terrível. Um corpo pesado como que se apoiou contra a mesa com tal ímpeto que lançou violentamente o móvel sobre o peito de Murlock, quase derrubando-o. E ao mesmo tempo, ele ouviu e sentiu a queda de alguém no chão, com tamanha violência, que toda a casa foi sacudida pelo abalo. Seguiu-se um rumor de luta e uma confusão de sons impossível de serem descritos.
Murlock pusera-se de pé. O excesso de medo tirara-lhe o domínio das faculdades. Conseguiu atirar as mãos sobre a mesa, explorando-a. Ninguém estava sobre ela!
Há um ponto em que o terror pode transformar-se em loucura.
E a loucura incita à acção. Sem intento definido, sem motivo claro além do cego impulso de um louco, Murlock correu até à parede e, com rápido tactear febril, agarrou o fuzil carregado. Sem alvo nem pontaria disparou a arma. Ao vivido clarão que iluminou a sala, lobrigou uma enorme onça que arrastava o cadáver da mulher para a janela, pendente das presas aguçadas.
Depois voltaram as trevas mais negras do que dantes, e o silêncio espesso envolveu tudo. Quando ele recobrou o conhecimento, o sol ia alto e a floresta enchia-se do canto da passarada.
A morta jazia junto à janela, onde a fera a largara, espantada pelo clarão e o estampido do tiro. As vestes estavam em desalinho e a longa cabeleira despenteada, os membros contorcidos em todas as direcções. Da garganta, horrivelmente dilacerada, jorrara um mar de sangue ainda não de todo coagulado. A fita que lhe atava os pulsos rebentara e os dedos crispavam-se em garra. E entre os seus dentes estava um pedacinho da orelha do animal!


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