3 de julho de 2012

SOLUÇÃO - CRIPTOGRAFIA

SOLUÇÃO — ENIGMA PRÁTICO DE CRIPTOGRAFIA — O SENHOR FICTÍCIO VOLTA À LIÇA

E pronto, amigos, vamos a ver até que ponto serviram as observações iniciais deste capítulo. Encontraram a solução?
Se não… façam mais um pequeno esforço. Ei-la, como uma continuação do problema, ficam assim com a leitura de um conto completo.

O Doutor Hipócrates voltava à carga:
— Mas como raio é que você deduziu que as duas manchas de sangue não eram da mesma pessoa?
— Meu caro Doutor, esse pequeno pormenor é como que a cúpula do edifício de deduções que tenho estado a construir. E sempre lhe digo que ele vem esclarecer-me certas dúvidas, ao mesmo tempo que explica o procedimento algo estranho do assassino.
— Venha de lá a história!
— Ora muito bem! Lembra-se decerto que quando nos dirigimos para o local do crime, havia nesse mesmo sentido duas espécies de pegadas. Isto quer dizer que ninguém veio de lá para cá desde que a maré começou a baixar e que apenas duas pessoas tinham ido para os lados do farol…
— Desculpe-me a interrupção. Não poderia alguém, o hipotético desconhecido, por exemplo, fazer o caminho nos dois sentidos por dentro de água, de modo a que não ficassem visíveis os sinais das suas pegadas?
— A sua dúvida tem razão de ser, Mas nesse caso deveriam notar-se esses sinais desde a água ao corpo e vice-versa, o que não aconteceu. Portanto, podemos fixar-nos na afirmação de que só duas pessoas antes de nós fizeram o caminho da praia para o farol, desde que a maré começou a baixar: o assassino e a vítima. Do mesmo modo seria impraticável que um pretenso assassino estivesse no farol já desde a baixa-mar anterior, porque as suas pegadas de retorno, ou do local do crime para a água, seriam visíveis. Está assim encontrada a primeira mentira do Homem da Camisola Azul. Não concorda?
— Em absoluto. Mas há mais, não é verdade?
— Oh, há mesmo muitíssimo mais. O morto estava descalço, tendo perto de si os sapatos. Logo, as pegadas produzidas por pés descalços pertenciam-lhe, uma vez que as outras eram sapatos de ténis, que não eram os seus. E esses sinais de pés descalços, inteiramente visíveis, denotam que a pessoa que os deixou andava sem pressas, pisando bem e com calma. Isso não acontecia com as outras pegadas, de maior distancia entre si e das quais muitas vezes só se reconhecia a biqueira.
Desnecessário é dizer que quem as produziu vinha com pressa, corria mesmo.
— E aí está outra mentira do Homem da Camisola Azul, que declarou ter-se dirigido para ali devagar. Não há dúvidas que hoje você está inspirado.
— Agradeço-lhe o galanteio e passo a outro pormenor. As duas perfurações perfeitamente sobrepostas mesmo por sobre uma dobra da camisa deram-me a certeza de que o homem havia sido apunhalado quando estava com o tronco nu.
— Essa agora. Mas porquê?
— Repare bem, doutor. Se eu o apunhalasse agora, por cima dessa dobra da sua camisa, quantas perfurações perfeitamente sobrepostas ficariam nela?
— Ora deixe ver… Uma, duas, três! Exactamente três perfurações. Isto é notável!
— Além disso, os calções de banho molhados, como todo o corpo, a camisa húmida, reforçavam essa certeza de que o homem estava de tronco nu quando foi morto e tinha acabado de sair da água. Sim, porque não tendo ali a toalha (só lá estavam os sapatos e calças) ele decerto não iria vestir a camisa sem se secar primeiro ao sol.
— Muito bem? Mas porque raio é que o outro o matou e depois foi vestir-lhe a camisa? Que coisa estranha…
De facto foi esse um pormenor que muito me intrigou, até que me lembrei daquela inoportuna mancha de sangue no ombro direito do morto, que não provinha de nenhum ferimento. Ou antes, não era nenhuma ferida da vítima. Então, ocorreu-me a possibilidade dela ser do assassino. E foi por isso que lhe pedi que analisasse o sangue das manchas. Tinha por mim a enorme sorna de ensinamentos que o Dr. Wiener nos ofereceu sobre o assunto e que o senhor tão bem conhece.
— Mas isso não explica…
— Explica sim. O criminoso pode ter-se ferido num local que nos passasse despercebido à primeira vista. Olhe, até pode acontecer que aquele sangue proviesse do nariz do assassino, tendo até como causa o sol quente que estava. Pois muito bem: durante a brevíssima luta que pode ter-se travado, porque a areia ali estava um pouco revolvida, é possível que o Homem da Camisola Azul tivesse sangrado para cima da camisa da sua vítima, que estava ali perto, talvez sobre as calças e os sapatos. Então, porque ele não podia ver a praia, nem da praia o podiam ver a ele, pois os rochedos tiram essa possibilidade, o nosso homem previu a hipótese de alguém aparecer inesperadamente e topar com aquele espectáculo. Apressou-se a vestir a camisa ao morto, certo de que se o sangue estivesse todo no corpo do outro mais facilmente arranjaria uma história que o inocentasse do caso Estava no fim dessa operação quando nós chegámos e foi por isso que ele não teve tempo de tirar nada ao outro.
— Mas que queria ele tirar-lhe?
— Duas coisas. Uma delas era este papel com uma mensagem cifrada.
— O que é que diz aí? É difícil saber-se, não? -Relativamente. Para escrever isto deve ter sido usado o método da transposição Tentemos, portanto, agrupar estas letras em, digamos, quatro colunas. Como a mensagem se compõe de 38 letras, duas colunas terão dez e outras duas nove letras, alternando as quantidades.


