21 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 265

Efemérides 21 de Setembro
H G Wells (1866 – 1946)
Herbert George Wells nasce em Bromley, Londres, Inglaterra. Historiador e futurista, professor, jornalista e escritor. É ainda, sem qualquer sombra de dúvida, um “grande inventor” na Ficção Científica.

TEMA — H G WELLS, UM PIONEIRO NA FICÇÃO CIENTÍFICA
Por M. Constantino
A maioria das pessoas conhece H. G. Wells apenas por ser um escritor de ficção científica, todavia, além de escritor, foi também um eminente crítico social, enaltecido em todas as partes do mundo, e um historiador respeitado.
Nascido numa “classe média baixa”, lutou toda a vida para fugir aos constrangimentos que o nascimento lhe impunha. Estudioso e inteligente acabou por conviver com homens como Joseph Stalin e Franklin Delano Roosevelt. Estudou com Aldous Huxley, que teve uma grande influência na sua vida. Testemunhou rápidas mudanças sociais e tecnológicas, às quais dedicou parte da sua obra de ficção e não ficção, vivendo o suficiente para assistir ao uso das armas atómicas ~
Apesar de ter estudado biologia, onde se formou, não hesitou em considerar que o meio ambiente faz das pessoas o que acabam por ser. Foi político não interventivo — escreve antes de morrer “perdeu as ilusões a respeito da raça humana”.
Usou os seus conhecimentos para escrever ficção. Se é verdade que toda a obra de Wells justifica uma leitura, não podemos deixar de destacar “A Máquina do Tempo”, onde põe em acção uma viagem temporal ao futuro, servindo-se desta visão para analisar a situação social da época e conceber penetrante especulação sobre a evolução social. Em “A Ilha do Dr Moreau” põe em causa a biologia e os perigos da manipulação sobre animais (o que reflecte, claramente, a influência de Huxley e Darwin), tal como “O Homem Invisível” alerta contra a gravidade de se abusar da ciência. “A Guerra dos Mundos”, talvez o melhor protótipo das histórias sobre a invasão da Terra, é a chave mestra que abre todas as expectativas do futuro.
As obras mais surpreendentes do autor estão nos relatos curtos (não suficientemente curtos para publicar um exemplo) onde releva a habilidade para combinar o fantástico com o plausível, o estranho com o familiar, o novo com o antigo, num esforço de evitar o nefasto futuro que ele previa inevitável se os homens não planificassem melhor… Wells assistiu ao resultado da bomba atómica, como se disse…
H. G. Wells


TEMA — CONTO DE FICÇÃO CIENTÍFICA — ANTES DO RECOMEÇO
De Severina Fortes
Avizinhava-se o entardecer da bela tarde de Outono.
Isaac saiu da Casa para ir ao encontro de Ezequiel que, como sempre, o esperava para a habitual cavaqueira saudosa.
Atravessou o cuidado jardim que rodeava a vasta habitação donde saíra — remirando-o ufano por ter conseguido reconstituí-lo completamente — e desceu a vereda.
Iria passar pela floresta que renascera, mas podia fazê-lo sem receio de se desviar: o trilho pisado pelos seus pés todos os dias, desde os Velhos Tempos — da Casa à Grelha Espacial — bastava para guiá-lo.
Nada parecia diferente e seguia despreocupadamente, já bem no meio do caminho, quando percebeu ruídos desusados vindos de entre as árvores. E não era do voltear das aves nem do zumbido dos insectos, que há muito haviam voltado. Tratava-se de outra espécie de rumor, produzido por seres de maior porte.
Não se deteve a escutar. Apertou o passo, alvoroçado, na esperança de que Ezequiel tivesse novidades.
— Chegou alguma nave? — perguntou logo que o viu.
— Nenhuma — espantou-se Ezequiel, gesticulando a compensar a fala defeituosa.
Ezequiel nada vira, portanto. Esperava-o placidamente sentado à porta do abrigo perto da costa — junto á Grelha Espacial que vigiava dia e noite — ficou surpreso da pergunta de Isaac.
— Há qualquer mudança na floresta! Ouvi movimento quando passei… queres vir comigo ver o que se passa?
— Vou. Mas não veio nada por aqui. Pensas que poderia vir por outro lado?
— Não sei. Vamos ver!
Iniciaram sem demora a subida, enquanto o crepúsculo começava a cair. Isaac amparava o companheiro que tinha dificuldade em caminhar, como se as articulações dos joelhos estivessem presas; porém, o defeito não residia ai: mecanicamente conservava-se bem, apenas aluna neurões haviam perecido.
