9 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 161

EFEMÉRIDES – Dia 9 de Junho
Patricia Cornwell (1956)
Patricia Carroll Daniels Cornwell nasce em Miami, Florida, EUA. Em 1979 começa a trabalhar como repórter criminal; na década de 80 trabalha no gabinete de Medicina Legal de Virginia e escreve ao mesmo tempo o seu primeiro romance policiário, Postmorten (1990). O livro ganha vários prémios: Edgar, Creasey, Antony, Macavity e o Prix Du Roman D’Aventures. Postmorten inicia a série Kay Scarpetta, médica legista que é uma das personagens principais de 20 livros já editados. A escritora cria também a série Andy Brazil/Judy Hammer, com 3 títulos publicados e a série Win Garano, com 2 títulos. Escreve ainda alguns livros de não-ficção, com destaque para Portrait Of A Killer: Jack The Ripper – Case Close (2002). Patricia Cornwell vende cerca de 100 milhões de cópias dos seus livros, está traduzida em 36 línguas e é vendida em mais de 120 países. Em Portugal a sua obra está a ser editada pela Presença, na excelente Colecção Fio da Navalha e pode ser consultada clicando AQUI.
O livro mais recente Scarpetta (2008), está referido no Policiário de Bolso, em LIVROS (Clicar) .




TEMA — FICÇÃO CIENTÍFICA
BIBLIOTECA ESSENCIAL DE FICÇÃO CIENTÍFICA E FANTASIA(30-32)

Volume 30 — The Dreaming Jewels (1950) de Theodore Sturgeon
Edward Hamilton Waldo (1918-1985), americano, começou a escrever Ficção Científica para as revistas populares com o nome de Theodore Sturgeon com que se notabilizou. Escritor contraditório e fascinante, ambíguo e irregular é, particularmente admirado pelas suas antologias.

The Dreaming Jewels é uma novela de ficção-científica psicológica de elevada qualidade literária e intelectual. Versa o enredo sobre um menino que é surpreendido no campo da escola a entregar-se a actos repugnantes. Enviado para casa dos pais, tem então oito anos e há vários que se entrega a esse vício. Horty, de seu nome, come formigas e é um mutante cujo organismo exige ácido fórmico. Martirizado pelos pais adoptivos, foge e refugia-se num circo onde entre em contacto com uma estranha colecção de cristais que choram e sonham.



The Dreaming Jewels foi também editado com o título The Synthetic Man. Não foi possível encontrar qualquer edição deste livro em Portugal; a edição brasileira foi publicada como O Homem Sintético.

Volume 31 — Cities In Flight (1950) de James Blish

James Benjamin Blish (1921-1975) norte-americano, autor de Ficção Científica que explorou o sentido filosófico das questões, se bem que a sua escrita atinja todos os temas, do género. Citam-se: They Shall Have Stars (1956), também editado com o título Year 2018!; The Triumph Of Time (1958), também editado no Reino Unido com o título A Clash Of Cymbals; The Stars Dwellers (1961), etc.

Cities In Flight é a primeira de um ciclo de cinco novelas. Para esta, um tema invulgar: a provocação de um campo anti-gravidade que permite a cidades inteiras levantar voo. A obra alterna a tecnologia mais clássica — hard Science Fiction — com space opera e especulação cosmográfica.


Volume 32 — Fahrenheit 451 (1951) de Ray Bradbury
(é o 2º livro do escritor incluído na Biblioteca, para ver o outro volume e informações sobre o autor clicar AQUI CALEIDOSCÓPIO 121

Fahrenheit 451 tem suporte anti-utopista. Trata da conhecida situação de um Estado totalitário em que se queimam os livros para apagar os rastros da cultura anterior, enquanto na clandestinidade se memorizam os textos base da cultura dos séculos anteriores. Este último comportamento incomoda e contraria o estatuto legal, eventualmente pode mudar o sistema tão arreigadamente defendido.


