EFEMÉRIDES – Dia 18 de Julho
Sydney Horler (1888 – 1954)
Nasce em Leytonstone, Londres. Repórter desde os 17 anos, mais tarde jornalista e editor, é um dos mais produtivos escritores britânicos de policiários. Escreve 120 romances de mistério/detective, terror e thrillers e publica 11 colectanêas de contos e 6 peças de teatro com os personagens: The Ace, Sir Harker Bellamy, Brett Carstairs, Bunny Chipstead, H. Emp; Sir Brian Fordinghame, Gerald Lissendale, Chief Constable Meatyard, Nighthawk (Gerald Frost), Sebastian Quin, Peter Scarlett, Tiger Standish, Baron Veseloffsky, Paul Vivanti e Robert Wynnton. Usa também o pseudónimo Peter Cavendish. Em Portugal é possível encontrar o registo da publicação de:
1 – O Homem Com Duas Caras (1937), Nº9 Colecção Romances internacionais de grande emoção, Sociedade Industrial de Tipografia. Título Original: The Man With Two Faces (1923), também editado com o título Love, The Sportsman.
2 – O Homem Do Serviço Secreto (1937), Colecção Mistério e Acção, Editorial Século. Título Original: The Secret Service Man (1929).
TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — OS PERSONAGENS
DO OUTRO LADO DA BARREIRA: OS MARGINAIS (PARTE I)
De M. Constantino
A narrativa policiária dos primeiros tempos, a designada clássica, põe em causa valores éticos consubstanciados na sempre eterna luta do bem contra o mal, em que o primeiro sai, regra geral, vencedor.
Há excepções, poucas, mas algumas.
As excepcções, do ponto de vista histórico, transformam o protagonista-delinquente num aventureiro, num justiceiro, cuja conduta, para atingir os seus fins, é colocado fora e acima da Lei. Os objectivos não são reprováveis, antes e quase sempre representam actos de justiça social. Os casos do lendário Robin Hood — O Robin dos Bosques — o popular Dick Turpin, o pré-histórico Caleb William.
Infringiam a Lei, de facto, mas, prejudicavam somente os poderosos que a estabeleceram, os mal formados.
Um outro tipo de protagonista-delinquente é o criminoso autêntico, cujas finalidades nada têm com justiça social, antes se regem por anseios de vingança ou domínio do poder: o diabólico Dr. Nikolas, Fantômas, Fu Manchu, etc..
Dos cavalheiros- ladrões que dominam a literatura criminal na passagem do século, primeiro Raffles, depois Lupin — o exemplo havia de frutificar abundantemente — Raffles um personagem relevante.
É um homem jovem, bonito, elegante. Fuma cigarros Sullivan que extrai num gesto próprio de uma cigarreira de prata cinzelada, a sua bebida predileta é o uísque com soda, pratica o críquete com perfeição — movimentos fáceis e justos, bom atacante, admiráveis combinações de força, astúcia, paciência e precisão.
Utiliza métodos científicos para levar a cabo os seus trabalhos que estuda com artística e calculada minucia para reduzir ao mínimo as possibilidades de ser descoberto, colocando à prova os seus dotes de invulgar inteligência, diabólica astúcia e coragem.
Como todo o artista que se orgulha do seu ofício e se lhe entrega inteiramente, Raffles possuía uma caixinha semelhante a um estojo de barba, contendo os mais variados e úteis instrumentos adequados à sua actividade. É que, a arte pela arte do roubo, não lhe chega sem os consequentes resultados, ainda que, reconheça, a arte posta na sua execução o atraísse. O escritor não escreve apenas quando o acomete o lobo da fome, o pintor não pinta só pelo pão, para ele, Raffles — dizia — a arte pela arte talvez não fosse uma bobagem, mas era preciso praticar a dele, ainda que por motivos menos puros.
Tal arte reflectia-se não só no planeamento como no roubo, como na táctica especial usada na negociação dos espólios roubados. Nesta última especialidade, disfarçava-se de vendedor, falava numa algaraviada estranha que o tornavam diferente, vendia com facilidade, em regra a um prestamista tão velhaco como Raffles — Baiard — que um dia descinfiado do seu disfarce o seguiu, tendo dificuldades em o despistar. Baiard foi o único homem que, na primeira fase da vida de Raffles, esteve a ponto de o tornar num assassino, pois decidira matá-lo face ia chantagem do usurário, qual acabou por morrer às mãos de Jack Rutter, um amigo de Raffles.
