17 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 322

Efemérides 17 de Novembro
Pierre Véry (1900 – 1980)
Nasce em Bellon, Charente, França. Escritor, argumentista e autor de livros para jovens, recebe em 1930 o Prix du Roman d'Aventures. Em 1934 em Meurtre Quai Des Orfèvres cria o personagem Proper Lepicq, que se torna o protagonista de 7 romances policiários; publica também a série Goupi Mains Rouges — adaptada ao cinema e televisão — e escreve mais 20 romances policiários e outros tantos argumentos para cinema.



Jean Potts (1910 - 1999)
Jean Catherine Potts nasce em Saint Paul, Nebraska, EUA. Trabalha como jornalista na sua terra natal, antes de se mudar para Novas Iorque onde ser torna escritora freelance. Durante algum tempo publica contos no Ellery Queen's Mystery Magazine e Alfred Hitchcock's Magazine O seu primeiro romance Go, Lovely Rose (1954) vence o prestigiado Edgar Award atribuído por Mystery Writers of America. Joan Potts escreve mais 13 romances policiários e mais de duas dezenas de contos. A maior parte da sua obra é marcada por cenários e personagens realistas, o que faz com que os críticos a considerem uma escritora brilhante na caracterização do ambiente de mistério e crime de cidade pequenas, tipicamente americanas. O seu último livro My Brother's Killer (1975) foi considerado “uma apresentação fascinante de suspense psicológico”.



TEMA — INCRÍVEL REALIDADE — O CAIXÃO DA JUSTIÇA
Uma forte ondulação agitava os acessos ocidentais e ao Canal da Mancha, e um vento fresco de sudoeste uivava no cordame do navio mercante Trelawney que demandava a Biscaia, primeira escala seu trajecto até ao Extremo Oriente.
Estava-se na Primavera de 1919 e o Trelawney largara há três dias de Liverpool com um carregamento de peças sobressalentes para locomotivas. O tempo para o interior do caixão, estava cinzento e triste e as borrascas de Abril, agitando constantemente o mar, erguiam ondas alterosas que se iam esmagar com fragor contra a proa do navio.
Não surpreende assim que o comandante, o capitão John Murray, não tivesse praticamente abandonado a ponte de comando desde o começo da viagem.
Antigo oficial de contratorpedeiros, era esta a primeira missão que lhe era confiada depois da guerra e embora o velho Trelawney estivesse longe de ser o navio que ele teria escolhido, era mesmo assim um barco sólido e robusto além de que, com tantos marinheiros experientes no desemprego, ele se podia dar por muito feliz.
No entanto era abissal a diferença entre a disciplina rígida da Royal Navy e o individualismo quase anárquico do serviço mercante, além de que o capitão Murray já tivera de enfrentar problemas disciplinares entre a tripulação, principalmente com um homem de convés de cabelos pretos, natural de Liverpool e que dava pelo nome de Biss Grossland. Ele entrara atrasado a bordo no dia da largada do Trelawney, atraso esse que por um triz os não fizera perder a maré. Fora-lhe descontado dia de salário, além de ter sido repreendido voz alta, à maneira da Navy, pelo capitão Murray, o que tudo somado, em nada contribuíra para melhorar a disposição de cada um.
Acrescente-se a isso os três dias de ventania e de chuva cortante que se seguiram, quando o cargueiro tornou o rumo do Sul.
Chegada a quarta manhã, por entre um céu tempestuoso e carregado de água e com um vento gelado a queimar-lhes os rostos, uma equipa de quatro homens de convés ocupava-se em apertar as cobertas das escotilhas dianteiras quando avistaram um objecto que se balançava na água bombordo.
A princípio parecia tratar-se de um caixote, mas à medida que ele se foi aproximando, não restaram dúvidas quanto à sua identidade. Era um caixão…
Lançaram então cordas à água e, quando o objecto apareceu a flutuar junto à proa, foi laçado e cuidadosamente içado para bordo. Colocaram-no junto da amurada, na coberta lateral e foram chamar o capitão para que o inspecionasse.
Era um ataúde caro novo, com pegas aparatosas e uma curiosa tampa no com dobradiças. Depois de alguma discussão, o capitão abriu a parte de cima e a tripulação- espreitou, receosa do que pudesse ali descobrir.
O ataúde estava,-porém, vazio, com o fundo coberto de água numa altura de uns quinze centímetros. Esta foi despejada, depois- do que, o caixão foi amarrado com cordas à amurada
O capitão regressou à ponte de comando, registou o incidente no diário de bordo e o Trelawney prosseguiu viagem.
Nessa noite, o tempo colhido, acalmou temporariamente à medida que o cargueiro descia ao longo da costa espanhola em direcção a Gibraltar, e alguns elementos da tripulação, depois do serviço e encorajados por uma garrafa de rum — o que era rigorosamente contra as regras — começaram a falar sobre o caixão
Os marinheiros são geralmente supersticiosos e o aparecimento a bordo do ataúde levara alguns homens a dizer que ele só iria trazer azar, pelo que deveria ser devolvido ao mar.
Outros opinaram que o venderiam por bom preço num porto qualquer do Mediterrâneo. Não Passou muito tempo sem que alguns dos homens se dirigissem o convés a fim examinarem o misterioso despojo de naufrágio. Fazia agora escuro, mas a luz proveniente da cabina do tombadilho iluminava o caixão, arrumado ao longo da amurada. Os homens apinharam-se à sua volta, e a conversação ganhou um tom violento. Quem se atreveria a meter-se dentro do “sobretudo de madeira”?
Alguns recusaram-se pretextando serem demasiado grandes ou pequenos, e só um homem se mostrou disposto a entrar no caixão e esse homem foi Bill Grossland.
Um relatório oficial do incidente, compilado em intenção das autoridades, pormenoriza o que aconteceu a seguir.

