21 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 326

Efemérides 21 de Novembro
Andreas P. Pittler (1964)
Nasce em Wien-Dornbach, Áustria. Historiador e jornalista começa por escrever livros de não ficção: história e biografias, principalmente. Em 2000 inicia-se na narrativa policiária, cria o detective privado Henry Drake, que protagoniza os romances Der Sündenbock (2000), Tod im Schnee (2002), Serbische Bohnen (2003) e Das Dokument (2006). Em 2008 surge um novo personagem, o oficial de polícia David Bronstein, figura principal em: Tacheles (2008), Ezzes (2009), Chuzpe (2010) Tinnef (2011) e Zores (2012) — um total de 9 romances policiários numa obra literária que conta 3 dezenas de livros.


TEMA — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA — 24
Continuação de CALEIDOSCÓPIO 317 (clicar)
Chegamos, enfim, ao momento da verdade! O número de Abril de 1841 do recém-estruturado Graham's Lady's and Gentleman's Magazine, de Filadélfia, publicou o conto The Murders in the Rue Morgue, de Edgar Allan Poe (1809 - 1849), que fará do obscuro autor, o primeiro e único, por unanimidade, criador da narrativa policiária e, para mais, o inventor do personagem que se tornará o arquétipo do detective amador — Dupin, melhor, Charles Auguste Dupin.
Quando se fala em detective, afirma-se, com verdade, que a palavra era desconhecida na época, o que tanto basta para os “contra” da existência de raízes remotas da narrativa da espécie, afirmarem, como o faz o crítico George Bates, que “se Chaucer não disse nada sobre aviões, simplesmente porque nunca os tinha visto, como é possível escrever narrativas policiais se a polícia não existia?”
Ideia peregrina, totalmente fora de questão.
Primeiro: a imaginação do homem vai sempre adiante da sua acção; não é invulgar escrever e descrever objectos quiméricos que o futuro se encarregará de tornar realidade, veja-se, entre centenas, Verne com os aviões supracitados, Clarke com os satélites, etc…
Segundo: a polícia existia, recorde-se o que se escreveu em lugar próprio, o que não existia era polícia da forma e capacidade de um Dupin… se se quiser excluir teimosamente todos os Daniel, Salomão, Zadig e tantos outros ignorados num mundo em que a ignorância prevalecia, que não a sabedoria.
Terceiro: se bem recordamos, Edgar Poe, quando fez a crítica dos seus próprios escritos, jamais os identificou como polícias ou policiários, definia-os com simplicidade:

Estes contos analíticos devem grande parte da sua popularidade ao facto de apresentarem uma nova “chave”.

É este ponto correcto, aquele que se materializa a coerência do trabalho em procura de longínquas raízes da narrativa policiaria… contos analíticos, diz Poe: o que se tem procurado ao longo de todo o trabalho? Indícios, intenções, factos, ideias, etc, para que um espírito ou inteligência analítica extraia as necessárias conclusões.
A classificação do género pertence a outros que não a Poe, tal como o termo “detective” aparece no séc. XIX através de Charles Dickens. O que podemos adiantar é que os quatro contos analíticos de Poe; The Murder in the Rue Morgue (1841), The Mystery of Marie Rogêt (1842/3) e The Purloined Letter (1845), passando por um 'Thou Art the Man (1844), que não refere Dupin, figuram todos os requisitos da narrativa policial clássica, e que ao longo da já extensa exposição fomos salientando: o delito, a trama, indícios de natureza diversa, por vezes enganadora, o personagem com espírito, ou poder analítico, capaz de deduzir, extrair ilações… elementos que formam paralelo com a polícia de investigação moderna, que não desdenha técnicas e métodos, por remotos que sejam, desde que produzam resultados.
Em apenas quatro contos, Poe reúne toda a gama de elementos estruturais da narrativa policiária.


