23 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 175

EFEMÉRIDES – Dia 23 de Junho
Jean-Pierre Croquet (1948 – 1959)
Nasce em Saint-Quentin, Picardie, França. Professor de Literatura Moderna, argumentista de Banda Desenhada e escritor policiário, é particularmente reconhecido pelo seu trabalho como antologista de narrativa de mistério e de fantástico. Entre 1989 e 2003 publica 12 livros de antologias; o primeiro, Noël rouge antecipa a preferência do autor pelo tema do Natal, presente em 6 destas antologias. Jean-Pierre Croquet, especialista em Sherlock Holmes, escreve o argumento para 5 livros de BD com desenhos de Benoît Bonte, um dos quais rebe o prémio Prix Groom et Quincaillier.




TEMA — BIBLIOTECA ESSENCIAL DE FICÇÃO CIENTÍFICA E FANTASIA (34-35)



Volume 34 — A Case of Conscience (1952) de James Blish
(é o 2º livro do escritor incluído na Biblioteca, para ver o primeiro volume e informações sobre o autor clicar AQUI) CALEIDOSCÓPIO 161


É a obra mais notável de Blish, consagrada em 1959 com o prémio Hugo. Insere-se na temática da filosofia e religião sem esquecer, de certa forma, as ciências físicas.
Um planeta ideal — Litinia — um verdadeiro jardim do Éden, onde não se adora Deus mas o mal é desconhecido; uma comissão de jesuítas é ali enviada para estudar se o mundo é obra do Diabo. A heresia aparece no horizonte quando se conclui que a criação não é, necessariamente, obra divina.
O dilema põe-se: destruir Litinia.
 
Ficha Técnica
Um Caso de Consciência
Autor: James Blish
Tradução: Carlos Oliveira
Ano da Edição/reedição: 1990
Editora: Europress
Colecção: Bolso Noite
Páginas: 224



Volume 35 — The Demolished Man (1952) de Alfred Bester


Alfred Bester (1915-1987), escritor de Ficção Científica norte-americano foi considerado um dos gigantes deste género de literatura. Obras como The Demolished Man (1953); The Stars My Destination (1956) — também editado com o título Tiger, Tiger — e Computer Connection (1975), também editado com o título Extro, são marcos dificilmente ultrapassáveis. Afirma-se comummente que Bester era tão escasso em número de obras como abundante qualidade.


The Demolished Man é o primeiro grande texto de autor e inaugurou a atribuição do Prémio Hugo, que lhe foi concedido em 1953. É uma história que tanto se enquadra no policiário, fartas vezes incluído em colecções do gênero, como na Ficção Científica, e narra a história de um crime impossível. Uma narração sofisticada conduzida com mestria, dentro dos mais puros cânones do suspense. Situada numa sociedade do futuro em que os polícias estão providos de poderes telepáticos, o que lhes permite prender qualquer assassino minutos depois do crime; mas há um homem que consegue enganar os sondadores telepatas, desenrolando-se, então, um alucinante combate mental.






Ficha Técnica
O Homem Demolido
Autor: Alfred Bester
Tradução: Carlos Vieira
Ano da Edição: 1960
Editora: Livros do Brasil
Colecção: Argonauta Nº35
Páginas: 254






