19 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 324

Efemérides 19 de Novembro
Bill Cameron (1963)
William H. Cameron nasce em Cincinnati, Ohio, EUA. É autor de policiários negros Lost Dog (2007), Chasing Smoke (2008), Day One (2010) e County Line (2011) protagonizados por Skin Kadash, um polícia irrascível do departamento de homicídios da cidade de Portland. O autor tem também 6 livros de short stories publicados entre 2006 e 2011. Todos os romances de Bill Cameron têm sido premiados o recebido nomeações para prémios como Left Coast Crime Rocky Award ou Spotted Owl Award. O conto The Princess of Felony Flats incluído na colectânea First Thrills (2010) recebe a nomeação para o Dagger Award da britânica Crime Writers Association


TEMA — ARQUIVOS DO DR. LOCARD — O MACACO DO REALEJO
Edmond Locard (1877 – 1966)
Foi em 1910, por ocasião de um roubo banal, ocorrido na rua Ravat, em Lyon, que um tribunal francês condenou um homem pela primeira vez tendo como prova única as suas impressões digitais.
Descobri num vaso a marca de um dedo com uma cicatriz, e, como era exactamente igual à do suspeito, os jurados aceitaram esta prova.
Depois essa norma passou a ser válida muitas vezes: Se bem que os malfeitores se julguem antecipadamente condenados quando uma impressão digital deles é encontrada no local do delito, isso, entretanto, pouco vaie. As impressões digitais demonstram apenas a presença do homem no local, mas não provam absolutamente a sua culpa.

OS LADRÕES SUBSTITUIRAM OS NAMORADOS
Um dia numa grande cidade do sul, foi cometido um roubo muito importante em casa de um joalheiro. O ladrão tinha aberto a porta, ou usando chaves verdadeiras, ou falsas. Ora, acontece que o comerciante tinha uma filha lindíssima que estava enamorada de um bom rapaz, cheio de mérito, mas sem situação nem dinheiro. O pai, que já tinha posto o pretendente pela porta fora, imaginou então que o rapaz se tinha vingado assaltando a sua loja.
A polícia parecia não ter concordado com esta versão. A minha intervenção só serviu, porém, para agravar a situação do infeliz pretendente, pois identifiquei as suas impressões digitais sobre uma série de vitrinas roubadas, mas não sobre todas elas.
Quando o caso foi levado a tribunal é que se divulgou então a verdade: Aterrorizada diante da ameaça de uma grave condenação, a jovem confessou diante do público que ela tinha marcado um encontro com o seu infeliz noivo, e que se tinha ido encontrar à noite na loja do pai. No escuro, o namorado tinha tacteado o caminho, apoiando as mãos nas vitrinas. Acontece que naquela mesma noite; algumas. horas mais tarde, os ladrões entraram na loja.
Algum tempo depois os ladrões foram encontrados, e os jovens se casaram,

AS LUVAS NÃO ENGANAM A POLÍCIA
Naturalmente os malfeitores não tardaram em procurar meios de escapar da prova datiloscópica. A imprensa repetiu tantas vezes que bastava apenas aos criminosos usar luvas, que seria de admirar que os -gangsters não seguissem esse conselho. Mas acontece que o conselho era errado.
Não digo que usando luvas de box ou de esgrima, se deixem marcas papilares, mas é muitíssimo difícil fazer um trabalho delicado com um acessório tão incómodo. Não se deve pensar que o uso de luvas seja para um criminoso, de uma comodidade perfeita. Primeiramente, as 1uvas que não tem o hábito de usar, atrapalham mais ainda do que o normal, pois nem sempre são feitas sob medida, ou adquiridas num bom fabricante. Se a luva é muito apertada é um suplício, se é muito larga, um estorvo.
Ora para trabalhar no escuro, ou pelo menos em más condições de iluminação, o criminoso tem grande necessidade dos dedos. Suas falanges suprem os olhos, e ele serve-se delas como o insecto das antenas. As luvas são como uma venda para os olhos.
Por outro lado, a luva que não é nova vai ser submetida aos mais rudes movimentos durante um arrombamento, em um assalto, na abertura de cofres, no transporte de móveis, na quebra de vidros, e talvez mesmo no enérgico agarrar de um corpo humano que resiste. Todos esses gestos inutilizarão depressa o seu valor protector.
Assim, muitas vezes no momento em que o criminoso faz sua escolha entre os objectos a serem roubados fixa, através das luvas rasgadas ou descosidas, as impressões digitais ou palmares que o trairão.
A luva não é, pois, tão perfeito obstáculo à existência de impressão. Em Lyon, em certo número de casos, a identificação dos criminosos foi feita, apesar do uso de luvas.