Ilustração:The Murder in the Rue Morgue
Em The Murder in the Rue Morgue concebe o protótipo do detective amador, um homem aparentemente, ou na realidade, excêntrico que servirá de molde aos futuros detectives; aplica, ainda que de modo rudimentar, o método do “quarto fechado”, o enigma é aparentemente inexplicável, os indícios, por vezes enganadores, desde cabelos, sangue, etc.
Ilustração: The Mystery of Marie Rogêt

The Mystery of Marie Rogêt, foi escrito e publicado por entregas. É de todos o que se compara às célebres “Causes Célèbres”, pois trata-se de um caso real ocorrido em Nova Iorque, e do assassinato de uma tal Mary Cecilia Rogers, da qual nunca se encontrou a solução. A novelização de Poe desloca o crime em França e Dupin, coloca-se na situação de “detective de poltrona”, do qual é precursor de todos os futuros casos em que o detective resolve o crime simplesmente através da análise e da dedução do material que lhe é oferecido. Dupin segue a narração do crime através dos excertos dos jornais, que vai intercalando com os seus comentários e conclusões, eliminando contradições desses mesmos jornais para resolver o crime através daquelas.
Edward D. Radin, que investigou o caso real, concluiu que a polícia arquivou o processo por falta de uma solução. A apresentada por Poe, se bem que possa não ser a verdadeira, é seguramente apoiada em excelentes deduções.

Ilustração:The Purloined Letter

A terceira narrativa The Purloined Letter, foi publicada em primeira mão pela revista anual “The Gift”. É o tipo de relato que define o tema, hoje absolutamente dissecado, de que a solução na aparência menos provável é a verdadeira. Conhece-se o autor do roubo de uma carta importante. Durante três meses a polícia revistou o local onde se encontra, investigando todos os sítios, prováveis do seu paradeiro, desmontando móveis, objectos, tudo que possa conter a carta procurada… em vão. Dupin visita o local e descobre a carta no sítio menos provável para quem procura algo escondido e, numa nova visita aproveita para trazê-la.
Estes são os contos detectivescos em que intervém Dupin, demasiado conhecidos para arriscar uma repetição no presente trabalho.
Thou Art the Man, a narrativa em que Poe excluiu Dupin, é um mistério em torno do desaparecimento de Barnabas Shuttleworthy, a quem o seu melhor amigo, Charles Goodfellow, encontra, com todos os indícios de ter sido assassinado por um sobrinho estróina. Para que este confesse o crime, Goodfellow prepara pistas falsas e coloca o cadáver de modo a que este mesmo aponte o seu matador.
Com estes contos, e ainda com o tema de The Gold Bug, um verdadeiro tratado de criptografia. Poe aborda e esquematiza os temas relevantes da maioria das narrativas policiárias escritas durante muitos anos.
Dupin, o herói, marcou uma época.
Deixamos ao leitor interessado, o seu perfil inesquecível, até porque, a partir deste momento a figura dos personagens primaciais ofuscam de certo modo, não só o nome do seu criador, como sobressai com intensidade na própria narrativa.