TEMA — CONTO POLICIÁRIO — A CAUSA PERDIDA
De Lima Rodrigues
Tenho um amigo advogado. A verdade, melhor dizendo, é que tenho vários amigos advogados. Ora, um desses meus amigos advogados é, desde a infância, um grande entusiasta da literatura e problemística policial. E, dentro desse seu entusiasmo, não é de estranhar, pois, o facto de na vida real e exercendo a profissão que exerce, que tenha a tendência de defender as suas causas — sempre que o assunto a isso se presta, bem entendido — não só racionalmente como também fazer acompanhar as suas iniciativas por esquemas ou puzzles que transporta para as salas de audiência onde cria um clima tipo de Perry Mason, o célebre advogado da -ficção policiária.
É deste meu amigo, pois, a história que vou contar.
Um dia, foi procurado no seu escritório por um indivíduo que levava para ele uma recomendação de um amigo comum, pedindo-lhe o favor de defender a causa que lhe seria exposta de viva voz pelo portador, o qual era, por sua vez, o réu do processo que havia que contestar.
A acusação, nas suas linhas gerais, era a de chantagem, com a agravante, segundo essa mesma acusação, do réu ler sido apanhado em flagrante a receber da vítima — uma senhora de certa posição na sociedade lisboeta — um envelope com dinheiro na quantia exacta que lhe havia sido pedida e de que, antecipadamente, dera conhecimento às autoridades, que então prepararam minuciosamente o cenário para o flagrante delito, numa pastelaria da Baixa.
Ainda e segundo a acusação, fora o agente da Polícia Judiciária, de nome Catarino, quem testemunhara esse acto, sentado a uma mesa defronte para o acusado e na enfiada de mesas colocadas em linha recta de um dos lados da sala principal da pastelaria, mas paralela à correnteza de mesas onde estava o pretenso chantagista.
Este pormenor e o facto do estabelecimento em questão se encontrar quase sempre repleto de frequentadores, logo despertou no meu amigo um grande interesse, pois lhe pareceu que seria quase impossível que alguém sentado numa extremidade da sala pudesse ver fosse o que fosse que se passasse na mesa do extremo oposto, para mais sendo ponto assente que as mesas intermédias estavam por igual ocupadas.
Certo da confirmação prática desta teoria, o meu amigo fez dela o pormenor chave da defesa do seu cliente.
Levado pelo seu afã e entusiasmo, foi com o réu à pastelaria onde se dera o acontecimento, tendo-se munido antes com algum material essencial para o levantamento do local e fazendo-se acompanhar por um colaborador especialista na execução de maquetas.
Tudo foi então estudado, apreciado ao pormenor e, dois dias depois, maqueta, à escala considerada adequada, estava pronta.
Fizeram-se então ensaios prevendo-se todas as hipóteses de ocupação das mesas, todos os ângulos possíveis de visão. O teatro estava montado, os artistas ensaiados. O espectáculo podia começar.
E assim foi.
No dia da audiência a maqueta foi transportada e estava apta a entrar em cena quando o meu amigo entendesse oportuno.
E assim aconteceu.
Perante um Juiz entre curioso e perplexo, diante de um público interessado e ávido de sensações, a maqueta foi apresentada.
Com toda a eloquência e fluência de palavras que lhe é peculiar, o advogado fez a defesa do seu cliente, provando por A mais B a impossibilidade do agente Catarino poder ter visto o acusado receber o sobrescrito com o dinheiro. O esquema ali posto em escala, não podia sofrer qualquer contestação. O Juiz, o acusador público e a assistência, assim o compreenderam. A acusação estava por terra; o réu, ilibado. O meu amigo, eufórico; o seu cliente, aliviado. Um murmúrio geral enchia a sala e o Juiz teve necessidade de bater com o martelo chamando à ordem.
Então, quando se fez silêncio, ouviu-se a voz do advogado de acusação:
— Dá-me licença, senhor Doutor Juiz?
O interpelado baixou a cabeça vendo por cima dos óculos suspensos no nariz.
— Faça favor… — convidou.
— Saiba V Exa. que se encontra presente nesta sala o agente da Polícia Judiciária Sr. Catarino, cujo depoimento é fundamental neste processo. O meu ilustre colega da defesa tentou demonstrar a impossibilidade de visão, por parte do agente Catarino, da entrega do envelope com dinheiro ao réu, conforme consta no processo, pondo assim em causa as suas declarações. Peço, pois, a V Exa. autorização para chamar a depor o referido agente Sr. Catarino, ao mesmo tempo que terei o enorme prazer de o apresentar ao meu ilustre colega da defesa. — Teve um sorriso impregnado de ironia.
— Seja. Que se apresente então o agente Sr. Catarino.
E ele apresentou-se.
Depois de identificado, a acusação prosseguiu.
— O Sr. agente quer fazer o favor de expôr o que tem para nos dizer? Creio não haver necessidade de eu lhe fazer perguntas, não é verdade?
— Assim o suponho — respondeu Catarino.
— Queira então fazer o favor…
O agente sorriu com ar bonacheirão e começou a falar.
— Chamo a atenção de Vossa Excelência para um pormenor que creio fundamental… da maior importância. Estou até convencido de que será decisivo.
— Diga, se faz favor — pronunciou o Juiz.
— Como Vossa Excelência ouviu e viu, a explicação da defesa, consumada através da maqueta aqui presente, foi feita tendo por base a impossibilidade de visão da minha parte do outro extremo da sala, onde estavam sentados o réu e a vítima, isto porque entre nós, para além das próprias mesas, havia o factor humano aqui representado por alguns clientes que se interpunham, tapando-me a visão dos acontecimentos — fez uma pausa.
— Sim. Prossiga, por favor.
— Acontece, senhor Doutor Juiz, que o factor humano, mais propriamente as pessoas aqui referenciadas, são… eram pessoas normais, senhor Doutor Juiz.
— Normais!? — estranhou o magistrado.
— Sim, senhor Doutor Juiz: normais, normais,  de altura, quero dizer — finalizou.
— Quer fazer o favor de se explicar melhor, senhor agente?
— Sim, com certeza, Excelência. — E logo em seguida prosseguiu. — Quer Vossa Excelência reparar, por favor, na minha estatura? — fez uma curta pausa, olhou o seu interlocutor; depois, a sala. E continuou. — Como Vossa Excelência vê, eu não sou, nem posso ser, considerado uma pessoa normal… de altura. É que eu meço dois metros e dez, Excelência… Não estou, de facto, muito acima da média… normal de qualquer pessoa? — concluiu olhando directamente para o meu amigo e para o acusado.
— Sim… Estou a ver — concordou o Juiz.
— Alguém nesta sala poderá ter ainda qualquer dúvida de que vi realmente o que consta dos autos e do meu depoimento? — ironizou.
Pela primeira vez na vida vi este advogado e amigo abatido, desmoralizado. Estava consciente de que esta causa — contrariamente a tantas outras — era a sua causa perdida.



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