PODE-SE ASSINAR UM ROUBO COM OS PÉS
Romancistas, mais ricos em imaginação do que em conhecimentos reais, escrevem em novelas que, seria possível deixar falsas impressões digitais, e, o que seria ainda muito mais perigoso, deixar as impressões de outrem. Um grande jornal de Paris, por volta de 1920, contou que um ladrão do género de Arsène Lupin deixava habitualmente nos lugares onde roubava, as impressões digitais do chefe de polícia. Já se contava isso de Lépine. De facto não há em todas essas histórias nem uma palavra de verdade. As pesquisas técnicas mostram que essas hist´rias são impossíveis
Em Chicago, um escroque alemão que foi preso, por falsificação e roubo tinha oferecido vender o segredo do fabrico de falsas impressões digitais. Um dia recdebi do meu amigo Reiss , director do laboratório de polícia de Lausanne, uma carta trazendo no lacre a impressão do meu dedo indicador direito, mas não tive a menor dificuldade em reconhecer a falsificação, porque uma falsa impressão apresenta necessariamente uma falha (que eu não posso indicar aqui), que permite num segundo descobrir a imitação.
Uma das melhores piadas para um malfeitor (e eu já tenho apreciado o caso muitas vezes) é deixar propositadamente a impressão bem nítida do seu dedo grande do pé no local de um roubo. Como não existem impressões dos pés no ficheiro dactiloscópico, o homem tem a certeza de não ser descoberto por essa marca

OS CABELOS VARIAM COMFORME AS IMPRESSÕES DIGITAIS
As impressões digitais não dão somente indicações sobre a identidade do seu possuidor. Antes de mais nada, é muito fácil de distinguir uma impressão de homem e a de uma mulher. Mesmo tratando-se de uma mulher de estatura e forca de homem, ou de uma “mulher-canhão” desses de parques de diversões, as marcas papilares são muito mais finas e sobretudo muitíssimo mais apertadas do que num dedo masculino.
Fiz fixar num corredor do laboratório de polícia um quadro onde estavam dispostas ampliações fotográficas da impressão de um dedo de homem, de uma mulher e também de um macaco: a finura da trama dos riscos nos dedos de mulher lembram exactamente o que se observava nos macacos, e não se parecem absolutamente com as do homem.
O diagnóstico da raça é mais difícil. Não é exacto senão numa série de impressões. Para um caso isolado, seriam muitas as probabilidades de erro. Na espécie humana, em geral, existem quatro espécies gerais de impressões, que caracterizam todas as variedades:
1) os arcos, isto é, as curvas paralelas sem anel nem triângulo;
2) o anel à direita com o triângulo à esquerda;
3) o anel à esquerda com o triângulo à direita;
4) o verticilo ou amêndoa, ou redemoinho, com dois triângulos, um de cada lado.
Acrescento ainda um detalhe extremamente curioso; nas raças onde os desenhos digitais são em anel, os cabelos têm a implantação oval; nas raças onde os desenhos digitais são em sentido verticilado ou anular a implantação dos cabelos é redonda.
Existem alguns casos, muito raros, que não entram na classificação acima. Esses casos são extrema mente interessantes porque se trata quase sempre de degenerados e anormais, isto é, de indivíduos predispostos ao crime. Os filhos de alcoólatras e de paranóicos, os epiléticos, podem apresentar os desenhos digitais atípicos, e em particular uma elipse vertical, fechando as linhas paralelas, isto é, um desenho comum nos macacos.
E por falar de impressões digitais dos macacos… Todos os rastros de animais são extremamente interessantes. Estive justamente ocupado com estes rastros num caso de incêndio. Tratava-se de uma louca que, para se divertir, tinha posto fogo aos cereais e ao celeiro. Como ela estava calçada de tamancos a pesquisa de vestígios de passos não dava resultados. Mas ela estava acompanhada de um cão de tamanho anormal, cujo rastro totalmente característico permitiu identificar a louca.
Naturalmente que este rastro do cão na terra arada estava bem. Tive, entretanto, a ideia de que, em melhores condições poder-se-ia utilizar as impressões de e animais e quem sabe marcas papilares mais ou menos análogas aos desenhos digitais dos homens.
Estava eu nesse ponto das minhas reflexões quando uma senhora idosa, viúva de um oficial, veio ao meu laboratório contar que sua criada a roubara. A pobre senhora sofria tanto com isso que em vez de mandar um agente para uma investigação que parecia tão banal fui eu mesmo. A queixosa fez-me visitar o apartamento, que era modesto, mas maravilhosamente bem tratado. Nenhum sinal de arrombamento na porta principal, nem no interior, nem nos móveis.
Uma única gaveta do aparador estava aberta, mas como ela não fechava à chave, não havia nenhuma dificuldade em abri-la. Nesta gaveta estava guardada, juntamente com outras peças de prata, uma dúzia de colheres de chá. O desaparecimento dessas doze colheres pequenas representava o total cio prejuízo. Evidentemente a-ausência de um arrombamento, a limitação do roubo, não poderiam absolutamente fazer pensar em outra coisa senão em um roubo doméstico.

