23 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 328

Efemérides 23 de Novembro
Rusty Brown (1925)
Miguel Artur de Morais e Macedo Alves Barbosa, nasce em Lisboa. Paleontólogo, artista plástico, poeta, dramaturgo e escritor, é um homem cujo mérito na área da paleontologia e pintura é reconhecido internacionalmente. O Museu de História Natural de Sintra abre as portas ao público em 2009 devido ao contributo de Miguel Barbosa e da mulher, com a oferta da sua colecção de milhares de fósseis. No campo da literatura o escritor tem também projecção internacional, em particular quanto à sua obra teatral — representada no Brasil e em diversos países europeus. A sua obra poética estra traduzida em França, Itália, etc. e nos EUA. Em 2009, recebe a Medalha Jorge Amado atribuída pela União Brasileira de Escritores. Miguel Barbosa tem mais de dezena e meia de livros editados, mas no campo da literatura policiária assina os seus romances com o pseudónimo Rusty Brown. O autor usa também o pseudónimo J. Penha Brava e num dos seus romances policiários a vítima é nem mais nem menos Penha Brava, morto por por Rusty Brown “ por inveja literária” de acordo com as palavras do escritor. O livro Rusty Brown Em Lisboa foi levado à cena Companhia de teatro brasileira Os Satyros, em Maio de 1993, no Ritz Clube em Lisboa
Em Portugal é possível encontrar registo dos seguintes livros:
1 – Vingança E Morte Em Las Cruces (1983), Nº16 Colecção Bolso Noite, Europress. Sinopse CLICAR
2 – Um Crime Plagiado (1985), Nº2 Colecção Ulmeiro Policia, Editora Ulmeiro.
3 –Crime À Pressão (1986), Nº3 Colecção Ulmeiro Policia, Editora Ulmeiro.
4 – Os Crimes Do Rouxinol (1987), Nº4 Colecção Ulmeiro Policia, Editora Ulmeiro.
5 – Crimes À Rédea Solta (1986 ?), Nº6 Colecção Ulmeiro Policia, Editora Ulmeiro.
6 –Crimes No Espaço (1988), Nº8 Colecção Ulmeiro Policia, Editora Ulmeiro
7 – Rusty Brown Em Lisboa (1992), nº38 Colecção Bolso Noite, Europress. Sinopse CLICAR
8 – Rusty Brown E A Factura Da Máfia (1992), Nº39 Colecção Bolso Noite, Europress. Sinopse CLICAR
9 – Rusty Brown E Os Violadores De Túmulos (1994), Nº45 Colecção Bolso Noite, Europress. Sinopse CLICAR
10 – Rusty Brown E O Nariz de Toulouse Lautrec (1996), Nº48 Colecção Bolso Noite, Europress. Sinopse CLICAR
11 – O Caso Do Estrangulador Da Rua Da Betesga Visto Pelo Buraco Da Fechadura (2005), Hugin. Sinopse CLICAR
12 – Os Crimes Do Buraco Da Fechadura (2010), Colecção Círculo Negro, Editora Vega. Sinopse CLICAR





 
TEMA — INCRÍVEL REALIDADE — O HOMEM DUPLO
Por Hal Coope
Dentro de meia hora Fredy Ritchie, gangster de Los Angeles iria sentar-se na-cadeira eléctrica.
A chuva batia contra os muros cinzentos da penitenciária de San Quentin. Caíra sobre São Francisco uma daquelas espantosas borrascas da região. O ar estava frio e húmido. Os guardas da prisão, envoltos em impermeáveis, mergulhavam Os pés nas poças. Dentro da prisão fazia calor.
Perto da sala de execuções, um grupo de jornalistas, numa sala reservada Imprensa, aguardava o desfecho da execução. Harry Thompson, famoso repórter do crime de um jornal de Los Angeles dizia:
— Preparem-se para uma grande bronca. Algum de vocês viu Fredy Ritchie desde que o prenderam por causa desse crime? E antes disso?
Sem esperar pela resposta, Thompson continuou:
— Pois eu vi. Conheci Fredy, há oito anos, quando assumiu a chefia da quadrilha. Eu estava no começo de carreira e ele simpatizou comigo. Deu-me algumas notícias em primeira mão e concedeu-me uma entrevista explicando como conseguira penetrar no mundo do crime em Nova York, vindo depois para o oeste, onde tomou conta das máquinas de jogo, que nós conhecemos por caça-níqueis. Se não fosse o seu auxílio eu não seria, hoje, um jornalista conhecido.
