9 de novembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 314

Efemérides 9 de Novembro
Émile Gaboriau (1832 – 1873)
Nasce em Saujon, Charente-Martime, França. É um autor importante na história da ficção policiária. Considerado um dos grandes escritores deste género literário é o criador do primeiro detective francês, Monsieur Lecoq. Este personagem é baseado numa figura real, François Vidoc, já referido no Policiário de Bolso — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA – CALEIDOSCÓPIO 251 (Clicar) . Na bibliografia do escritor destacam-se L'Affaire Lerouge (1866), Le Crime d'Orcival (1866) e La Corde Au Cou (1873). As obras de Gaboriau são editadas em Portugal a partir do final gdo século IXX.
1 - Os Voluntários De 92 (18??), Typ. do Diario Illustrado.
2 - O Desmoronar Do Império (18??), Typ. do Diario Illustrado.
3 – O Processo Leronce (1875), Colecção Bibliotheca Serões Românticos, Lalleman Frères. Título Original: ??
4 – Vida Infernal (1875), Typ. Horas Românticas. Título Original: La Vie Infernale (1870).
5 – A Corda Na Garganta (1876-77), Mattos Moreira. Título Original: La Corde Au Cou (1873).
6 – O Senhor Lecoq : aventuras d'um preso e d'um agente de polícia (1877), Mattos Moreira. Título Original: Monsieur Lecoq (1869).
7 – O Velhinho de Batignolles (1877), Typ. Portuguesa. Título Original: Le Petit Vieux Des Batignolles (1875); publicação póstuma
8 – Os Autos 113 (1882), Nº3 Colecção Grandes Romances Populares, Tipografia Gonçalves. Título Original: Le Dossier 113 (1867).
9 – O Crime Orcival (1982), Nº1 Colecção Obras Primas do Romance Policial e de Aventuras, SOPCUL. Título Original: Le Crime Orcival 113 (1866).
10 – O Agente Lecoq (1982), Nº2 Colecção Obras Primas do Romance Policial e de Aventuras, SOPCUL. Título Original: Monsieur Lecoq (1869).
11 – O Dossier 113 (1982), Nº3 Colecção Obras Primas do Romance Policial e de Aventuras, SOPCUL. Título Original: Le Dossier 113 (1867).
12 – A Corda Na Garganta (1982), Nº4 Colecção Obras Primas do Romance Policial e de Aventuras, SOPCUL. Título Original: La Corde Au Cou (1873).



P. M. Hubbard (1910 - 1980):
Philip Maitland Hubbard nasce em Reading, Berkshire, Inglaterra. Poeta e escritor de short stories publicadas no The Magazine of Fantasy And Science Fiction e no Punch Magazine, publica também 16 romances policiários entre 1963 e 1979. É considerado um autor imaginativo e com um estilo particular


Alan Caillou (1914 - 2006)
Alan Lyle-Smythe nasce em Surrey, Inglaterra. Entre 1936 e 1939 pertence à Palestine Police Force — numa colonia britânica — altura em que aprende a falar árabe, mais uma aptidão que lhe abre a porta para o Intelligence Corps. Na 2ª guerra, em missão no norte de África adopta o apelido Caillou, é capturado por duas vezes e condenado à morte, mas consegue sempre evadir-se mais tarde junta-se aos partisans jugoslavos. Estas experiências estão relatadas no seu livro The World Is Six Feet Square (1954). Muda-se para o Canadá e em 1955 publica o primeiro romance, Rogue's Gambit, sob o pseudónimo Alan Caillou. Torna-se argumentista, actor e director cinematográfico. Autor com uma obra extensa, com contos e 52 thrillers de bolso no com as séries Mike Benasque, Cabot Cain, Colonel Tobin e Ian Quayle. Cria ainda o personagem Josh Dekker sob o pseudónimo Alex Webb. Em Portugal é possível encontrar registo das edições:
1 – Acção Internacional (1967), Nº11 Colecção Um Livro Confidencial, Agência Internacional de Livros e Publicações. Título Original: ??
2 – Marselha (1969), Nº37 Colecção Espionagem, Editora Dêagá. Título Original: Marseilles (1964). É o 2º livro da série Mike Benasque.


TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — PERSONAGENS DE GABORIAU
Por M. Constantino
Publicado em primeira mão em folhetins no Le Pays, em 1863 e designado como “roman judiciaire”, posteriormente em 1866 em Le Soleil, “L'Affaire Lerouge”, de Émile Gaboriau, é por todos os motivos um romance policial.
A rivalidade que, futuramente, será uma constante, entre o polícia oficial e o privado ou amador, tem aqui o seu primeiro esboço: Gévrol, o chefe da polícia, Lecoq, o assistente jovem e imaturo, mas cheio de qualidades e Tabaret, um idoso amador a quem alcunham de Père Tireauclair. Afinal é o amador que resolve o enigma após a polícia ter feito a prisão de um suspeito inocente.
Afirmou-se ser esta obra um romance policial: é-o, de facto; mas não pode o leitor julgá-lo à luz da actualidade, devendo preparar-se para o sentimento inerente ao folhetim.
Lerouge é uma mulher de cinquenta anos, viúva, assassinada em Março de 1862 numa mansão isolada de Bougival. Lecoq é então um jovem agente da Sûreté e, perante as complicações do caso, sugere a Daburon, juiz de instrução criminal, o recurso ao detective amador Tabaret. Não sem a oposição de Gévrol.
Eis o que o autor diz de Gévrol:

A sua perspicácia talvez não fosse muito grande, mas conhecia a fundo aquele ofício, com todos os seus recursos, manhas e artifícios. Por outro lado a prática dera-lhe um aprumo inalterável, uma grandiosa confiança em si próprio e uma espécie de tosca diplomacia que tinha toda a aparência de habilidade. E a essas virtudes e defeitos juntava uma incontestável valentia.
Segurava pela gola do casaco o malfeitor mais temível com a tranquilidade com que um devoto mergulha os dedos numa pia de água-benta.
Era um homem de quarenta e seis anos, robusto, de traços duros, farto bigode e olhinhos cinzentos sob espessas sobrancelhas.
Seu nome era Gévrol, mas quase sempre lhe chamavam General.

Segue-se o retrato de Tabaret, observado quando de uma visita de Lecoq:

