2 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 307

Efemérides 2 de Novembro
Ed Gorman (1863 - 1945)
Edward Joseph Gorman nasce algures nos EUA. Desde 1984 dedica-se em exclusivo à escrita e desde então têm publicado 2 a 3 livros por ano, várias short stories e antologias. Funda e edita Mystery Scene, uma revista de mistério. Ed Gorman escreve policiários, mas também outros géneros literários — westers e terror. Tem recebido vários prémios literários ao longo da sua carreira: Shamus Award, Spur Award, International Fiction Writers Award; O autor usa também os pseudónimos E.J. Gorman, Daniel Ransom, Edward Gorman Jr., Robert David Chase e Richard Driscoll.


TEMA — PEQUENOS GRANDES CONTOS DA LITERATURA UNIVERSAL — A CONFISSÃO
De O. Henry
A narrativa que se segue foi publicada em estreia no dia 20 de outubro de 1894, no
The Rolling Stone — já lá vão 118 anos!— e que nos conste, é uma história desconhecida em Portugal. Leia e aprecia a arte do velho Mestre.
Depois faremos um comentário final.

— Mas é claro, Lynette — disse a mãe — os seis anos de residência na Escócia e Inglaterra e a associação com a gente melhor e mais aristocrática do estrangeiro devem permitir-lhe julgar se ele é ou não um nobre genuíno.
— É muito difícil hoje em dia, mãe — disse eu — distinguir a imitação do genuíno. Além disso, depois de conseguir identificar o artigo cem por cento legal, é um “pincel” saber se a gente afinal de contas obteve coisa melhor do que a mercadoria “manhosa”.
— Que linguagem esquisita, querida — disse mãe.
— Oh, é a gíria da escola. Preciso realmente tentar largar este hábito. És muito boa em ter tanta paciência comigo.
O que motivou esta conversa entre mim e a minha querida mãe e foi o facto de ter expressado certo dia uma vaga dúvida a respeito de Lorde Cranston. Eu estivera durante seis numa aristocrática escola para jovens perto de Londres e há cerca de, um mês voltara para casa. A minha mãe é uma espécie de anglomaníaca e, sendo estreitamente ligada a uma família inglesa de alta posição, estava decidida a educar-me no estrangeiro. Nós éramos muito ricas e frequentávamos a melhor sociedade de Nova Iorque. Consequentemente, tínhamos poucas dúvidas quanto à concretização da mais cara esperança de que eu me casasse com um nobre inglês.
Eu estivera fora tanto tempo que a mãe mal me reconheceu quando voltei para casa. Olhou-me durante longamente, depois beijou-me com afecto e disse:
— Minha querida, mudaste muito em relação à menininha que me deixou há seis anos, mas estou muito satisfeita. Adquiriste aquela calma e pose aristocráticas que só se obtêm em associação com a melhor gente.
Lorde Cranston entrou em cena umas duas semanas após eu ter chegado.
Era alto e magro, com nariz aquilino, olhos azuis claros e bigode comprido, de pontas curvadas para baixo. O sotaque e a entoação eram perfeitos. As unhas tinham a verdadeira forma de avelã. Os trajes eram correctos em todas as minúcias e as maneiras, embora polidas e impecáveis, eram moderadas e discretas.
— Eu receava que ele fosse bom demais para ser verdadeiro. — disse a minha mãe.
Tive momentos agradáveis, durante algum tempo. Recém-libertada das restrições da escola, aproveitei avidamente as diversões e os prazeres ociosos da Narragansett Bay, onde estávamos a passar a temporada. A vida nos Estados Unidos era também nova para mim e a liberdade que eu gozava era tão incomum, que uma cabeça menos fria do que a minha poderia ter sido virada pelos goles que bebi da taça da vida.
Era bonita e viva. Tinha melhorado a mente e nunca perdia o tacto e a presença de espírito.
Lorde Cranston era a minha companhia constante. Era mulher e podia ver que ele me amava. Poderia casar-me com ele no dia que desejasse.
E nem sabia o que me impedia de fazê-lo. Quase me convencera da autenticidade do seu título e riqueza.
Apesar disso, certa dúvida indefinível, certo cepticismo intuitivo, me retinham.
Ficava aborrecida porque não conseguia encontrar defeitos nele. Tentei até mesmo uma estratégia.
Certo dia estávamos preguiçosamente sentados à sombra de uma grande pedra à beira-mar.
— Oh, Lorde Cranston — disse eu de repente. — Queria perguntar-lhe uma coisa. O senhor disse que o seu castelo fica em Seaview. Então deve conhecer minha querida amiga Lady Augusta Trevor, de The Rookery. A propriedade dela não fica a. mais de quilómetro e meio de Seaview.
Lorde Cranston voltou os seus olhos azuis claros para mim por um momento e depois disse:
— Não existe família ou lugar com esses nomes. A. minha terra. Deve estar mal informada quanto à residência dela, Menina Lynette.
Não teria um impostor afirmado que a conhecia?
Naquela noite estive muito perto de prometer a minha mão a Lorde Cranston na varanda sul entre os oleandros.
Certa tarde, a minha mãe, Lorde Cranston e eu estávamos a passear com a nossa carruagem e parámos na estação quando o comboio chegou.
Entre os últimos passageiros a passarem pela plataforma estava um jovem baixo e encorpado, com um fato cor de pimenta e sal, e um boné de tweed, acompanhado por uma jovem loira e bonita, com um vestido de viagem e um boné de marinheiro.
Olharam em volta, como se estivessem indecisos para onde ir.
De repente, a minha mãe apertou-me fortemente o braço e senti a mão tremer-lhe
Olhei-lhe para a cara e vi que ficava alternadamente pálido e corado.
A jovem tinha parado e também a fitava com curiosidade.
O jovem baixo e encorpado observava-nos da mesma forma, e, colocando um monóculo sobre o olho esquerdo, encaminhou-se para a carruagem.
A minha mãe nem me deu atenção, mas disse “Lynette!” com voz trêmula e estranha, e saltou da carruagem.
A jovem desconhecida correu para ela e um segundo depois estavam nos bralos uma da outra, aos beijos e a soluçar.
O jovem baixo e encorpado fixou lord Cranston, severamente:
— Higgins, meu patife! — disse — Onde estão as minhas malas e os meus documentos? Dou-te quinze minutos para me devolveres tudo, caso contrário entrego-te à polícia.
Lord Cranston desceu graciosamente da carruagem:
— O senhor encontrará tudo intacto na Ocean House — disse ele calmamente— Ainda tinha dinheiro meu para gastar.
Virou-se para mim e disse em voz baixa:
— Adeus. Gostaria que tudo tivesse sido verdade.
Quando se virava para se ir embora, eu disse:
— Espere um momento Sr. Higgins, acho que vou para o mesmo lado que o senhor.
Quando descíamos pela plataforma juntos, ouvi a jovem dizer:
— Querida mãe, deixe-me apresentar-lhe o lord Cranston, que foi muito bondoso e atencioso comigo durante a viagem. O criado dele roubou-lhe todas as suas coisas e fugiu com elas. Agora, vamos comer alguma coisa, estou com tanta fome, e falar a respeito de tudo.

Quem sou eu não faz agora grande diferença.

Comentário:
Depois de ler o conto procurámos responder à última frase — “Quem sou eu não faz agora grande diferença.”
Faz sim. Face ao conteúdo da narrativa, só podemos tirar uma conclusão: a Lynette da estória não era de facto Lynette, mas uma usurpadora tal como o falso lord…
Esplêndido enigma de um famosíssimo autor.
M. Constantino

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