Os olhos escuros e profundos de Thompson faiscavam. Fez uma pausa e declarou sensacionalmente:
— Pois o homem que está lá dentro na cela e que todos acabámos de ver, não é Fredy Ritchie. Deve ser vítima de um erro da identificação. Já aconteceu isso algumas vezes.
As palavras de Harry Thompson caíram como uma bomba na sala de Imprensa. Todos os repórteres falavam ao mesmo tampo. Por fim, um deles disse:
— Você está louco, Harry? Mas então onde está Ritchie? E as testemunhas que o identificaram? Duas reconheceram-no pela voz. Decerto que é uma prova circunstancial e precária, mas… pense no álibi que ele arranjou. Disse que estava fora do passeio quando Wally Hooper foi assassinado. É verdade que a polícia nunca tinha prendido Ritchie e por isso não havia nos seus arquivos as impressões digitais. Mas veio o julgamento e o júri não teve dúvidas em declarar Ritchie culpado por assassínio de Hooper e, por isso, vai ser executado.
Harry Thompson encolheu os ombros e não respondeu. Não lhe saía do pensamento que o homem enclausurado na cela não o reconhecera quando por ela passara com os outros jornalistas. E ao abordá-lo, o homem limitou-se a responder:
— Não matei ninguém, nem sou Fredy Ritchie…
A voz era, realmente, parecida. Mas o rosto… não. Tratava-se doutro homem e, portanto, não causou espanto a Thompson, quando apareceu na sala um funcionário dos serviços prisionais a declarar:
— Meus senhores: Houve um grave erro! O homem que está lá dentro, não é Fredy Ritchie. Fomos informados que Fredy encontra-se hospitalizado em Los Angeles.
Harry Thompson não esperou para ouvir mais, e partiu disparado em direcção à rua. Apanhou mi táxi para o aeroporto — e enquanto não chegava a hora do avião partir telefonou para a redacção do seu jornal:
— Então, Bill, já sabe o que aconteceu? Ainda bem, que sabe porque assim já tem todos os pormenores para cozinhar aí a notícia e eu não perco mais tempo. Sigo para Los Angeles e vou saber o resto ao Hospital, procurando ouvir Fredy Ritchie…

E assim aconteceu. Horas depois Thompson chegou ao Hospital. À porta do quarto de Fredy encontravam-se muitos jornalistas e polícias — que, depois, entraram e assistiram ao interrogatório feito pelo tenente Blayne
Harry Thompson esperava ouvir o vozeirão de bas-fond de Fredy, mas foi surpreendido com a voz bem modulada dum homem educado, respondendo ao detective:
— Como já disse antes, tudo me parece muito confuso.
Levou as mãos à cabeça, como se o falar lhe causasse dores, e prosseguiu mais lentamente:
— Só me lembro de que ia ao volante, a estrada estava coberta de neve, uma criancinha atravessou-se na frente do meu carro, travei com força e… um jacto de luz não me deixou ver mais nada… Depois de nada mais me recordo. Poderiam dizer-me o que aconteceu? Onde está minha mulher?
Estas últimas palavras pareceram esgotar-lhe a resistência. Os olhos fecharam-se-lhe e a fisionomia crispada tornou-se mais serena à medida que caía na inconsciência.
O rosto de Harry Thompson exprimia estupefacção quando o homem acabou de falar. Dirigiu-se ao gabinete do director do Hospital, falou com o médico que prestou os primeiros socorros a Ritchie, consultou ficheiros, reuniu elementos — e passadas algumas horas estava de posse de todos os elementos para escrever a reportagem, que ditou pelo telefone para a Redacção do seu jornal.
Quando regressou à sala de Imprensa, Harry foi abordado pelo seu camarada Reynald: — Que diabo aconteceu aqui? De onde veio Ritchie? Quem é o homem que ia ser electrocutado'?