O MACACO
Interroguei a empregada. Era uma pobre rapariga, não muito jovem, que me pareceu muito tola, mas devotada e incapaz de uma falta tão grave. Entretanto, já que eu me preparava para procurar Impressões digitais. Na concha de uma colher de sopa que tinha ficado, como aliás em toda a outra prataria, uma pequenina marca, com algumas elevações papilares. A dimensão não poderia corresponder senão à impressão de uma criança muito pequena, mas as linhas paralelas não se pareciam a coisa alguma conhecida. A lembrança de Edgar Poe fez-me pensar no “Duplo Assassinato da Rua Morgue”, e engendrar a ideia de um macaco. Imaginei que talvez se tratasse de marcas de um pequeno animal como o macaco.
Transmiti esta hipótese ao chefe da Securité. Na averiguação realizada soube-se que tinha sido visto vagueando pelas ruas um tocador de realejo, levando um macaquinho no ombro. Um inspetor inteligente teve então a ideia de percorrer os espectáculos e feiras populares, levando ostensivamente na mão uma colherzinha. Durante um dos seus passeios a colher foi violentamente arrebatada da sua mão; um macaco saltara para os seus ombros e fugira levando a colher. O tocador de realejo confessou, e não o poderia ter feito de outra maneira, que tinha ensinado o macaquinho a roubar, entrando pelas janelas abertas das casas.
Este episódio estimulou-me para pesquisas mais avançadas sobre os rastros de animais, especialmente sobre a questão da existência, ou não, de massas papilares nas diversas classes da série zoológica. Fiz assim constatações curiosíssimas: encontram-se desenhos digitais rudimentares em certos lagartos e papagaios, mas nos mamíferos, os lobos têm pregas capilares e as raposas não têm de todo.
Alguns cães pequenos têm marcas digitais muito finas e a maior parte das raças grandes não têm nenhuma.
Encontra-se de tudo nas impressões digitais. Um dia no laboratório da polícia de Marselha recolheram as impressões digitais de um preso e descobriram com surpresa no meio das linhas do indicador direito a efigie do imperador Napoleão III. Olhando o dedo, não se via nenhuma efigie visível. Tira-se novamente a impressão: a efigie aparece de novo. Enviaram-me esta ficha extraordinária, pedindo a minha opinião. Toda a equipe o meu laboratório começou a estudar o caso e a explicação foi encontrada:
Quando se aplica a ponta do dedo sobre um desenho em relevo, como o de uma moeda, se a pressão for muito forte, retém a circulação sanguínea nos pequenos vasos das papilas. Assim que a circulação para, a transpiração não se produz mais, e como a impressão digital não é senão a reunião de gotinhas de transpiração extremamente finas, o desenho aparece no meio das marcas interrompidas. Nós divertimo-nos a fabricar desta forma uma colecção de impressões com a efígie de todos os soberanos da Europa.
Recentemente pude explicar, pela mesma razão. a um meu colega de Quebec, por que ele tinha descoberto no desenho da impressão digital de um dedo indicador, o desenho do naipe de copas.

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