Os homens, cujos ânimos se tinham exaltado, terão apostado com Grossland em como ele não seria capaz de se meter no caixão, pelo que o marinheiro tirou a tampa do ataúde, trepou para dentro dele e estendeu-se ao comprido, declarando que estava tão bem instalado como se o caixão tivesse feito para ele.
O que aconteceu a seguir não ficou totalmente esclarecido, mas as testemunhas afirmam que o navio produziu um violento ribombo, que fez com que a tampa do caixão se fechasse ruidosamente e impeliu o receptáculo por baixo da amurada, precipitando-o no mar.
As cordas que prendiam o ataúde ter-se-ão partido ou desatado.
O caixão, com Grossland lá dentro, desapareceu no negrume das águas. O navio parou as máquinas, foi descida uma baleeira para proceder a buscas, mas não se tornou a avistar o caixão.
Depois de descrever círculos no mesmo sítio durante meia hora, o Trelawney retomou a sua rota.
Um dia depois o cargueiro chegava a Gibraltar, saindo ao seu encontro uma lancha da Polícia. Um oficial informou o capitão Murray de que tinham um mandado de captura contra um elemento da tripulação, procurado por ter assassinado uma rapariga, morta à punhalada algumas horas antes de o Trelawney ter largado de Liverpool.
O homem que procuravam era Bill Grossland. Mas este encontrava-se agora fora do alcance da justiça humana. O mar julgara-o, condenara-o, e fora ele próprio a aplicar o justo e terrível castigo.

      Liverpool Docks de P H Huggill 1920




TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE RICHARD M. GORDON — O ASSASSÍNIO DE GEORGE WASHINGTON
A minha família reside em Nova Iorque há muitas gerações. O avô do meu avô, Anthony Porter, de quem trago o nome, emprestou a sua parelha de cavalos no dia 21 de Dezembro de 1820, quando a Mortimer House, Richmond Hill, se mudou para a Varick Street, esquina da Charlton — agora a zona financeira da cidade. A velha mansão servira de quartel-general a George Washington de Junho a Setembro de 1776. Na mudança foi encontrada uma carta escondida num tijolo solto da chaminé da cozinha. Era endereçada ao General Sir William Howe, comandante das tropas inglesas nas vizinhanças de Nova Iorque, e trazia a data de 29 de Julho de 1776. Por razões desconhecidas, o correio Tony, a quem haviam confiado a entrega da mesma, não chegou a tirá-la do esconderijo e a missiva jamais chegou ao seu destino
Os meus ancestrais guardaram-na como souvenir. As sucessivas gerações de Porters ocupavam-se mais do futuro que do passado, de modo que os papéis de família acumularam pó durante todos estes anos.
Eu, porém, sou o último da minha linhagem, solteiro e sem perspectiva de posteridade, de modo que meu interesse focalizou-se cada vez mais na época dos meus antepassados.
Desde a primeira vez que a li, a carta tem-me fascinado e intrigado:

