12 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 317

Efemérides 12 de Novembro
Charlotte MacLeod (1922 – 2005)
Charlotte Matilda Hughes MacLeod nasce Bath, New Brunswick, Canadá. Mais tarde naturaliza-se cidadã norte-americana. É uma escritora detentora de vários prémios que distinguem a literatura policiária. Escreve uma série de 10 livros, protagonizados pelo detective Professor Peret Shandy — o Hercule Poirot americano — e 12 livros da série Sarah Kelling e Max Bittersohn, um casal de Boston que soluciona misteriosos crimes. Escreve também sob o pseudónimo Alisa Craig vários romances policiários passados no Canadá. Charlotte MacLeod é fundadora American Crime Writers League e editora de dois bestsellers de antologias Mistletoe Mysteries (1989) e Christmas Stalkings: Tales of Yuletide Murder (1991). Em Portugal está editado:
1 - A Sala De Visitas (1991), Nº15 Colecção Crimes S.A, Editora Ulisseia. Título Original: The Withdrawing Room (1980). É o 2º livro da série Sarah Kelling e Max Bittersohn .


TEMA — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA — 23
Continuação de CALEIDOSCÓPIO 294 (clicar)
Prestes a chegar à hora da verdade, isto é, do verdadeiro nascimento da narrativa policiária, ou assim convencionado universalmente, há ainda tempo para citar dois dos considerados O Período dos Incunábulos
O ano de 1841 ´é, não só um ano célebre, como fértil.
Charles Dickens (1912 – 1970) inicia a publicação de “Barnaby Rudge” no The Philadelphia Saturday Evening Post.
A tese do romance pode considerar-se fundada na curiosidade e no mistério; aquela firmada de maneira a intrigar o leitor e aumentar o desejo de conhecer a verdade, o mistério absoluto e necessário para esconder o segredo da trama, o crime de morte perpetrado na pessoa do rico senhor Reuben Haredale, por pessoa ou pessoas desconhecidas, ao mesmo tempo que desapareceu o seu mordomo, o Sr. Barnaby Rudge e o jardineiro. Mais tarde é encontrado um corpo sem cabeça, que é identificado por Solomon Daisy, através de um anel e das escassas roupas, como sendo do infeliz Barnaby. Por exclusão de partes, o jardineiro é considerado o assassino dos dois homens. Todavia, Rudge aparece aqui e ali e é tomado como um fantasma do dito. Será?
Podemos adiantar a hipótese viável, de Rudge ter sido o assassino dos dois homens, tendo trocado as roupas, colocado o anel e cortado a cabeça do jardineiro, para dificultar ou esconder para sempre, a identificação. Lembramos que, ao tempo, as impressões digitais que poderiam ser recolhidas no cadáver sem cabeça eram matéria desconhecida…
É um livro a recordar — a quem o leu — ou a ler, e mais um elemento que vai ser usado por muitos dos futuros autores policiais.

Balzac (1799 – 1850) pública em vinte e cinco folhetins, no jornal Le Commerce, de 15 de Janeiro a 20 de Fevereiro de 1841, o famoso “Une Ténébreuse Affaire”. Para uns, um autêntico romance policial que se adiantaria a Poe, para outros um romance histórico de um dos múltiplos complots de Fouché — o ministro da Polícia Geral — cuja trama é uma diabólica maquinação humana com conotações políticas. Político será, mas não deixa de ser um thriller — termo hoje tanto em voga — cujos personagens policiais vamos encontrar ao longo da vasta obra do autor. Corentin e Peyrade, cujos espíritos analíticos estão na escola de Poe ou Holmes. E, é claro, Balzac tinha atrás de si toda uma experiência herdada de James Cooper (1789 - 18519, Robert Maturin (1782 – 1824), etc, que já se reflectira em “Le Vicaire des Ardennes”, ou no personagem Argow, pré-figuração de Vautrin.
Alguns extractos podem auxiliar a compreensão o exposto.