O PERSONAGEM
Charles Auguste Dupin, o cavalheiro do Bairro de Saint-Germain, ocupa cronologicamente o primeiro lugar da dinastia de investigadores.
É, na realidade, não só o fundador como o protótipo dos sucessivos heróis da investigação criminal, que seguem os seus métodos, adaptando as suas atitudes. Para Dupin, investigar é um passatempo que se apresenta como um substituto ao ócio; não é um investigador institucional, mas um amador, que baseia as suas investigações, em grande parte, nas rigorosas induções que faz através da cadeia de pensamentos, mais precisamente, raciocínio e inferências lógicas.
A figura do cavalheiro Dupin, cujo aspecto característico nos limitamos a visionar, queda subjugada ao deslumbramento da sua mente.
Sabemos que pertencia a uma excelente e ilustre, mas arruinada, família, devido a uma série de acontecimentos desastrosos. Em consequência deste facto, vivia com rigorosa economia, reduzido que estava às rendas de um pequeno património que a benevolência dos credores lhe deixara.
Perdera, naturalmente, todo o interesse em reencontrar a fortuna perdida, alheando-se, igualmente, da vida social.
A atracção pelos livros proporcionou o encontro, num gabinete de leitura da R. de Montmartre, com aquele que viria a ser o seu amigo e biografo — narrador.
De comum acordo viviam numa casa retirada e solitária, quase em ruínas, nos arredores de Faubourg Saint-Germain, mais precisamente na rua Runot, n° 33 – 3º., da cidade de Paris, que o referenciado narrador se encarregara de arrendar e mobilar. Viviam em completa reclusão, como loucos inofensivos, quebrada por um outro dos raros visitantes.
O narrador e amigo interessa-se profundamente pela história da família de Dupin. Surpreendera-se pela vasta extensão das suas leituras e, acima de tudo, sentira-se inflamado pelo intenso ardor e extrema vivacidade, imaginação e extraordinária aptidão analítica, que exercia com delícia.
Ligava-os essa rara paixão pela leitura; o estranho prazer pela escuridão: de dia fechavam as janelas da casa, e à débil luz de duas velas perfumadas, liam e conversavam; de noite saíam e, de braço dão, passeavam pelas ruas da cidade — Rua C, passagem Lamartine, Bairro Saint-Roche, margens do Sena, etc.
Convenhamos que o poder de observação e aptidão analítica de Monsieur Dupin, de que dera provas mais de uma vez, podiam constituir o prólogo de um manual sobre a matéria. Mas, sendo ele um excelente auxiliar da polícia, não tem uma opinião muito favorável à actuação desta. Critica: “a polícia Parisiense, tão abonada pela sua viveza, é astuciosa mas falta-lhe método, exageram e espremem-se o mais que podem, em velhas rotinas mas quando se sentem impotentes para resolver os mistérios que têm ante os olhos, pedem a sua colaboração”. E dá o exemplo com Vidocq: um homem de excelentes conjecturas e perseverante, mas errava constantemente por excessivo ardor, tirava conclusões de factos dispersos sem atender ao conjunto.
Dupin, pelo contrário, não dá nunca um facto por certo, a índole do objecto em exame faz parte da pesquisa do conjunto, dado que há que demonstrar que as “aparentes” impossibilidades cruciais, são possíveis ou não. Ao pôr em prática os seus principias, Dupin pode resolver o crime enquanto a polícia não obtém nenhum resultado. A metodologia e filosofia no processo criminal, seguido por Dupin, (posteriormente, pela ficção e próprios profissionais, não negamos) abrange:
a) Inteligibilidade dos actos, factos e materiais observados;
b) Semiótica não só nos sinais visuais, mas nos aparentes e sensoriais;
c) Inferências ou ilações resultantes das operações dedutivas e indutivas (raciocínio directo e indirecto);
d) Leitura das expressões e dos gestos;
e) Operacionalidade profunda do analista nas questões que excedem os limites das meras regras, e, por último… Intuição!

Num estudo de Daniel Hoffman, um imaginativo mas sério crítico de Poe resume:
A mente de Dupin opera mediante associações. O seu método é refinado, um mecanismo mais suprassensível que os processos habituais de cálculo racional. Começa pelo irracional, posto que não escravo das suas próprias premissas, para atingir o racional.
Esse método parece similar ao que os analistas dos nossos dias chamam de “mente consciente” Dupin pode recorrer e entregar-se a TODAS AS CLASSES ASSOCIATIVAS DE PENSAMENTO PRÉ-CONSCIENTE, essa rede milagrosa de hipóteses, enquanto nós recorremos ao pensamento puramente consciente e racional. Por isso Dupin é muito mais sofisticado que a maioria das pessoas, na resolução de questões intrincadas, precisamente porque está mais próximo das origens do nosso ser; a sua mente ao operar mediante analogias metafóricas, combina intuição poética com exactidão matemática. E basta.
M. Constantino

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