Estimado e respeitado senhor:
Quando esta carta lhe chegar às mãos, o senhor já conhecerá toda a importância das notícias que ela lhe leva. George Washington estará morto e a vil rebelião que ele comanda terá sido, como uma serpente sem cabeça, esmagada, e condenada a morrer ao pôr-do-sol. Eu também estarei morto, porém isso importará a mim e à minha família.
Na qualidade de cozinheiro das forças de George Washington, pude no passado fornecer-lhe informações a respeito dos planos dos rebeldes e das disposições das tropas. Agora estou em condições de prestar à Coroa um serviço de muito maior relevância. O General, homem pouco comunicativo e frequentemente vítima de dores de dentes, em geral faz as refeições sozinho. De uns tempos para cá sofre de um resfriado na cabeça que lhe atingiu seriamente o paladar. Hoje, para o jantar, preparei um guisado de carne de vaca, cebola e batata, e mais um ingrediente que só eu conheço, a polpa vermelha da fruta de uma variedade de beladona.
É uma acção difícil de cometer: sou um homem honrado e jamais fiz mal a outrem, furtiva ou traiçoeiramente. Além disso o General Washington é um líder a quem, numa causa justa, se teria como privilégio acompanhar até as portas do inferno; a sua integridade é lendária; e o seu valor, a sua engenhosidade e firmeza são conhecidos pelo senhor, Sir William. Porém insurgiu-se contra o poder do rei George, o que considero uma traição, e é meu dever como súbdito da Coroa, derrubá-lo com qualquer arma ao meu alcance. Matá-lo-ei lamentando não só a forma da sua morte como o desaparecimento deste grande homem; sei, no entanto, que minha acção é justa, uma vez que a faço por Deus, pelo Rei e pela Pátria.
Mais tarde:
A sorte foi selada! Entreguei a morte do General nas mãos do ordenança que o serve e agora, tendo completado os negócios do Rei, tratarei dos que me dizem respeito. Deixarei esta carta no lugar combinado e como temo a vingança dos renegados sob o comando do General, eu suicidar-me-ei.
Como cozinheiro, tenho uma repugnância especial pela morte por veneno. Sou corpulento demais para me enforcar. Mas graças à minha profissão, sei usar habilmente a faca de trinchar.
E agora, adeus. Entrego a minha mulher e os meus filhos à generosidade do Rei George, e em suas mãos, Sir William, deixo a sorte do meu nome e da minha reputação. Servi-o fielmente.
Com grande e profundo respeito, sou — ou melhor, devo dizer — era, prezado senhor.
Seu muito humilde e obediente servidor.
(assinado) Jas Bailey.

Aqui temos descrito em detalhe o mais importante assassinato desde os tempos de Júlio César. O único erro desta história toda é que jamais se realizou. Sabemos que George Washington viveu vinte e três anos mais, até 1799; não existe anotação alguma nem mesmo de uma tentativa frustrada contra a sua vida em Julho de 1776. No entanto James Bailey suicidou-se, levado pelo remorso e pelo temor de vingança, por um crime que não cometeu.
Confiei a mim mesmo a tarefa de explicar este paradoxo. Quando é que um assassino não é um assassino? A pergunta martela-me o cérebro com o tolo enigma infantil: “Quando é que uma porta não é porta?”
Quando é que um veneno não é um veneno? Uma fruta de polpa escarlate…
Aí estava a chave. Fiz disso o meu ponto de partida.
Finalmente descobri uma planta da família da beladona que tem um fruto vermelho. Na América foi popularmente considerada venenosa até 1825.
Era e é — o tomate.

Sem comentários:

Enviar um comentário