Thompson levantou a mão, interrompendo o vertiginoso questionário e esclareceu o seu companheiro da notícia que já dera para o seu jornal e que, àquela hora, já estava com certeza a rodar na rotativa:
— Está bem, Reynald, mas uma coisa de cada vez. A história é fantástica. Ao princípio também fiz confusão. Mas acho que dei com a coisa e tudo se ajusta exactamente com o que na realidade se passou. O homem que está no Hospital é, na realidade, duas pessoas. Não se trata de uma dupla personalidade, mas de duas personalidades separadas. Uma Fredy Ritchie, gangster, e a outra, o Dr. Edward Carson, famoso médico cirurgião de Nova York.
Fazendo uma pausa para tomar fôlego, o repórter acendeu um cigarro e prosseguiu:
— Há dez anos o carro do Dr. Carson derrapou na estrada e precipitou-se no rio. O carro foi retirado e o casaco com a carteira do motorista foi encontrado a boiar no rio dois dias depois. O corpo nunca apareceu e o homem — o Dr. Edward Carson — foi dado como morto. Durante o delírio do homem que está ali na cama e pelas impressões digitais, apurámos, porém, que ele é o Dr. Carson e descobrimos, também, o que aconteceu no seu desastre há dez anos. O corpo foi cuspido do carro quando este bateu na água. O rosto dele ficou dilacerado pelo para-brisa. Perdendo muito sangue e atordoado chegou, sabe Deus como, à margem do rio. Foi socorrido por um velho que tinha uma casinha no meio dos montes do lixo da cidade. Este pensou que o médico tivesse sido assaltado por gangsters e atirado ao rio. Por isso, receando alguma vingança, em vez de chamar a polícia, levou-o para sua casa e tratou dele até vê-lo completamente curado. Quando o homem recuperou a saúde, sofria de amnésia e não sabia quem era nem o que lhe tinha acontecido. Poucos meses depois, despediu-se do velho e foi procurar emprego. Tinha o rosto tão desfigurado que toda a gente se horrorizava ao vê-lo. Com aquela cara de Frankenstein não conseguiu arranjar trabalho. Teve de recorrer à mendicidade e depois travou conhecimento com vários criminosos. O seu cérebro ágil logo o conduziu à chefia de um bando. E assim nasceu o gangster Fredy Ritchie. O resto da história todos sabemos excepto como veio agora parar ao Hospital.
Mais uma pausa e Harry Thompson, contou o resto:
— Quando do assassínio de Wally Hooper, a polícia prendeu um indivíduo que se encontrava nas proximidades (o que esteve quase a ser electrocutado) e não ligou importância ao atropelamento de outro cidadão nas imediações. Era Fredy Ritchie, quando fugia após ter praticado mais um crime. Fredy foi levado ao hospital e, agora, vem o mais sensacional da história: o médico que o socorreu era precisamente o mesmo que lhe havia operado o rosto dez anos antes, quando, ainda em casa do velho, recorrera a um cirurgião plástico. Este reconheceu o seu trabalho. E quando o doente voltou a si, estava curado da amnésia e pôs-se a dizer que era o Dr. Edward Carson. O cirurgião resolveu levar o caso ao conhecimento da polícia. O infeliz que quase tinha sido electrocutado foi libertado e, agora, não sei como os tribunais vão proceder neste caso, pois o gangster Fredy Ritchie morreu no dia em que ressuscitou uni cidadão respeitável, o Dr. Edward Carson.


TEMA — CONTO — OS LONGOS SILÊNCIOS
De Natércia Leite
Acho que a minha mãe se esforçou muito. Tanto quanto pode.
Tinha eu os meus 12 anos por essa altura e todos os acontecimentos da época me ficaram gravados como ferro quente.
Lembro-me que o meu pai chegava a casa sentava-se a ler o jornal até que o jantar estivesse pronto. Depois de comer ficava-se a ver a televisão e depois de repente dava as boas noites e subia para o quarto.
Entretanto a minha mãe andava pela casa diligente, arrumando as coisas.
Tudo isto durou muito tempo, anos creio, até àquele dia em que eu à volta dos meus 12 anos, sofri com os acontecimentos que se deram e que vieram quebrar a rotina dos meus dias.
Logo de manhã tinham telefonado a dizer que a tia Matilde (casada com o tio Alfredo, irmão do pai) estava muito mal e para a mãe lá ir ajudar.
Era um domingo e fiquei em casa com o meu pai. Depois de comermos qualquer coisa que encontrámos no frigorífico, meu pai ordenou-me que fosse dormir um pouco e que depois sairíamos pelo meio da tarde.