Ao chegarem ao ponto aonde Isaac ouvira o ruído insólito, pararam atentos, ansiosos de saber o que se passava por entre as sombras que alastravam a encher o bosque. E ouviram vozes!
— Vozes — exclamou Isaac. — Também ouves?
— Ouço, sim. Sabes que ouço bem! A vista é que é pior… Contudo, parece-me ver claridade, mais além. Repara!
Baixando do espaço, silenciosamente, uma pequena esfera verde, translúcida, ia-os acompanhando cautelosamente, sem se mostrar, rasando as copas das árvores ao entrarem na floresta.
A claridade vista por Ezequiel emanava da fogueira acesa no centro da clareirazinha existente mais adiante e, á sua volta, quatro pares de olhos miravam, curiosamente, os recém-vindos.
— Quem sois? — quis saber Isaac, que não os conhecia.
— Sou o Gnomo — respondeu de pronto, com um aceno amigável, uma figurinha peluda, vestindo colete amarelo e usando um barrete escuro, de modo a deixar ver as orelhinhas em bico.
— E eu, o Duende — disse outro, maior de tamanho mas magro e anguloso. Uma espécie de gibão castanho, apertado com um cinto, bailava-lhe no corpo; o gorro, que lhe cobria a cabeça ossuda e os cabelos ruivos, era da mesma cor. A maneira como falou não foi simpática. Os olhinhos muito juntos e a boca retorcida davam-lhe um ar amargo, acentuado pela cor baça da pele.~
— Chamam-me a Fada madrinha — apresentou a voz cantante da componente que mais se assemelhava aos humanos. Mais pequena do que eles, era graciosa e de gentil aspecto, com olhos azuis e tez clara. Os cabelos louros caíam soltos, anelados, somente presos pelo diadema prateado, onde sobressaia a estrela refulgente, ao centro; mas não tão brilhante como a que encimava a varinha mágica, segura na mão. As vestes brancas, flutuantes, desciam aos pés, calçados de sandálias igualmente prateadas.
— Logo se vê que sou o Ogre… — esclareceu com importância o mais feio do grupo. Enorme ao lado dos outros, mesmo tendo menor altura que qualquer homem, tinha o corpo gordo e balofo, assente em pernas curtas e finas. A capa verde, com capuz a cair nas costas, ia ao meio das coxas, realçando a magreza das pernas arqueadas. O rosto, de cor terrosa, largo e chato, descansava, quase sem pescoço, sobre os ombros descaídos. Farripas ruças, coladas á cabeça grande, espalhavam-se por sobre as orelhas pequenas e grossas, tocando esparsas nos ombros. A boca rasgada, de dentes amarelos e salientes, deixavam ver a saliva ao falar, ciciando as palavras.
— E vós, donde vindes e porque estais aqui? — inquiriu, por sua vez. - Não sois humanos!
— Somos desta ilha, chamada a Ilha do Homem. Foi nesta terra que o nosso Amo nos criou: sempre aqui estivemos… Chamo-me Isaac e o meu companheiro Ezequiel; na época da nossa criação, os Amos davam-nos os nomes dos seus Patriarcas!
— Como chegaram? — interessou-se Ezequiel, impaciente. — Não dei conta que viessem pela Grelha Espacial, como se fazia nos Velhos Tempos!
— Não viemos — retorquiu com simplicidade a Fada Madrinha, na sua voz timbrada. Cada um de nós tem o seu sistema de viajar, que não é o vosso.
— E porque vieram? — tornou Isaac.
— Amamos a Terra! Voltamos sempre que temos lugar nela. E muitos outros de nós virão! — redarguiu de novo a Fada Madrinha. — Mas gostávamos que nos falassem dos homens e dos acontecimentos que os levaram ao seu fim. Será muito pedir que nos contem as vossas recordações e como os viam, á vossa maneira?
saac aproximou-se do fogo, distanciando-se de Ezequiel que logo o seguiu devagar.
— Os Amos partiram. É doloroso falar dos homens, agora, que tanto tempo passou… Com maior nitidez, o que recordo deles é que não se assemelhavam entre si. Até mesmo os mais chegados, pelo sangue ou pela cultura, raramente procediam da mesma maneira, no mesmo momento.
— Isaac tem razão — confirmou Ezequiel, na sua voz defeituosamente articulada. Nada sei acrescentar á descrição que fez, mas posso testemunhar a verdade das suas afirmações.