Ficha Técnica
Fahrenheit 451
Autor: Ray Bradbury
Tradução: Mário-Henrique Leiria
Ano da Edição: 1956
Editora: Livros do Brasil
Colecção: Argonauta Nº33
Páginas: 182



O escritor Ray Bradbury  morreu no passado dia 5  com 91 anos. Notícia jornal Público (clicar)



TEMA — PEQUENOS GRANDES CONTOS DA LITERATURA UNIVERSAL — O HOMEM LEOPARDO
De Jack London (1876 – 1916)
Tinha um olhar sonhador e distante e com a sua voz triste e insistente, gentil como a de uma moça, parecia a plácida encarnação de uma profunda melancolia. Era o Homem Leopardo, mas não parecia. A sua ocupação, de onde tirava a subsistência, era aparecer numa jaula de leopardos amestrados, diante de grandes assistências, que devia emocionar mediante certas demonstrações de coragem. Os seus patrões recompensavam-no de acordo com as emoções produzidas.
Como disse, ele não parecia o que era. Anémico, de quadris e ombros estreitos, parecia dominado não por uma depressão profunda, mas por uma tristeza suave e delicada, que suportava com suavidade e mansidão. Eu já estava há uma hora tentando tirar alguma coisa dele, mas o homem aparentava carecer de imaginação. Na sua opinião, não havia nenhum romantismo, nem actos de bravura ou qualquer emoção na sua carreira pitoresca. Tudo era uma infinita e cinzenta monotonia.
Leões? Sim, lutava com eles. Não valia nada isso. Era necessário apenas não beber. Qualquer pessoa podia reduzir um leão à imobilidade, batendo-lhe com uma bengala. Uma vez, lutara com um durante meia hora. Bastava bater-lhe no focinho cada vez que ele investia. Quando o animal se tornava manhoso e avançava de cabeça baixa, só era preciso atirar com a perna para a frente. Quando o leão tentava agarrar a perna, recuava-se e batia-se de novo no focinho da fera. Era só.
Com olhar distante e fala macia e fluente, mostrou-me as cicatrizes. Eram muitas. Uma delas, bem recente, mostrava o lugar onde um tigre lhe rasgara o ombro até o osso. Pude ver os rasgões bem remendados no casaco que vestia. O braço direito, do cotovelo para baixo, parecia ter passado por uma debulhadora, tal o estrago feito por dentes e garras. Mas ele afirmava que isso não era nada. Os velhos ferimentos só o incomodavam um pouco no tempo húmido.
De repente, o rosto iluminou-se-lhe ao lembrar-se de alguma coisa; tinha tanta vontade de dar-me uma história quanto eu de consegui-la.
Deve conhecer a história do domador que tinha um inimigo. Não?
Fez uma pausa e olhou pensativamente um leão doente, na jaula em frente.
— Está com dor de dentes — explicou.
— Bem, o número de sensação desse domador era meter a cabeça dentro da boca de um leão. O homem que o odiava assistia a todos os espectáculos do circo, na esperança de ver um dia o leão fechar a boca. Acompanhou o circo por todo o país. Passaram-se os anos, velho, o domador ficou velho, o leão ficou velho. E, afinal, um dia, viu o que tanto havia desejado. O leão fechou a boca e nem houve necessidade de chamar um médico.
O Homem Leopardo olhou para as unhas de um modo que seria crítico se não fosse tão melancólico.
— Ora, isso é que eu chamo paciência, e que é muito a meu jeito. Mas não era o jeito de um camarada que eu conheci, um francês pequeno, magro, anguloso, que engolia espadas e era politiqueiro.
Chamava-se De Ville e tinha uma linda mulher, que era trapezista e costumava pular lá de cima numa rede, virando o corpo no ar do modo mais elegante que se possa imaginar.
Ville tinha um temperamento vivo, tão ligeiro quanto a sua mão, e esta era tão ligeira quanto a pata de um tigre.
Um dia, o director do circo chamou-lhe “gringo” ou de alguma coisa parecida. Ele empurrou-o contra a frágil tábua de pinho que usava no seu número de arremesso de facas tão depressa que o director não teve tempo de pensar, e, ali, diante do público, De Ville aqueceu o ar com as suas facas, cravando-as na tábua em torno do director, tão perto que elas furaram-lhe as roupas e muitas arranharam-lhe a pele.
Os palhaços tiveram que arrancar as facas para que o homem pudesse sair, porque estava verdadeiramente pregado. Daí por diante, todos tomaram cuidado com De Ville e ninguém se atreveu a mostrar mais do que uma reservada cortesia para com a sua mulher. Ela era um pouquinho leviana é verdade, mas toda a gente tinha medo de De Ville.