A senhora e Hauteserre olhava com ansiedade para a jovem condessa, que saiu para consultar Michu, que não viu qualquer inconveniente em entregar imediatamente os emigrados.
Laurence, Michu, o seu filho e Gothard partiram então a cavalo para a floresta, levando consigo um animal a mais, pois a condessa acompanharia os fidalgos a Troyes e voltaria com eles. Todos os criados, que sabiam da feliz notícia, juntaram-se no pátio para ver partir a cavalgada. Os quatro jovens saíram do seu esconderijo, montaram a cavalo sem serem vistos e voltaram para a estrada de Troyes, acompanhados pela condessa de Cinq-Cygne.
Michu, ajudado pelo filho e por Gothard, tapou de novo a entrada da cave e voltaram os três para casa a pé. No caminho, Michu lembrou-se de ter deixado na cave os talheres e as taças de prata que tinham servido aos seus amos e voltou lá sozinho.
Ao chegar à beira do charco ouviu vozes no interior da cave e avançou directamente para a entrada através do mato.
— Vem sem dúvida buscar as pratas? — perguntou-lhe Peyrade, sorrindo e mostrando-lhe o seu grande nariz vermelho entre a folhagem.
Sem saber porquê, pois os seus jovens amos estavam finalmente salvos, Michu sentiu uma dor em todas as suas articulações, tão viva foi essa apreensão vaga, indefinível, que causa uma infelicidade para vir; apesar disso avançou e encontrou Corentin na escada, segurando um rato pela cauda.
— Não somos maus — disse a Michu. — Há uma semana que podíamos ter caçado os seus nobres, mas sabíamo-los amnistiados… Você é um valente patife e deu-nos demasiado trabalho para que, ao menos, não satisfaçamos a nossa curiosidade.
— Daria qualquer coisa — exclamou Michu — para saber como e por quem fomos traídos.
— Se isso o intriga, meu pequeno — disse Peyrade, sorrindo — olhe bem para as ferraduras dos vossos cavalos e verá que se traíram a vocês mesmos.
— Sem rancor — disse Corentin, fazendo sinal ao capitão dos gendarmes, que se aproximou com os cavalos.
— Esse miserável ferrador parisiense, que ferrava tão bem os cavalos à inglesa e que deixou Cinq-Cvgne, era dos vossos! — exclamou Michu. — Bastou-lhes reconhecer e mandar seguir no terreno, quando choveu, as pegadas dos nossos cavalos. Estamos quites.
Michu não tardou em consolar-se, pensando que a descoberta daquele esconderijo deixava de ter importância, pois os fidalgos voltavam a ser franceses e tinham recuperado a liberdade. No entanto, tinha razão em todos os seus pressentimentos. A Polícia e os Jesuítas têm a virtude de nunca abandonar nem os seus amigos nem os seus inimigos.


