EFEMÉRIDES – Dia 28 de Junho
Eric Ambler (1909 – 1998)
Eric Clifford Ambler nasce em Londres. Começa por trabalhar numa firma de engenharia e numa agência de publicidade. Escreve nos tempos livres e ambiciona ser dramaturgo. Publica o primeiro livro em 1936 e com o sucesso alcançado dedica-se apenas à escrita. Durante a 2ª guerra mundial é destacado para a Unidade de Cinema do Exercito americano onde escreve e realiza filmes de instrução e propaganda. Em 1957 vai para Hollywood e durante 11 anos trabalha como argumentista e produtor de cinema e televisão; no cinema destacam-se os filmes A Night To Remember e The Cruel Sea — uma adaptação do romance de Nicholas Monsarrat: na televisão cria a série Checkmate exibida entre 1960 e 1962; em paralelo escreve romances policiários. Na década de 60 Eric Ambler opta por regressar à Europa e vive na Suíça e depois fixa-se em Londres e após 60 anos de carreira literária, tem publicados várias short stories e 19 romances, muitos dos quais são hoje considerados clássico e uma referência na literatura policiária. O escritor recebe em 1959 da Mystery Crime Writers Association Gold Dagger Award com Passage Of Arms; recebe também, em 1964, o Edgar Award – Best Novel com The Light Of The Day e em 1987 o Edgar Award – Best Biographical Work pela sua autobiografia Here Lies An Autobiography (1985). O autor é ainda galardoado com o título máximo The Grand Master em 1975.
Eric Ambler esta incluído no Dicionário de Autores Contemporâneos da Narrativa de Espionagem no CALEIDOSCÓPIO 136 (clicar) onde pode ser consultada a sua bibliografia.
TEMA — PSICOLOGIA CRIMINAL — O DRAMA DE UM EPILÉPTICO
Trinta Anos Sem Paisagem, romance de Guilherme de Figueiredo, surpreende-se uma das ameaças epilépticas na pessoa de um jurado que, sensualista, procura estabelecer contacto de seu corpo com o de uma jovem doutora chamada igualmente a funcionar no tribunal popular, a qual o adverte ostensivamente de sua ousadia. O autor fixa, então, com perícia, uma aura sensitiva de Pompilio, seguida de manifestações típicas de seu estado patológico:
O olho de Pompilio, um olho só, começou a tremer, tal água em que se atira uma pedrinha. Uma ondulação vaga, fugidia, como se alguém passasse os dedos diante de seu rosto, velozmente. Quis repelir, segurou o corrimão de madeira, apertou-o, espremeu-o. As unhas brunidas tornaram-se lívidas. As mãos, também, de onde fugia o sangue. E “aquilo” diante do olho balouçando, como um galho de árvore, fora de foco. Um galho seco, de folhinhas avermelhadas. O esforço de contenção entumecia-lhe os músculos, empedernia-os. Ali, não. Já, não. Impossível. Aquilo viria, era fatal. Pensou em rezar, e a imagem de Irmã Margarida passou-lhe pela mente. Brotava-lhe o suor na testa, no corpo, nas pernas. Os joelhos sacudiam-se, e ele apoiou depressa os dois pés no chão, porque assim tudo melhorava. Ela é que foi culpada. Por que o insultara? Por que o enraivecera? A perna direita envolveu-se numa dormência ao mesmo tempo dolorosa e hilariante, de uma graça que lhe vinha de dentro e ele lutava para reprimir. Uma graça estúpida… a dança, diante do olho… Na perna dormente bateu-lhe de súbito uma brisa fria, que ficou acariciando-a, sempre no mesmo lugar. Ele temia que viesse ali. Não sabia se demorava, e envergonhava-se. Ali, não. Teriam pena dele, sobretudo…
É notável a evolução da aura visual nesta página de Trinta Anos Sem Paisagem.
Ali, no olho esquerdo, uma chamazinha. Ora descia, ora subia, ora se contorcia. Agora, agora, mais suave, pequenininha. E de repente — agora, agora! — cresceu, cresceu, tomou todo o campo visual, como um incêndio, uma imensa chaga vermelha por cima de tudo… À roda dela Pompilio distinguia uma porção de balõezinhos como bolhas de água no ar, gravitando… E depois a estrelinha. Rodava um pouco o rosto, e ela acompanhava-o, como uma obsessão hipnótica…
Assim, entre ameaças de um paroxismo, o mísero jurado, com a consciência do mal que se aproxima, sofre e concentra todas as energias que lhe restam da vontade para frustrar o acesso máximo e furtar-se à vergonha de cair em convulsões em pleno Tribunal, à vista de todos.