— Não é exacto! - contrapôs o Duende firmemente, na sua voz esganiçada. — Uniam-se como um só para nos perseguir, desacreditando-nos descaradamente.
Acocorado perto da fogueira acesa para dar luz e calor à noite, o Duende mudou de posição, conservando o cariz carregado quando tornou:
— Os humanos eram maus. Verdadeiros tiranos, pelo que sei!
Isaac olhou-o em silêncio, indeciso, considerando se seria apropriado responder-lhe. Todavia, Ezequiel, afectado por tal acusação que lhe pareceu injusta, não se conteve:
— Não fale assim, senhor Duende. Faz-me mal ouvi-lo! Reconheço quanto o decorrer do tempo agravou a diminuição que sofri ao perder a perfeição original; no entanto, mesmo assim, o azedume que encontro nas suas palavras entristece-me pela ausência de bondade!
Do outro lado da fogueira, a Fada Madrinha acudiu:
— Nem sempre os homens foram tiranos ou cruéis… Havia-os nobres e puros, incapazes do mal! E mesmo os tiranos, às vezes, mostravam-se ternos e sensíveis; as circunstâncias é que os tornava duros — mas nem sempre, como disse!
— Continuas ingénua, Fada Madrinha! — falou o Gnomo. — Claro que sou da tua opinião: existiam homens nobres e puros! No entanto, esses, tal como os tiranos, não podem servir de bitola — são o exagero para o bem e para o mal… O homem comum tendia para o bem, é verdade — e cumpria-o! Todavia, como não gostava de ser enganado pelo seu semelhante, quando o era achava-se no direito de tirar desforço — e então, sim, tornava-se mau! Porém, mesmo assim, tenho saudade dos velhos contos que escutava dos meus antepassados, a descrever a bela camaradagem que irmanava os nossos ancestrais aos bons homens rudes primitivos, honestos e caridosos, para nós. Foi, talvez, sonhando reviver um passado de encanto, que me resolvi iniciar mais esta aventura na Terra! — terminou o Gnomo num murmúrio, ajeitando-se melhor e estendendo as mãozinhas para o fogo.
— Agradeço-lhe, senhor — disse Isaac. — Noto, satisfeito, que entende melhor a verdadeira feição dos homens, tal como nós os recordamos. Falar do mal que tenham feito é-nos penoso, como se assistíssemos a um sacrilégio. Não podemos esquecer que somos a sua obra!
— Obra da vaidade, quanto a mim — exclamou o Duende, cheio de fel. — Julgaram-se o centro da criação e deram-se ares do que não podem ter sido, querendo imitar Deus, grosseiramente, inventando criaturas!
— Isaac, diz-lhe como se engana — lamuriou Ezequiel. — Só tu podes desfazer o erro do seu pensamento…
— Um medroso e um cobarde, foi o que qualquer homem foi — interrompeu o Ogre, acabando por também dar o seu parecer; mas de forma superior, como se pretendesse pôr fim ao assunto com uma verdade arrasadora.
Isaac ficou sem voz, impotente para contestar tamanha malignidade, dita sem pejo, afoitamente.
“Será verdade?” — pensou angustiado.
— Só vês o mal nos outros por seres malvado! Espreitavas os homens, gulosamente, para lhes dares maus tratos… Que esperavas? Que te dessem esse prazer? — ralhou brandamente a Fada Madrinha.
O Duende mexeu-se com desconforto e disse:
— Mas nós não lhes fazíamos mal; apenas começamos por gostar de estar entre eles, num planeta que habitávamos antes de chegarem!
— Não vos entendiam, era isso. Os vossos poderes estavam acima do que consideravam normal — esclareceu o Gnomo, inclinando a engraçada cabecinha e fechando os olhos, preguiçosamente. — Quando começaram a aceitar a vossa presença como real, o mal-entendido agudizara-se de modo irreversível, pouco antes de os vossos partirem, cheios de amargura… Ah, mas antes de irem vocês vingaram-se bem!
— Havia histórias de Duendes — recordou Isaac. — Li bastantes antes do tempo, impiedoso, as mutilar irremediavelmente. Não me deram a ideia de que os homens os odiassem! Ficava no ar a dúvida da sua existência, é verdade, contudo, notava-se admiração por esses seres superiores…
— Mentirosos! — atalhou o Duende, no entanto sem a convicção anterior. — Não hesitavam na mentira para se convencerem das suas razões!
“Mentirosos!”, considerou Isaac. “Teria sido mentirosa a promessa que seu Amo fizera de voltar, um dia?”