TEMA — CONTO POLICIÁRIO NACIONAL — OS SINISTRADOS
DA NOITE 
Por Natércia Leite
Há quem ame a noite.
Cante poemas à noite.
Questões de opinião e perspectiva.
Para mim a noite é lixo. Mal escurece saem os ratos às centenas dos seus buracos, as ruas enchem-se de toneladas de detritos que aguardam a recolha e aparecem os marginais, a gente especial que vive e se alimenta do breu da noite e se droga, se conspurca, se atasca até ao pescoço nos vícios da vida e da cidade.
Há os que tem medo da noite e se acoitam nas suas casas, portas e janelas trancadas, esperando a luz do dia para sair. São as criaturas normais. O modo fá-las atavicamente recear o escuro. Os outros, são passageiros da noite. os ladrões, bêbados e prostitutas que passeiam os olhos orlados de violeta nas ruas pouco iluminadas e nos baldios da cidade.
Fiz o curso do Medicina. Desejava especializar-me em cirurgia mas não tive hipóteses nas grandes cidades.
Vi-me, como recurso, a procurar as cidadezinhas do interior para ir conseguindo experiência e adquirindo prática…
A maior parte das vezes o quotidiano é duro e monótono.
Hoje vou entrar no turno da noite do único hospital local.
As luzes da entrada são amareladas e fracas.,
Chamam-me. Já tinham ido procurar-me a casa. A cidade é pequena e o movimento do hospital escasso.
Nos fins de semana, bebedeiras, pouco mais que isso~.
Hoje há um caso.
E eu conto: sete, oito, dez navalhadas bem fundas!
Nas minhas mãos o corpo inerte é cosido com arte e mestria.
Sinto-me em forma. Os dois colegas olham--me com admiração. O homem ficará a dever-me a vida depois das hemorragias estancadas, os grandes golpes suturados com habilidade.
As mãos seguras, ágeis, trabalham rapidamente.
O homem vai ficar como novo!
Depois, no dia seguinte, o costume. Consultas, tosses, reumatismos, uma ou outra fractura.
Há no hospital uma ala destinada à maternidade onde pontua a Dr.ª Guiomar, que não tem mãos a medir.
Uma noite ela chama-me. Há uma mulher que foi parar à sua área. Não por estar grávida de momento mas uma mulher que costumava tratar porque faz a vida nas ruas.
Levou uma surra de meter medo. Tem um braço partido, um feio corte na arcada supraciliar. Todo o corpo é uma dor.
Olho-a e penso que deve ter sido bonita que leva é que a estragou, lhe deu aquele ar de rosa fanada.
Trato-a. Suturo-lhe o corte. Vai ficar uma cicatriz para o resto da vida. A Emília das argolas (dois grandes brincos aciganados nas orelhas) será a Emitia da cicatriz.
Parece que eu trouxe movimento ao hospital ou má sorte à cidade.
Um atropelamento com fuga é um corpo nas minhas mãos em estado lamentável. Levo semanas para conseguir tirá-lo do coma, sujeitando-o a diversas intervenções cirúrgicas até finalmente arrancar aquele corpo às garras da morte.
A mulher beija-me as mãos, chorando. Eu era um Deus, um predestinado! Doente meu tinha todos os privilégios e atenções.
Eu lutava com denodo para os salvar.
Eram os sinistrados da noite, os que se arriscavam ou viviam nas horas de breu da cidade, passavam perto ou vinham dos baldios.
Em pouco tempo apareceu também um cidadão assaltado a quem quase tinham desfeito o crânio e um guarda-nocturno que surpreendera um ladrão a quebrar a montra duma ourivesaria e apanhara quatro tiros espalhados por diversas partes do corpo.
E mais dois ou três casos no género.
Tive oportunidade de aplicar os meus conhecimentos e méritos e principalmente de praticar.
Uma camioneta desgovernada despistara-se na estrada e duma assentada eu tivera 7 feridos graves e 2 ligeiros e dias e dias de trabalho insano em que mal conseguira tirar uma ou duas horas de vez em quando para descansar e dormir um pouco.
De seguida, pareceu parar o fluxo de acidentados e eu já estava de transferência para outra pequena cidade do interior.
Deixei de entrar pela madrugada no hospital, de passar rente aos baldios a caminho de casa.
Tinha-me entediado com a cidade e por certo ela já me dera quanto pudera. Os três colegas, dois homens (invejosos da minha pessoa) e a doutora Guiomar eram parceiros sem garra nem interesse de maior.
Desandei para outros lados.
Antes de partir arrumei as minhas coisas.
E na minha mala os meus instrumentos indispensáveis ao trabalho. Junto com os bisturis, o medidor de tensão, seringas, ferros, etc., a navalha, a pistola, a matraca, a pequena barra de aço temperado •
É que efectivamente eu tinha enorme necessidade de praticar e de qualquer maneira, paciente nas minhas mãos podia ter a certeza que eu daria o melhor de mim mesmo…
Para não levantar suspeitas já chegava.
O mais difícil tinha sido, discretamente, dar um jeito na barra da direcção e nos travões daquela camioneta excursionista…

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