TEMA — NA PELE DE JACK O ESTRIPADOR — A POESIA DO CRIME
de M. Constantino
Quisera ser médico, como o foram meu pai, meu avó, meu tio. Cirurgião, para melhor dizer.
Quisera ser poeta.Talvez um poeta-médico ou médico-poeta. Um Deus-homem, que dá vida e mata.
Porque não?
Não é que o dedicado curador, o ajuramentado amante da humanidade, golpeia, retalha, rasga, separa e segmenta a carne do seu semelhante? Verte e derrama, suga qual vampiro, o sangue vital da existência, para servir a própria existência?
Que importa? Num mundo de vítimas os matadores são os heróis, os verdadeiros príncipes da fama. Os que tomam as páginas dos jornais, livros de ouro, as paredes marmóreas, as figuras brônzeas dos monumentos.
Atila, Agripina, Bórgia, Brutus, Caim, Cláudio, etc.,etc., num infindável rol de A a Z.
O soldado a quem fornecem uma farda, uma arma, uma ordem: mata! — Mãos tintas de sangue — aguarda-o a filarmónica local; o cobarde que atirou a bomba para a multidão inocente tem fotografia nos jornais.
Oh, não! Eu não mato porque me ordenam. Não tenho causa a defender, alguém a vingar. Não mato por dinheiro ou fome, honra, cobardia ou coragem, desajustamento ou hipocrisia. Não há impulso ou paixão… mato em nome próprio e por gozo.
Sou fiel à minha natureza. Acredito no elementar, livre, poder de matar!
Testemunham-no as ruas húmidas e sujas de East End, o norte de Whitechapel e o Bairro de Spitalfields — Buck's Row, Hanbury Street, Berner Street e Miller’s Court. O nevoeiro impenetrável, tabernas, bordéis e tugúrios, mendigos e estrangeiros, sórdidas prostitutas que saem dos portais escuros e oferecem o corpo num sorriso desdentado e ar de abandono.
Penetro na noite negra.
Na mente um desígnio, protegido pela máscara do rosto, que reage como se quer que reaja.
Respiro profundamente, boca húmida de prazer antecipado.
Uma prostituta detém-se, convidativa, junto do muro molhado de um edifício.
Aproximo-me.
Em silêncio dou-lhe uma moeda de ouro.
A meretriz vendia o corpo, eu adquiro uma vida.
… puxo pelos cabelos da mulher obrigando-a a dobrar a cabeça para trás, executo um traço largo com o bisturi, e de um só golpe, talho a garganta de orelha a orelha.
Solto um suspiro de alívio.
Sobre o empedrado lamacento despedaço o corpo; com velocidade e perícia secciono as vísceras da fulana.
Contemplo cuidadosamente a admirável obra executada.
Um momento de inesquecível gozo.
A poesia do crime!
Mary-Anne, Elizabeth, Catherine e Mary Jane…
O clamor público, nos esforços da Scotland Yard, a quem endereço desafios e troféus, fazem-me feliz durante muito tempo...
Não voltei a Whitechapel.
O certo é que estou extremamente enfermo. São constantes as dores de cabeça.
Limitado ao cubículo deplorável, que é o meu quarto de advogado sem clientela, e que mais se assemelha a uma estreita cela, ainda que sem grades, sou um homem agonizante. Mal resisto ao esmagador rumor, impaciente, violento e furioso, contra as paredes do cérebro.
Dificilmente me imagino o homem-Deus, o Deus-homem, o poeta da morte e do crime.
Ah! Mas o meu poder é força!
Farei uma última vítima.
Subitamente todas as dores se dissiparam.
Lutando como um demente contra a terrível fraqueza, consigo sair.
Dirijo-me para as margens do Tamisa.
Encho os bolsos de pedras e atiro-me ao rio.
Afundo-me lentamente… lentamente…
O poeta do crime escreve o seu derradeiro e mais belo poema!
Desço… desço…
Ao longo do percurso, qual guarda de honra, uma multidão informe, rostos avermelhados de pequenos chifres nas testas amplas, saúda-me num vozear ensurdecedor e crescente de reconhecimento… Jack… Jack… Jack… o Estripador.
No termo da longa fila, um anjo negro segura uma coroa de louros ardentes, com que me vai coroar…
Chamas vermelhas rodeiam o perfil do trono que me é destinado, onde, em letras rubras se destaca um nome:
“MONTAGUE JOHN DRUITT”
Sem comentários:
Enviar um comentário