Foi para a rua Saint-Lazare, a dois passos da estação, que se encaminharam os dois agentes da Segurança. Entraram numa das mais belas casas do bairro e perguntaram ao porteiro:
— O Sr. Tabaret?
— O proprietário? … Ah! Está doente.
— Coisa de cuidado? — tornou Lecoq já inquieto.
— O patrão leva a vida que leva… As mulheres, isso é bom num certo tempo, mas na idade dele!
Os dois polícias trocaram um olhar surpreendido, e quando voltaram as costas puseram-se a rir. E ainda riam ao bater à porta do apartamento do primeiro andar. A gorda e robusta mocetona que veio abrir disse-lhes que o amo recebia embora se visse constrangido a ficar na cama.
Esse homem, esse proprietário que Lecoq vinha consultar, era célebre na Chefatura pela sua prodigiosa argúcia, a sagacidade levada aos limites do inverosímil.
Tratava-se de um antigo funcionário do Montepio, que até aos quarenta e cinco anos vivera mais do que parcamente dos seus magros vencimentos.
Bruscamente enriquecido por uma herança pedira logo a demissão e como era de esperar logo no dia seguinte pôs-se a suspirar pelo serviço que tanto havia amaldiçoado.
Experimentou distrair-se e tornou-se coleccionador de livros raros, acumulando montanhas de alfarrábios em imensas estantes de carvalho… Baldadas tentativas! Os bocejos persistiam
Emagrecia, amarelava a olhos vistos, definhava junto aos seus quarenta mil francos de renda, quando luziu para ele o raio da estrada de Damasco.
Uma tarde, depois de ter lido as memórias de um célebre inspector da Sûreté, um desses homens de faro subtil, mais finos que a seda, mais flexíveis que o aço, que a justiça lança nas pegadas do crime.
Uma súbita revelação iluminou-lhe o cérebro.
— Também eu! — deve ele ter exclamado — também eu sou polícia!
E era-o, conforme iria provar.
Foi com um interesse febril que a partir desse dia rebuscou todos os documentos relacionados com a investigação. Cartas, memórias, relatórios, panfletos, colecções de jornais judiciários, tudo lhe servia, lia tudo.
Procedia à sua educação.
Verificava-se um crime? Punha-se imediatamente em campo; informava-se, buscava detalhes, iniciava uma pequena investigação por conta própria, contente ou aborrecido confirme o desenlace dava ou não razão às suas previsões.
Mas essas investigações platónicas não lhe bastariam por muito tempo.
Uma irresistível vocação o impelia para a misteriosa potência cuja cabeça assentava no Quai des Orfèvres, e cujo olho invisível estava por toda a parte.
Atormentava-o o desejo de se tornar uma roda daquele maquinismo que a sua especial aptidão lhe mostrava admirável.
Estremecia de júbilo e vaidade à ideia de que poderia vir a ser um dos colaboradores dessa Providência de pés ligeiros, encarregada de confundir o crime e fazer triunfar a virtude.
Cem vezes decidiu solicitar um pequeno emprego e cem vezes foi contido pelo respeito humano, pois enraivecia-o um estúpido preconceito.
— Que irão dizer — pensava ele — quando se vier a saber que eu, burguês de Paris, proprietário e sargento da guarda cívica…sou aquilo?
Mas há destinos que não se podem evitar.
Uma tarde ao escurecer, agarrando a coragem às mãos ambas, foi às escondidas pedir humildemente trabalho na rua de Jerusalém.
Começavam por recebê-lo muito mal. Que diabo! … os pretendentes são numerosos. Mas ele insistiu com tanta habilidade que o encarregaram de vários pequenos assuntos. Saiu-se bem. O mais difícil estava feito.
Um sucesso onde outros tinham falhado, acabou impondo-o. Ele animou-se e pode desenvolver as suas surpreendentes aptidões de agente secreto.
O caso da Sra. B., a esposa do banqueiro, consolidou-lhe a reputação.
Consultado num momento em que a polícia não sabia para onde se virar, provou por A mais B, em dedução matemática por assim dizer, que a excelente dama devia ter-se roubado a si mesma.
Fizeram-se buscas nesse sentido… o homem dissera a verdade.
Depois disso e durante vários anos, foi chamado a dar opinião a respeito de todos os casos obscuros.
Contudo não se pode dizer que fosse empregado da Chefatura. Quem diz emprego diz vencimentos, e nunca esse polícia singular consentiu em receber o soldo. O que fazia era por gosto, pela satisfação de um prazer que se tornara vital, pela glória, pela honra.
Dava caça aos celerados de Paris como outros caçam javalis nos bosques, e achava aquilo muito mais útil, sobretudo mais emocionante.
