6 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 158

EFEMÉRIDES – Dia 6 de Junho
Helen McCloy (1904 - 1994)
Helen Worrell Clarkson McCloy nasce em Nova Iorque. Em 1923 estuda em França e até 1932, ano em que regressa aos EUA, trabalha para vários jornais e revistas célebres da época. Na década de 30 começa a escrever e publica, em 1938, o primeiro romance policiário, Design For Dying, também editado com o título Dance Of Death, com que inicia a série Dr Basil Willing, um psiquiatra detective, com 13 títulos publicados até 1980; em Agosto de 2003 é lançado postumamente The Pleasant Assassin and Other Cases of Dr. Basil Willing, uma colectânea de short stories. A escritora publica mais 16 livros fora desta série, sendo um de contos. Escreve ainda como Helen Clarkson The Last Day em 1959. É a primeira mulher a ser eleita presidente da Mystery Writers Of America. Em 1954 recebe o Edgar Outstanding Mystery Criticism, em 1980 recebe o Nero Award com Burn This, o último livro da série Basil Willing. E escritora é ainda distinguida em 1990 com o título Grand Master da Mystery Writers Of America.



 
TEMA — MEDICINA FORENSE — ASSASSÍNIO POR ENVENENAMENTO
Depoimento de Sir Sidney Smith professor de Medicina Legal da Universidade de Edimburgo.
O assassínio por envenenamento era muito comum no Egipto, mas não se revestia da subtileza pitoresca que os novelistas e historiadores nos ensinaram a associar com o Oriente. Na realidade, a maioria dos casos era extremamente imperfeita. Como em todos os outros países, o veneno mais popular era o arsénico, o mais fácil quer de ministrar quer de detectar.
Servi de testemunha da Coroa em muitas centenas de casos de envenenamento por arsénico, mas nenhum deles foi suficientemente interessante para merecer ser citado aqui. Os relatórios do meu departamento eram aceites por ambas as partes e nunca houve qualquer dificuldade em provar a culpa do acusado e as coisas que acontecem todos os dias tornam-se vulgares.
Porém, há sempre uma excepção e houve um caso de envenenamento por arsénico que foi peculiarmente memorável. Um homem de meia-idade chegou ao Cairo, vindo da sua terra, na província, muito doente e morreu pouco tempo depois de ter chegado. Tinha todos os sintomas e sinais de acentuado envenenamento por arsénico, incluindo vómitos e diarreia. Eu próprio procedi ao exame post-mortem, concluindo que se tratava de outro caso de arsénico e provei-o através de testes químicos a que submeti o conteúdo do estômago. Enviei, como habitualmente, os meus achados analíticos para o Parquet. Naquela altura, eu ignorava que o Departamento da Saúde decidira tratar-se de um caso de cólera e dera ordens para que não se tocasse no corpo.
A cólera é uma doença altamente temida no Oriente e tomam-se as mais rigorosas precauções para reduzir o perigo de infecção. Não é permitido qualquer exame da vítima, post-mortem. O Departamento da Saúde ficou, por isso, muito contrariado ao saber que se efectuara uma autópsia e que eu declarara que a morte fora devida não à cólera, mas a um envenenamento por arsénico.
Como declarara tratar-se de cólera, o Departamento recusou-se a considera possibilidade de erro. Fui abordado por um funcionário iradíssimo que me ameaçou com horríveis consequências porque, dizia ele, “além desse homem, vários membros da sua família morreram igualmente de cólera”. Acrescentou que o Departamento já isolara a casa e a aldeia onde viviam e tomara todas as precauções necessárias, sempre que se manifestava um caso de cólera.
Eu tinha a certeza quanto à causa da morte e o facto de os outros membros da família terem morrido com os mesmos sintomas que o tal homem em nada contribuiu para que eu admitisse que o Departamento da Saúde tivesse razão. Pelo contrário, como encontrara arsénico no corpo que examinara, fiquei quase certo de que a mulher, a filha e o filho mais velho teriam morrido da mesma causa, pelo que nos encontraríamos perante um caso de assassínio colectivo.
Consequentemente, obtive autorização para exumar todos os corpos e verifiquei, como esperara, que o arsénico fora a causa da morte de todos eles. Provou-se que o assassino fora o filho mais novo, que ficara desiludido com a recusa do pai em consentir no seu casamento, e fizera uma limpeza geral em toda a família.



TEMA — TESTE DE INTELIGÊNCIA — TRABALHAR SEM RECLAMAR
Falta planificação política para relançar o desempenho — diz-se. O problema é sempre o mesmo: não há falta de trabalho, a falta é de dinheiro para pagar o trabalho. Todavia há pessoas com sorte… um confeiteiro, — chamemos-lhe assim visto que dirige uma empresa de doce bem popular e saudável — tem uma força de milhares de trabalhadores que
a)    Não estão afectos a qualquer sindicato, não fazem greve
b)    São diligentes, trabalham 24 horas por dia;
c)    Não têm férias, não gozam feriados, por tal não fazem pontes;
d)    Não recebem qualquer pagamento diário, semanal, mensal ou anual, para além da alimentação e alojamento;
e)    Não reivindicam melhores condições de trabalho;
f)     Todos os anos são despedidos, sem direito a indemnização, entrando nova força de trabalhadores cada ano.
Em suma uma “maravilha”!
Veja se consegue deduzir qual o trabalho e trabalhadores.
A nossa solução será publicada oportunamente, agora +é a vez de testar o seu intelecto.