Assim, a partir da mensagem

AMETPOSROOOLTESAUAAFUSR
ASQDFLRAASSEEDR

Teremos:
1 — AMETPOSROO
2 OLTESAUAA
3 FUSRASQDFL
4 RAASSEEDR

Agora experimentemos colocá-las na vertical pela seguinte ordem: 1-3-2-4. Encontraremos:

A
F
O
R
M
U
L
A
E
S
T
A
T
R
E
S
P
A
S
S
O
S
A
E
S
Q
U
E
R
D
A
D
O
F
A
R

O
L



 

Leia agora no sentido horizontal. Que encontra? - A FÓRMULA ESTÁ TRÊS PASSOS À ESQUERDA DO FAROL.
— Notável!
— Claro que tivemos sorte de acertar à primeira, porque normalmente isto só se consegue ao fim de muitas tentativas.
— E qual era a outra coisa que o Homem da Camisola Azul pretendia?
Uma cigarreira em que se vê o seu retrato, em companhia duma mulher e dum miúdo, cuja existência em poder do assassinado deita por terra a afirmação de que não o conhecia.
— Mas como explica…
— Muito simplesmente. O Homem da Camisola Pintalgada deve ter cá vindo oferecer-lhe a localização de certa fórmula, em troca de algum dinheiro, é claro. Como a informação vinha cifrada, é natural que o morto não fosse mais que um agente de determinada organização, a qual procedeu assim para evitar que ele a traísse. Pois bem, durante a conversação o Homem da Camisola Pintalgada deve ter procurado um cigarro. Como não o tinha, o outro ofereceu-lhe a cigarreira, que ele guardou até talvez inadvertidamente, como de resto acontece muitas vezes. O Homem da Camisola Azul também não deu por isso no momento. E mais tarde seguiu o outro até à praia do farol. Quando o viu dentro de água, correu para as suas roupas, no intuito de poder roubar-lhe a mensagem e a cigarreira sem que o outro desse por isso. Mas ele deu mesmo e saiu da água. Então o ladrão tornou-se assassino e matou-o! O resto já o meu caro Doutor Hipócrates sabe tão bem como eu.



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