11 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 255

Efemérides 11 de Setembro
John Lutz (1939)
John Thomas Lutz nasce em Dallas, Texas, EUA. Em 1966 publica o primeiro conto no Alfred Hitchcock's Mystery Magazine e desde então não tem parado. É autor de mais de 35 romances policiários e de 250 contos e artigos de diferentes sub-géneros policiários: espionagem, detective, mistério, etc. John Lutz tem uma extensa coleção de prémios pelos seus livros e contos, é em 1991 presidente dos Mystery Writers of America e assina as suas obras com os seguintes pseudónimos literários: Elwin Strange, John Bennett, John Barry Williams, Paul Shepparton, Steven Greene, Tom Collins e Van McCloud. Em Portugal está editado o livro em que se baseou o conhecido filme do mesmo nome.
1 – Jovem Procura Companheira (1992), Nº14 Colecção Bolso Negro, Editora Puma. Título Original: SWF (Single White Female) Seeks Same.



TEMA — UM CONTO DE CRIME DE JOHN LUZT — A MULHER E O JOGO
As coisas não iam bem entre Blane e Willa Winslow. O mesmo se poderia dizer da situação entre os Dixie Stompers e os Gulf Coast Kings duas equipas da recém-criada Conferência de Futebol Profissional. Nenhuma das equipas fora capaz de marcar um só ponto, ambas tinham jogado mal no primeiro quarto de tempo e várias lutas de socos tinham surgido entre jogadores adversários. O grande avançado do Kings, Dale Stover, fora expulso do campo na segunda jogada com um ligamento bastante lesionado. Quando Blane se inclinava para a frente na sua poltrona de vinil, concentrando-se com todo seu ser na jogada seguinte, uma forma familiar e ominosa tapou parcialmente a sua visibilidade. Era sua esposa Willa.
— Há coisas por fazer aqui — disse ela. — Acho que já assististe mais do que a quota de futebol esta noite.
Com aparente indiferença Willa mudou a posição do corpo de modo que seus amplos quadris taparam por completo a tela do televisor precisamente quando a bola foi arrebatada.
Weston agarra a bola — gritou a voz excitada de Howdy Curtiss, o locutor da cadeia de televisão. — Alcançou a linha, está a lutar… oh, foi derrubado por uma violenta jogada de Otis Keefer…
— Levanta-te — falou Willa. Eu sei que me ouviste.
Blane olhou-a com uma expressão feroz. Não havia meio de fazer com que ela compreendesse a importância do jogo e as coisas profundas que ele representava.
— Já te vou ajudar com a cave no intervalo — disse Blane com firmeza.
Sabia que não era muito prudente recusar de maneira categórica. Willa sempre fora intratável, mas depois que passara a interessar-se pela libertação das mulheres e lidar com ela tornara-se impossível.
Willa fitou-o duramente, decidiu que não era a ocasião para um acerto de contas e dirigiu-se altivamente para a porta da cave a fim de continuar sua limpeza. Da maneira como se vestia agora, já não precisava de trocar de roupa para fazer os trabalhos pesados. O seu uniforme quotidiano era um par de calças compridas e baratas e uma camisola desbotada, sem soutien, naturalmente.
Blane contemplou uma teia de aranha colada no traseiro das calças enquanto ela descia a escada furiosamente, batendo os pés.
Oh, ele levou um golpe duro! — gritou a voz de Howdy Curtiss. ­ E está a levantar-se devagar depois dessa!
Blane recostou-se na poltrona, sentindo o vinil aquecer as costas.
Uma jogada de quebrar os ossos! — disse — Como é que ele conseguiu agarrar-se àquela bola é coisa que nunca ficaremos a saber!
Durante uma interrupção oficial, Blane foi à cozinha e abriu a quarta garrafa de cerveja. A contagem era ainda zero a zero e ele estava nervoso. Apostara algum dinheiro nos Stompers. Enquanto tirava a tampa da garrafa de cerveja, ouvia Willa n cave a arrastar algumas pesadas caixas de papelão sobre o piso de cimento. Ela que trabalhe como um homem, pensou Blane. Ele ficava atrás de um balcão de pneus o dia inteiro, enquanto ela inventava novas formas para o irritar. Era função dela trabalhar nos fins-de-semana e nas noitinhas, se realmente desejava que as coisas fossem meio a meio. Voltou para sua poltrona pé ante pé para que ela não ouvisse seus passos.
— Blane! — gritou de repente na cave a voz de Willa. — Ainda não chegou o intervalo? Blane fingiu não ouvir.
— Blane! Responde!
— Foi só uma interrupção — respondeu Blane.
Um dia ele divorciar-se-ia dela. Oh, um dia! Continuava com Willa, disse consigo mesmo, apenas por motivos económicos. No divórcio, ela e seus advogados iriam sugá-lo até o deixarem mais seco do que uma vaca morta. Ninguém falaria então em independência feminina.
— Blane!
Mais uma vez fingiu não ouvir.
Muito bem — disse Howdy Curtiss, com voz expectante. — Os Stompers estão em boa posição. O quarterback Gregson está a dar os sinais. Entrega a bola a Green… que rompe a linha. Corre para a linha das trinta jardas dos Kings onde é agarrado!
Vic Green, o poderoso halfback, era outro dos favoritos de Blane.
— Atira-me a vassoura, Blane! Está pendurada ao lado da escada!
Sem responder; Blane caminhou rapidamente até a porta da cave e distraidamente atirou a vassoura para baixo, ouvindo o barulho do baque no piso da cave.
— Desgraçado, quase me acertas nos olhos!
Ainda zero a zero. Blane praguejou quando o primeiro tempo terminou com um tiro. Um grupo de tambores e cornetas entrou no raio de visão da câmara, formando o contorno de um grande espargo dentro do campo, numa saudação à indústria de conservas alimentícias.
Blane sentiu-se tão desgostoso que decidiu deixar passar o intervalo do meio tempo sem falar a Willa, a fim de poder assistir às cenas seleccionadas dos jogos da semana anterior.
Ela podia muito bem fazer sozinha o trabalho de limpeza da cave. Caso ela se queixasse, perguntaria se gostaria de vender pneus a semana inteira.
O jogo estava quase terminado quando Willa começou a subir pesadamente da cave. Um sentimento de temor dominou Blane, e desejou que ela se demorasse mais alguns minutos para chegar ao cimo. Os Kings estavam agora à frente, faltando apenas 21 segundos para esgotar o tempo do jogo.
— O meio tempo foi há uma 1 hora — disse Willa com uma fúria calma —  Ouvi a banda a tocar.
Blane não respondeu. Continuou a olhar directamente para o televisor. Desejava com total comprometimento que Willa caísse morta.
— Estou a falar contigo!
— Espera até terminar o jogo Willa, por favor!
Golpe assassino na linha — exclamou o comentador — pode-se ouvir o estouro daqui!
— Estou falando contigo agora, Blane!
Os Stompers alinharam-se, tentaram um passe rápido pelo centro, que foi interceptado. Mas a jogada fez parar o relógio, restando ainda nove segundos. A três jardas de um touchdown e da vitória.
— Seu bruto chauvinista! — gritou Wilia. — Estou por aqui de ti e de teu futebol!
Restavam, três segundos.
— Estás a ouvir-me?
Tempo para mais uma jogada. Os Stompers decidiram não tentar o empate. Iam lutar pela vitória!
— Cala a boca, Willa!
— Não me calo!
Willa avançou em direcção a Blane, de modo que ele precisou de espreitar pelo lado a fim de ver o televisor. Inclinou-se para a frente na poltrona, com todos os músculos tensos, quando o quarterback deu os sinais.
Green apanha a bola!
— Blane!
Willa agarrou-lhe o ombro.
Blane viu o corpo de Green erguer-se no ar quando bateu contra uma sólida linha de jogadores da defesa, ser puxado novamente para baixo e esmagado no chão.
Ele não consegue!
— Blane! Desgraçado!
Ele não consegue!
Blane viu-se em pé, agarrando a desbotada camisola de Willa.
— Cala a boca, Willa! Cala a boca!
Sacudia-a violentamente. Ela deu-lhe pontapés nas pernas fazendo subir pela canela uma sensação de enfurecedora dor.
— Blane, estás a magoar-me o meu pescoço…
O pesado cinzeiro de cerâmica na mão de Blane desceu várias vezes sobre a nuca de Willa.
Um grande jogo!
O corpo de Willa caiu mole e Blane ficou de pé ao lado dele, com os lábios repuxados, o peito da camisa e as mãos cobertos de sangue.
Tremendo, deixou cair o cinzeiro e permaneceu rigidamente imóvel com ambos os braços estendidos directamente para o alto.