TEMA — CONTO — O SACO DE AREIA
De Victor Dimas
Este conto foi escrito, bem escrito, pelo menos há 35 amos pelo tão bom amigo como jornalista e contista — hesitamos na ordem, se é que existiu.
Faleceu em 1988 com escassos 40 anos de idade, uma perda real. Deixou-nos em fase de correcção uma mão cheia de contos que dariam um bom livro.
Enquanto tivermos “obra” não descansamos a publicidade, ainda que saudosa, que merece.
M. Constantino (Junho 2012)

O guarda encostou-se à barreira pintada com faixas brancas e vermelhas. Tirou um cigarro do bolso da farda e acendeu-o com a mão a proteger.
— Raio de tempo! — praguejou — Já reparaste que este frio amansava com uma pinga de água?
O outro encolheu os ombros.
— Ora, era o mesmo. Estamos no inverno, não estamos? Com chuva ou não, é tempo dele. — E fechou-se num mutismo pensativo.
As águas revoltas do Caia, para lá do monte amarelento, turbilhonavam em raiva de espumas íntimas. O guarda da fronteira foi chupando o cigarro enquanto as botas faziam um ruído alternado no asfalto da estrada.
Ao longe, na curva orlada de oliveiras encolhidas, apareceu então um movimento ligeiro, o que era pouco menos que insólito, no inverno.
— Lá vem o rapaz outra vez! Desconfio que anda a fazer-nos o ninho atrás da orelha… Olá, se anda!
— Hum… talvez ande a namoriscar alguma espanhola. A gente é que só vê contrabandistas em toda a parte. — E o outro guarda remeteu-se à sua indiferença filosófica, com o cotovelo apoiado na barreira listada.
O rapaz, de uns dezassete anos espigadotes e morenos, aproximava-se montado numa velha bicicleta. Atrás, no suporte de cromos roídos, um pequeno saco de serapilheira fazia chocalhar o guarda-lama enferrujado.
— Boa tarde! Hoje só levo um livrito de mulheres nuas…
— Outra vez tu? Que diabo te deu, para viajares com um frio destes? Salta, salta e deixa ver o saco.
O rapaz acedeu com um sorriso irónico.
— O costume,’stá visto! Há alguma lei que proíba a gente de mudar areia do Caia para a banda, de lá?
— Não armes em espertinho. E no meio da areia? Hein? — resmungava o guarda, a desatar o cordel.
— Veja, ora. Mas há-de voltar a enchê-lo, ouviu'? — apontava o saquito, piscando o olho gaiato para o outro guarda. Este resolveu-se:
— Bem… o passaporte, pá. — E foi-se a pôr-lhe o carimbo.
Já a bicicleta se perdia em terras estremenhas. Os dois guardas entreolharam-se e o mais cuidadoso falou:
— Cheira-me a esturro. Nada. Nunca leva nada dentro do saco, a não ser areia. O costume… Ouve lá: e se o garoto anda a gozar-nos? Há uma data de semanas que atravessa a fronteira, duas ou três vezes em cada uma, sempre com a maldita sacola cheia de areia. Raios o partam!
— Quero lá saber. Desde que não passe contrabando, ‘tá certo. Ele tem passaporte, portanto… — e ficou-se a bater os pés, com a gola do casacão repuxada às orelhas.
A tardinha, quando o sol engelhado se encolhia outra vez além da curva estreita do horizonte, o rapazelho regressava, com o farolim da máquina a riscar de traços anémicos os troncos caiados das oliveiras da berma. Passou pelo posto fronteiriço e durante a revista da ordem, foi assobiando para as mãos violáceas uma baforada de fumo.
— É uma porcaria, este tabaco! — E franziu o sobrolho depreciativamente.
— Se eu fosse teu pai… arrancava-te uma orelha por cada cigarro! — resmungou o guarda bilioso com a mão aberta a agitar o fumo.
— Ainda fumava dois, vá lá! — O rapaz foi saindo, com um risinho velhaco a seguir o “boa-noite”.
Pedalou com as faces molhadas de lágrimas que o vento, ajudado pela corrida, lhe arrancava dos olhos. Chegou à vila já noite caída. Abriu com um pontapé de través o portão do quintal e insultou, entre dentes, o cachorro que lhe gania às canelas.
— És tu, Xico? — a voz grossa do pai saiu da cozinha, enquanto uma cobra de luz batia nos aros da bicicleta, que rebrilhavam.
— … eu, pai. Tudo fixe.
O homem aproximou-se e acariciou o guiador da bicicleta. Bateu no assento de cabedal forte, que fez tilintar as molas grossas e firmes. Apreciou-a toda, minucioso e entendido, à luz do candeeiro de petróleo que o rapaz já segurava.
— Belo, belo! — sorriu o homem. — Amanhã o Carlos das bicicletas vai ter mais uma para vender. Nova, novinha em folha, já se vê… — E deu uma palmada amigável cúmplice no pescoço do rapazola, que já se abalava ao conchego da lareira crepitante, a sorrir velhacamente.

Fonte: Urban Sketchers




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