De origem distinta, pouco falava da família, muito embora se lhe conhecesse um vago primo em Melbourne, e uma irmã, a quem muito queria, casada com um reitor de uma paróquia de um condado do Este. Recebera educação esmerada, frequentara um colégio reservado a pessoas de elite, onde, aliás, corriam rumores da sua habilidade para assuntos exteriores à escolaridade. Bunny, um amigo dessa época e seu condiscípulo, que mais tarde se havia de tornar o seu companheiro inseparável e ideal das suas actividades profissionais, ficava acordado muitas noites, com uma corda estendida para facilitar o regresso de Raffles, enquanto este, disfarçado, percorria a cidade. Esteve mesmo a ponto de ser descoberto, o que só a presença de espírito de Bunny evitou. Raffles não esqueceria este facto.
Tudo tem um princípio.
Como se iniciou Raffles? Numa altura da sua vida, ainda que não fosse um jogador de críquete experiente, ao disputar o campeonato na cidade de Natal, feriu-se numa mão, deixando de dar o seu concurso nos Jogos, para desespero dos outros membros da equipa, e teve de tratar-se. Ocasionalmente o médico perguntara-lhe se era parente de um funcionário bancária nomeado director de um Banco Nacional numa localidade próxima. Sem muitos meios de subsistência procurou entrar em contacto com o tal parente, para o que se dirigiu a Jea, situada a cinquenta quilómetros de Melbourne. Confundido com o primo que ainda não chegara, e porque estava em apuros ao ser-lhe entregue a chave do Banco local, aproveitou para fazer limpeza completa.
Nesse dia Raffles, perdera não só a relativa inocência como o grande bigode que então usava.
Entendia que não tinha outro caminho. De resto, pensava, “porque havia de se dedicar ao trabalho podendo dedicar-se ao roubo? Porque escravizar-se, justamente quando tinha na sua frente a aventura, a excitação, o perigo e a boa vida? Justificava-se: “Claro que é um caminho equívoco, porém, nem todos podem ser moralistas. Por outro lado está muito mal feita a distribuição das riquezas…”
Correr perigo era o estímulo para as suas aventuras. Por perigo, roubaria a própria Catedral de São Paulo, se possível. Roubar é um desafio. É aventura. Há mais desporto e emoção em roubar um par de pedras preciosas quando o seu proprietário se vangloria de saber defendê-las.
Vivia em conformidade com a condição de cavalheiro, num bairro londrino de pessoas distintas, em Albany, uma casa bem decorada, mobiliada com admirável bom gosto, ao estilo antigo característico de Piccadilly, a que não faltava o relógio sobre a lareira, a par de uma negligência estudada, própria do solteirão. Ao contrário do que acontecia com a maioria doa jogadores, notava-se total ausência de troféus e costumadas insígnias; em vez destas, das raquetes e fotografias de jogadores, havia armários de carvalho talhado, com estantes cobrindo toda a parede, onde se viam reproduções de quadros famosos.
TEMA — DIÁRIO DE UM ADVOGADO — UM VASO DE FLORES
De Araújo
Quando os colegas souberam já era tarde. De borco, sobre a escrevaninha dormia o sono definitivo. Fora estudar geologia no campo santo, como diria mestre Machado. Escritório modesto de advogado pobre. Tinha manias, o coitado. Por exemplo, durante muito tempo, só aceitava causas que lhe parecessem justas, Submetia o advogado que ele supunha ser, a um juiz que ele não podia ser. Confusão… Queria a verdade, o infeliz. Só no fim compreendeu. Ou melhor, sentiu. A verdade… como colhê-la se o próprio constituinte era o primeiro a deformá-la! De boa fé. Quantas vezes o advogado tem de operar como inimigo do constituinte que está mentindo contra o próprio interesse?
No fundo de uma gaveta o diário desse colega continha trechos como os que se seguem.
Dia húmido. Chuva fina, feminina de tão impertinente. Dessas que atravessam o corpo e furam a alma. As coisas e as criaturas ficam pegajosas. Quase fluidas. Será por isso que tudo me pareceu ideal hoje? Quanto entrei na casa de detenção, foi a agressão do mau cheiro a desprender-se dos detidos o que primeiro me feriu. Um cheiro inconfundível, de suor concentrado, de digestão barata, de corpo humano confinado… Esse mau cheiro é que explica, na Inglaterra, o requinte dos juízes que usam sempre um vaso de flores. Povo rico, o inglês, que pode sublimar em impulsos de civilização o fedor dos outros.
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