— Vai ser uma luta difícil, mas poderemos vencer — dizia o advogado de Blane. Nós atacaremos a força e depois, quando eles prepararem defesa contra nossa manobra, você confessa-se como culpado com circunstâncias atenuantes… o velho truque.
Com os braços dobrados sobre o tampo da mesa de madeira lisa, Blane ficou sentado olhando silenciosamente para baixo.
— Willa era uma mulher violenta. Toda a gente sabia que ela era uma mulher violenta.
— Isso é mais um ponto a nosso favor.
Vagarosamente Blane baixou a cabeça sobre os braços e começou a chorar, sentindo as lágrimas espalharem-se pelo grosseiro tecido azul de sua camisa de prisioneiro. O advogado não entendia realmente o jogo. Blane sabia que os juízes tinham decidido que ele devia receber a pena máxima. E era inútil discutir com juízes.




TEMA — DIÁRIO DE UM ADVOGADO — O JUIZ
Como é difícil ser juiz! Inútil contrariar a estrutura, a natureza… É educado, é agradável, se bem que pouco seco, é culto, conhece Direito. Talvez conheça Direito só de leitura, o que explica o resto. É um homem íntegro, correcto, exsudando carácter, enfim, possui, na aparência, tudo para ser o que, pelo menos na denominação, já é, um juiz. Mas não é juiz. Falta-lhe aquele imponderável que transmite a força, o espírito da função. E isso a gente observa principalmente na colheita da prova. Que ele deixa passar com uma indiferença quase mórbida. A testemunha é qualificada, senta-se, cumprimenta-o. As partes fazem a inquirição. As verdades vão saindo, quando saem, a prestações, de má vontade, porque a frieza do juiz, a indiferença do juiz pela solenidade quase divina do parto da Verdade parece que conspira para que tudo pareça falso. Além disso ou talvez por isso mesmo, essa indiferença, esse bocejar impossível do meritíssimo, a redacção que ele imprime ao que as testemunhas dizem, vai deformando aquilo que foi dito, vai estrangulando aqui uma circunstância, ali um elemento altamente psicológico e contribuindo para que os veículos da Verdade (presumidamente as testemunhas) vão deixando-se contagiar pela indiferença e encolhendo e reduzindo de importância. Até os advogados ficam diferentes, sem calor, sem vibração, como que anestesiados.

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