CONTO DE TERROR — A ÁRVORE DOS ENFORCADOS
A velha aldeia, hoje pequena vila, espraia-se pela planura. Ao fundo, como que a demarcar a área, uma pequena elevação, onde rei e senhor dominando o povoado do alto do trono, o velho carvalho que dá o nome à vila: Serro dos Enforcados, ainda que oficialmente figure com outro nome.
Nenhum dos habitantes, por mais velhos, tal como ouviram de seus pais e dos pais dos pais, sabe quando da sua plantação ou sementeira — existe porque existe. Um carvalho sem idade. Único. Dominante! Poupado pelo raio que destruiu uma jovem oliveira que se atreveu a nascer à sua sombra, teimando fazer-lhe companhia, parecia protegido pela mãe Natureza ou algo de sobrenatural.
Passar por ali, ainda que por obrigação, já que a estrada que conduzia à localidade mais próxima distava cerca de trezentos metros, ninguém o fazia sem um estremecimento — era a visão imaterial dos enforcados ou, melhor, a árvore dos enforcados. Não sem motivo, rezam as lendas, no dizer do povo, que esta era a árvore e o local escolhido para castigar com pena de enforcamento, ladrões e assassinos que ao longo dos tempos antigos ousavam praticar tais delitos.
Diz-se que, por vezes, quatro ou cinco criaturas de Deus — talvez do diabo, depende do critério — balouçavam nos seus ramos, apodreciam ao sol, assediados pelos corvos no seu negro luto, necrófobos de profissão e gosto, banqueteando-se sôfregos!
Primeiro os olhos, depois o rosto, até que o corpo se separava da cabeça e, sem o apoio da corda, caia no solo seguido do grasnar execrável dos corvos que o acompanhavam prontos a disputá-lo aos esfaimados lobos que espreitavam a sua vez, com assistência de outras aves e pequenos carnívoros, exigindo os últimos despojos de um esqueleto por demais esfandangado até que as formigas completam a limpeza terminal. Nestes ensejos, a velha árvore vivia os seus momentos de êxtase interior e mostrava os seus verdadeiros frutos… tantos mais quanto mais corpos dependurados. Os restos das cordas acabariam por desaparecer: relíquias ou talismãs vendidos a preço de ouro, já que enquanto o mundo existir haverá sempre aventureiros e crédulos.
Hoje em dia já não se enforcam os delinquentes — assassinos e ladrões — em nome da reinserção social ou de um novo estatuto liberalizam-se as leis, sendo os crimes mais afrontosos punidos com penas de prisão, muitas consumadas em “domiciliárias”.
A velha árvore desespera solitária. Nem um suicida, perdidas as ilusões depois das certezas, dos muitos que a povoação ultimamente sofrera, procurara a segurança dos seus ramos. Mesmo Serafim, o vagabundo de mãos e pés leves, aceite pelos pequenos “assaltos”, a um cesto de pão, uma banca de tomate ou laranjas que nas horas vagas, de longe, muito longe, desafiava o poder da árvore, em gestos largos e voz esganiçada, dela se afastara. Também ele trocara o riso fácil da troça pelo semblante fechado da tristura, mágoa profundamente assimilada sobre os ombros esqueléticos, agora curvados pelo desprezo a que parecia votado: as crianças choravam à sua aproximação, os jovens deixaram as brincadeiras, por vezes cruéis, mas que reconhecias amistosas, com ele, os adultos voltavam-lhe as costas.
Entretanto, a árvore mostra-se triste, desprezada. As folhas começaram a amarelecer, aos poucos caiam sem outras que as substituíssem...
Primeiro olhou-se o facto como normalidade, depois com estranheza, por último com apreensão. Até porque, dizia-se, o bruxo local e os seus seguidores profetizavam, com a morte da árvore o fim da população… Não sem sintomas que pareciam justificar o prognóstico: a emigração aumentou assustadoramente, nasciam poucas crianças e os velhos costumavam dar o exemplo de longevidade, inverteram-se subitamente essa tendência. Tudo sustentava a “profecia”, Já havia quem se propusesse para abandonar as residências.
Num dia de sol primaveril, alguém notou um recente renovar da velha árvore. Novas folhas haviam brotado, verdejantes e pareciam cantar batidas pelo vento suave…
Nunca a árvore havia merecido melhor admiração, quiçá, veneração! Nos profundos e obscuros abismos da mente humana, entrou um raio de alívio.
A noite caiu.
Nas trevas profundas, só comparáveis às da própria alma daquele que representava, o vulto que surgiu, lançou a corda antecipadamente preparada para um ramo escolhido, atou-o ao tronco, meteu o pescoço no laço e deixou-se cair.
No alvor do dia seguinte, a velha árvore, arrogante, ostentava mais um despojo: Serafim.
Voltara a mostrar os seus lúgubres frutos!
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