Mesmo quando os fundos concedidos lhe pareciam insuficientes recorria bravamente à sua bolsa, e nunca os agentes que trabalhavam com ele o deixaram sem levar provas amoedadas da sua munificência.
Um tal carácter devia suscitar-lhe inimizades.
A troco de nada produziu mais e melhor do que dois inspectores, e como trabalhava de graça puseram-lhe o apelido de “Tio Relógio”.
Teimoso como todas as pessoas apaixonadas, o “Tio Relógio” esteve um dia a ponto de fazer cortar o pescoço a um inocente, um pobre trabalhador acusado de ter morto a mulher.
Essa infelicidade arrefeceu o excelente homem, os desgostos que o caso lhe trouxe levaram-no a afastar-se. Só raramente aparecia na Chefatura.
Mas a despeito de tudo permaneceu o oráculo. À maneira dos grandes advogados que, aborrecidos do Tribunal, triunfam ainda nos escritórios, emprestando a outros as armas que já lhes não convém manejar.
Quando na rua de Jerusalém ninguém sabia para onde se virar, dizia-se: “Vamos consultar Tiralimpo!”
Era outro nome de guerra, uma nova alcunha tomada de uma frase que tinha constantemente na boca: “É preciso tirar isso a limpo!”
Talvez essa alcunha o ajudasse a manter o segredo das suas ocupações policiais. Nunca nenhum dos seus amigos o suspeitou sequer.
Ao vê-lo compreendia-se porque nunca uma suspeita dos seus trabalhos policiais aflorara ao espírito dos vizinhos mais próximos.
Era impossível atribuir, não já uma especial sagacidade, mas sequer uma inteligência mediana ao portador daquela fisionomia onde disputavam a burrice e um perpétuo espanto.
Com a curta fronte e as imensas orelhas, o nariz odiosamente arrebitado, os pequeninos olhos e os grossos lábios, o Sr. Tabaret realizava, de modo a desanimar um caricaturista, o tipo acabado do boa-vida idiota.
É verdade que, observando atentamente ficava-se surpreendido pela enorme semelhança com um cão de caça, de que possuía as aptidões e os instintos.
Quando passava pela rua, os garotos atrevidos deviam voltar-se para lhe gritar: “Lá vai o fuinha!”
 O astucioso homem ria daquele desdém, e até achava graça em aumentar as aparências de idiotice, exagerando a ideia de que “não é verdadeiramente esperto quem parece ser”.
— Bom dia, Lecoq, meu rapaz — disse ele-, bom dia, meu velho Absinto. Pelo que vejo ainda se pensa por aí de vez em quando no pobre Tiralimpo.
— Precisamos dos seus conselhos, Sr. Tabaret.
— Ah, ah!
— Caspité! Então o malandro é assim tão forte?
Lecoq suspirou ruidosamente.
— Tão forte — respondeu — que se eu fosse supersticioso diria que se trata do próprio diabo em pessoa.
A fisionomia do excelente homem assumiu uma expressão de cómica inveja.
— Como! … Então vocês descobriram um bandido esperto e ainda se queixam? Mas isso é uma verdadeira sorte! Vejam, meus filhos, nos tempos que correm tudo degenera e se amesquinha. Os grandes malfeitores já não existem, restam-nos apenas os miúdos, um bando de intrujõezinhos e rapineiros vulgares que não valem as solas que se gastam a correr atrás deles. Palavra de honra! E para desanimar um polícia. Não há mais dificuldades, emoções, ânsias, vivas alegrias; acabou-se o belo jogo das escondidas que se tratava dantes entre os malfeitores e os agentes da Segurança. Agora, quando acontece um crime, no dia seguinte o criminoso já esta trancafiado. Toma-se o autocarro para o ir prender ao domicílio… e dá-se com ele. Até faz penal... Mas de que é acusado o vosso detento?
— Ele matou três homens — respondeu o tio Absinto.
— Caramba — exclamou o Sr. Tabaret surpreendido.
Aquele assassino reconciliava-o um tanto com os contemporâneos.

O jovem investigador não era de natureza a engolir, de braços cruzados, a humilhação de uma derrota.
Já ao entrar em casa do tio Tabaret começava a refazer-se das primeiras indecisões. Quando se despediu daquele velho colega t´~ao cheio de experiência estava na posse de toda a coragem, no pleno domínio de todas as faculdades, sentia-se com uma energia capaz de revolver o mundo.

Adianta-se ainda que na medida em que Monsieur Lecoq se vai afirmando como figura central da obra de Gaboriau. Tabaret passa a um segundo plano, todavia, nunca Lecoq deixa de ouvir os seus inteligentes conselhos.
Após “L’ Affaire Lerouge”, Gaboriau escreveu sucessivamente, “Le Dossier nº113” (1867), “Le Crime d’Orcival” (1868) e, por fim, “Monsieur Lecoq”, de 1869, que comentaremos em lugar próprio.


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