Movendo-se, imperceptivelmente, a esfera colocou-se-lhe atrás, exercendo, porventura, qualquer influência, que de imediato neutralizou a desconfiança de Isaac.
— Não nos ensinaram, a mentir e deram-nos os seus melhores sentimentos — articulou Ezequiel, morosamente.
— Os homens não gostavam da mentira e só a admitiam para bem fazer. Tinham imaginação e falavam de factos fantasiosos por capacidade natural de se adaptarem a outras vivências fascinantes… Apenas os degenerados e os enganadores (os que ousavam prejudicar os seus iguais, para o próprio benefício), abusavam da mentira, na sua pior expressão! — contou o Gnomo, consciente do seu profundo conhecimento sobre os homens.
— Gostavam da fantasia e do Sonho! Fizeram dos nossos os seus mais belos personagens: não posso querer-lhes mal! — achegou a Fada Madrinha.
— Mas guerreavam-se cruelmente, ávidos de matança -— acusou o Ogre, secamente, de modo altivo. — Queixavam-se da nossa maldade; todavia, isso nunca aconteceu entre os da nossa espécie!
— Se lesse a História Humana, senhor Ogre, saberia quantas guerras foram iniciadas por nobres ideais, e como o mal era sinceramente condenado. Os homens amavam a Justiça e acorriam em massa quando a julgavam em perigo, dispostos a morrer por ela — disse Isaac solenemente, cheio de orgulho, como se esses ideais lhe pertencessem.
— Contudo, os vencedores não recusavam os despojos, como troféus — lembrou o Duende com uma risada maldosa. — Parecia, às vezes, que apenas combatiam po eles…
— A vida na Terra tornou-se difícil. Mesmo nós, apesar de todo o nosso poder, tivemos que partir. Os homens foram forçados a permanecer até ao fim — contemporizou a Fada Madrinha. — Foi esse o seu destino…
— Tens razão ! — sentenciou o Gnomo pausadamente. — A luta pela sobrevivência, a que não podiam fugir, tem sido a origem do seu fim… Começou com a selecção dos mais aptos, mais espertos, mais hábeis em subtilezas para dominar e escravizar. Depois vieram as posições tomadas, ocupadas como por direito, subjugando a maioria. Deram-se em seguida os confrontos entre os grandes, arrastando os humildes desprotegidos, quando não os aliciados: verdadeira bola de neve rolando e engrossando, cada vez mais, vertiginosamente.
— Grandes mudanças se operaram desde que partimos…— continuou, como se para si, a Fada Madrinha. — No íntimo, não sei se irei gostar de ter a certeza, mas foram as guerras que ajudaram a afastar os últimos homens da Terra?
— Tem razão, senhora. E não foi agradável… — respondeu Isaac, com tristeza. -— As guerras já não se travavam cavalheirescamente, como nos tempos medievais: tudo havia mudado. As diferenças de opinião, entre os responsáveis, foram a causa de eliminarem reciprocamente os seus povos. Talvez o temor do fim, que a descoberta de armas temíveis poderia apressar, levou-os a aumentar mais e mais o poderio de ataque — de tal forma perigoso que apenas uma pequena parcela bastava para arrasar parte do mundo — a fim de manter o equilíbrio do terror duma guerra com tais armas!
Os seres visitantes ouviam Isaac, espantados.
— Aqui e ali, ataques isolados e de pouca potência, apavoraram as gentes pelo horror colossal. Os homens passaram a viver na perspectiva do perigo constante, dia a dia no receio do fim do mundo. Quando o medo parecia deter os mais irresponsáveis, outro poder surgiu: uma arma específica, destinada a afectar a vida — somente a vida!
Isaac parou de falar ao auditório mudo de pasmo, parecendo querer ganhar alento para prosseguir. Depois, retomou a narrativa:
— Foi atroz, senhora! De surpresa, sem qualquer hipótese de defesa, ataques doidos foram lançados sem dó, e os homens ensandeciam encurralados. Aceleraram-se voos espaciais, em luta contra o tempo, para que alguns pudessem escapar — de qualquer modo, mesmo arrostando o desconhecido — às sucessivas arremetidas, agora desferidas continuadamente, cada qual em retaliação de outras! Bem poucos homens conseguiram partir: quase toda a Humanidade ficou!
Houve uma pausa sentida antes da Fada Madrinha perguntar:
— E sabem de sobreviventes noutras partes do mundo?