Havia, porém, um homem, chamado Wallace, que não tinha medo de coisa alguma. Era o domador de leões e tinha também o número de meter a cabeça na boca do leão. Fazia isso com qualquer dos animais do circo, mas preferia “Augusto”, grande leão de bom génio, em que se podia sempre ter confiança. Como eu dizia, Wallace não tinha medo de coisa alguma, viva ou morta. Chamávamos-lhe Rei e isso é o que era. Lembro-me de uma vez em que completamente bêbado entrou, para ganhar uma aposta na jaula de um leão irritado e lutou com ele até ao fim, de mãos vazias dando socos no focinho do animal. Madame De Ville…
Houve um barulho atrás de nós e o Homem Leopardo voltou-se calmamente. Numa jaula dividida ao meio por uma grade, um macaco que metera a mão entre os barrotes fora agarrado por um grande lobo cinzento que procurava arrancar à força o braço do macaco que parecia esticar-se, cada vez mais, como se fosse de elástico.
Os companheiros do infortunado macaco faziam um barulho infernal. Não havia nenhum guarda perto e, por isso, Homem Leopardo deu alguns passos à frente, deu um golpe firme no focinho do lobo com a bengala e voltou, com um sorriso triste de desculpas, para retomar a sentença inacabada, como se não tivesse havido interrupção.
… olhava muito para Wallace este para ela, enquanto De Ville fechava os olhos. Demos conselhos a Wallace, mas não adiantou. Troçou de nós, como troçou de De Ville no dia em que empurrou a cabeça do francês para um balde de cola, porque queria brigar. De Ville ficou miseravelmente sujo, mas conservou-se frio como um pedaço de gelo e não fez ameaças. Entretanto, vi-lhe nos olhos um brilho que vira muitas vezes nos olhos das feras. Saí dali para dar um conselho a Wallace. Ele riu mas depois disso, deixou de olhar tanto para Madame De Ville.
Passaram-se muitos meses. Nada aconteceu e comecei a pensar que os meus receios eram infundados. Estávamos no Oeste naquela época, a dar espectáculos em San Francisco. Uma noite, com o circo cheio de mulheres e crianças, saí à procura de Red Denny, o encarregado de toldos, que me pedira um canivete. Passando por uma das barracas, olhei por um buraco da lona para ver Se descobria Denny. Não estava ali, mas vi Wallace vestido e à espera da hora do seu número, na jaula dos leões.
Wallace apreciava, divertindo -se muito, uma discussão acalorada entre dois trapezistas. A barraca estava cheia de gente, que também apreciava a discussão, à excepção de De Ville, que olhava para Wallace com indisfarçável ódio. Wallace e os outros estavam demasiado ocupados a seguir a discussão e não prestavam atenção a esse olhar nem ao que aconteceu em seguida.
Eu, porém, vi tudo, através do buraco na lona. De Ville tirou o lenço do bolso, fez menção de enxugar o suor do rosto, pois fazia calor e, ao mesmo tempo, passou perto de Wallace, pelas costas. Não parou. Sacudiu o lenço e seguiu até à porta, de onde olhou rapidamente para trás. Esse olhar imediatamente me alarmou, porque vi nele não somente ódio, mas também triunfo.
De Ville precisa ser vigiado, foi o que pensei. Na verdade, suspirei de alívio quando o vi sair do circo e apanhar o eléctrico para a cidade. Pouco depois, entrei no circo, onde finalmente encontrei Red Denny.
Wallace fazia o seu número, emocionando o público. Estava particularmente inquieto e irritou os leões até que todos começaram a rugir, isto é, todos, menos o velho “Augusto”, que estava muito gordo, velho e indolente para irritar-se com alguma coisa.
Afinal, Wallace bateu com o chicote nos joelhos do velho leão, fazendo-o tomar posição. O velho “Augusto” piscando os olhos, abriu a boca e Wallace meteu a cabeça. Então, as mandíbulas do leão aproximaram-se e fecharam-se
O Homem Leopardo sorriu maliciosamente e o olhar distante desapareceu do seu rosto.
— E este foi o fim de Wallace — disse ele, com a sua voz triste e lenta.
— Depois que da confusão serenar um pouco, aproveitei e fui cheirar a cabeça de Wallace. E, aí, dei um espirro.
— Era… era? — perguntei ansiosamente.
— Rapé. De Ville tinha-o colocado na cabeça de Wallace, na barraca. O velho “Augusto” não tivera intenção de fazer aquilo. Espirrara.



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