Tudo foi diferente do que poderia ter sido.
A minha mãe chegou cedo com um ar muito cansado. E eu que ouvira barulhos estranhos enquanto estava no quarto, estava espreitando por uma abertura da porta da saleta o que o meu pai e a prima Cláudia faziam em esforçados jogos corporais. O pai estava falador e corado e animado como um menino no recreio.
A minha mãe veio ver o que despertava a minha curiosidade e quedou-se também largos instantes a ver o que se passava na saleta entre o pai e a prima Cláudia.
Deixou-me ver também até que o par suspirando fundo se quedasse como desfalecido.
A minha mãe afastou os cabelos negros do rosto, levou os dedos à boca e mordeu-os e depois amarfanhou com a mão, com muita força, o vestido por alturas do coração.
Levou-me para o quarto.
Foi o começo dos seus longos silêncios.
A mãe olhava em volta para as coisas como que a despedir-se delas
Lembro-me que vomitei.
Ela acudiu-me a tratou-me como sempre com grande doçura. E eu fiquei abraçada na sua cintura — ela sentada na cama como se o tempo não contasse mais…
Depois e sempre sem barulho a minha mãe encheu duas pequenas malas com o que achou mais necessário e saímos pela porta da frente sem ruído.
Fomos para casa da minha avó. A tia Matilde tinha morrido nessa mesma manhã e a mãe regressava a casa mais cedo para ir buscar qualquer roupa escura e preparar-me e avisar o meu pai.
A mãe e a avó falaram compridas horas e disso resultou ser inabalável a decisão da minha mãe.
Não voltar mais a casa. Não receber mais o meu pai e nem sequer o ver.
Como tinha o curso de professora do Ensino Básico, embora há anos não exercesse, conseguiu através do Ministério e com a ajuda do tio Alfredo um lugar numa escola perdida na província. Eu fiquei num colégio interno e em casa da avó.
O tio Alfredo veio despedir-se da mãe e apertaram as mãos numa demora que penso só mais tarde ter compreendido.
Depois a minha mãe lá se foi.
Vestida de luto e de tristeza.
Para os meninos e meninas dos confins do País.
Vinha buscar-me nas férias e passávamos os dias sempre juntas, nas serras, na companhia de gente rude.
Minha mãe tinha adoptado os longos silêncios mas levava-me sempre com a sua mão fortemente agarrada na minha, transmitindo-me a sua força e a sua confiança.
Estávamos em meados de Agosto quando o tio Alfredo se veio despedir pois tinha resolvido partir para o estrangeiro.
P tio Alfredo tinha servido sempre de intermediário entre a mãe e o pai e tratara de resolver para nós mil e um problemas que iam surgindo.
Mal o tio Alfredo chegou os olhos da minha mãe pareceram dois sóis de riso, embora a boca continuasse uma linha severa, os lábios entreabertos mostrando os dentes pequenos e perfeitos.
Depois conforme o tio falava os olhos perderam o riso e tornaram-se dois poços escuros e impenetráveis.
O tio Alfredo e a mãe olharam-se muito longamente e olharam para mim e os ombros da mãe curvaram-se como que suportando uma carga demasiado pesada.
Só muito mais tarde me apercebi de sentimentos tão profundos e problemas tão vários, diversos e difíceis.
As mãos da mãe agarraram as do tio Alfredo, afagaram-nas e apertaram-nas muito colocando-as depois sobre a minha cabeça.
Lembro-me do tio Alfredo a descer a estradinha depois de ter dado um beijo na testa da minha mãe. Ao longe ainda se virou uma vez e fez com a mão um gesto meio desajeitado de um infeliz adeus.
Durante o resto das férias a mãe foi toda ternura e amor para comigo.
Na sua voz quebrada e suave deu-me conselhos.
Levou-me depois para casa da avó e para o colégio, onde me deixou cheia de recomendações.
Lembrar-me-ei sempre dos seus longos silêncios tão carregados das coisas da vida que me faziam boiar nos olhos lágrimas de uma tristeza amarga.
Dias depois de eu estar no colégio e do tio Alfredo partir para o estrangeiro enforcou-se no seu quartinho obscuro nos confins da província.
Para que a corda com que se enforcou finalmente lhe estrangulasse as mágoas e lhe desfizesse aquele nó que a vida lhe criara e que há anos lhe sufocava a garganta.

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