— Dificilmente haverá, senhora. Ou então em condições que não ouso imaginar! — retorquiu Isaac, que continuou:
— Numa sociedade tecnológica, altamente especializada, onde os homens eram necessários para postos de responsabilidade, a sua ausência progressiva conduzia a roturas graves na manutenção dos principais centros regularizadores da conservação de matérias letais; à guarda de quem controlava em rigorosa observância a sua inércia. Um pouco por todo o lado — quando não em cadeia — deram-se fugas de energias incompatíveis com a vida, ocasionando espantosas destruições quando libertas e aumentando ao atingir locais de armazenamento de armas pavorosas! A Humanidade perecia, de qualquer maneira, condenada pelo resultado da sua discórdia!
— Poucos dos nossos escaparam — ouviu-se dizer Ezequiel, daí a pouco. — Nem todos eram meramente mecânicos, como Isaac. Aqui na ilha só ele ficou intacto. Eu fui o primeiro a quem fizeram bio-enxertos ligeiros, em experiência na Ilha; por isso, embora afectado, resisti. Os outros mais modernos, por terem grande contribuição biológica, ficaram inutilizados.
— E as pessoas da ilha, também sofreram? — perguntou o Gnomo com um arrepio, chegando-se mais à fogueira. — Também estiveram sujeitos a esses horrores?
— Muitos: todos os que não quiseram partir. O amor ao solo que se pisa era forte nos homens que ainda trabalhavam nele…— respondeu Isaac.
— Não é isso — esclareceu o Gnomo, com profundo respeito. — Esta ilha é especial: viu o princípio de tudo!
As pausas eram agora mais longas, sob a poderosa impressão recebida. Só Isaac falava.
— Quando o nosso Amo partiu, com a dor na alma, recomendou que olhasse pela Casa, prometendo voltar — contou, sem saber a quem, apenas procurando consolação.
— Muito tempo passou, Isaac. Temos que aceitar que não lhe foi possível voltar: a Terra estava contaminada! — consolou-o Ezequiel com a sua amizade. Mas Isaac, como se não o ouvisse, prosseguiu:
— A ilha ficou nua e só, batida pelo mar e pelo vento. Longos e longos anos levou até ao regresso dos esporos que fertilizaram os resquícios de plantas que assomavam na terra, finalmente despertas, quando esta deixou de ser árida. Conservei a Casa e tudo quanto o tempo poupou. Mantive aberto o caminho desde o lar à Grelha Espacial, de onde o Amo partira, na espera constante do ausente…
Até aí Isaac estivera naturalmente de pé: as criaturas como ele não careciam de repouso. Contudo, abalado ao falar no Amo que não voltara, comoveu-se visivelmente e sentou-se num tronco derrubado, não falando mais. Ezequiel, solidário, aproximou-se desajeitadamente e acomodou-se a seu lado, preso da mesma emoção, parecendo tão humano como os homens que os haviam criado.
— Não desejava tal fim para os humanos, apesar da sua arrogância — disse o Ogre.
— Porque vieste, se não gostavas deles? — quis saber a Fada Madrinha, ainda sensibilizada.
— Nunca disse que não gostava deles… — ciciou o Ogre, amuado. — Nós nascemos para fazer o mal, não sabemos o bem. Os homens sabiam! Julgo que nos atraiem por essa razão, e procuramos o seu convívio para aprendermos com eles.
— Também os admiramos — falou o Duende. — Eram seres desprotegidos, sem qualquer dos nossos poderes naturais; mas acabaram por se adaptar ao hostil meio ambiente, vencendo-o. Talvez da pior maneira… porém, a que podiam e sabiam! Porque éramos superiores, gostávamos de os provocar: fizemos mal!
O fogo começara a apagar-se, a esmorecer. Cada membro do grupo emudecera, entregue aos seus pensamentos, em que os homens ocupavam a principal parte, e onde a saudade transparecia.
Nada mais havia a dizer. A noite estava no fim…
Recolhida a mensagem duma reunião propícia, a esfera verde que se quedara sensivelmente atrás de Isaac, parecia agora ainda mais translúcida. Pairou por momentos, aproximando-se do grupo, suavemente, antes de se afastar devagar, prenhe da imagem captada, favorável ao retorno. Por fim elevou-se, passou a Grelha Espacial, ganhou altura a desapareceu.
Daí a pouco a aurora começaria a despertar, enchendo de luz a manhã. Do mesmo modo que, certamente, em devido tempo e implantadas as condições necessárias, despertaria de novo a Humanidade na Ilha do Homem!
Quem sabe se a tragédia deixa de ser verdadeira, quando pode haver um Recomeço…


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