EFEMÉRIDES – Dia 19 de Julho
Joseph Hansen (1923 - 2004)
Nasce em Aberdeen, South Dakota, EUA. Escritor e poeta publica cerca de 40 livros de vários géneros literários, mas alcança a popularidade devido aos seus romances policiários com Dave Brandstetter como personagem central. Brandstetter é um detective privado homossexual com um humor característico que aparece pela primeira vez em Fadeout (1970); a série Dave Brandstetter tem um total de doze livros editados ao longo de 20 anos. Hansen também escreve short stories protagonizadas por Hack Bohannon, um homem que abandona o cargo de xerife, que exerceu durante 14 anos, para se tornar detective particular e proprietário de um-Rancho na Califórnia. Em Portugal Fadeout é editado em 1975 pela Dêagá, com o Nº187 da Colecção Enigma, com o título Fecho Em Fusão.
TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — OS PERSONAGENS
DO OUTRO LADO DA BARREIRA: OS MARGINAIS (PARTE II)
De M. Constantino
Raffles, em contrapartida, tinha um esconderijo num Bairro escuro do King's Road, onde se disfarçava metodicamente, sempre que necessário. Chegou mesmo a disfarçar-se de polícia para tirar Bunny das mãos de Rosenthall. Era ali tido como um bom inquilino, com renda em dia, um pintor em busca de inspiração. O estúdio estava cheio de roupas diversas, cujo destino aparente era para uso dos modelos, mas na realidade destinavam-se-lhe. Duas vezes por semana instalava-se, lia os jornais, fumava “Sullivan”.Entrava um jovem elegante e saia um vagabundo, ou vice-versa, ninguém, porém, notava a presença de um ou outro.
Claro que ali não usava o nome de Raffles, mas os disfarces em diversas ocasiões, serviam para ganhar metade da batalha, e o golpe falhasse, sempre seria um consolo não ser preso sob o verdadeiro nome.
Como todos os personagens deste tipo de literatura, de Dupin a Sherlock, deste a tantos outros, Raffles tinha um companheiro, uma espécie de sócio e ajudante que também como é regra, foi o seu biógrafo. Bunny, o seu amigo de colégio já referenciado, era o parceiro. Bunny ajuda debilmente o “rei dos ladrões”, num esforço timorato, vigia ou segura uma luz. Vivia em Mount Street, tinha pendores literários, era um viciado no jogo, ao qual sacrificou tudo: os bens deixados pela família falecida, as mobílias e as próprias bengalas…
Num momento de desespero, não resistiu aos argumentos, aos poderes de persuasão, suaves e hábeis de Raffles.
O primeiro “trabalho” em conjunto, uma joalharia do Bond Street, em plena Piccadilly, rendeu cerca de 1000 libras, um lote de excelente vinho do Porto e charutos…
Para operar com “verdadeira Justiça” — observara Raffles — apressou-se a pagar no dia seguinte alguns objectos que ali adquirira a crédito. Se bem que usasse uma reserva prudente e caprichosa — o vício do segredo tão próprio dos criminosos inveterados — por exemplo, nunca dizia ao companheiro onde guardava os roubos, Raffles não se escusava a confessar perante Bunny como “autor” dos “desvios” dos diamantes de Thimbleby, o “serviço”, de Dorwer House, etc…
Uma particularidade a realçar: raramente o vemos utilizar um revolver carregado. Era sua convicção que “sem dúvida que uma arma inspira confiança, sobretudo se se pensar que as coisas podem correr mal”, mas pensa que “o assassino deve sentir emoções fortes antes de realizar o seu crime”, ele, Raffles, nunca sentiu essas emoções.
Semelhantemente a Sherlock Holmes, e é interessante realçar este paralelismo, também Raffles teve a sua morte simulada. Holmes “morreu” nas águas de uma catarata na Suíça, Raffles nas águas do Mediterrâneo.
De facto, a caminho de Itália, a bordo do Uhlan, da Nord-Deutscher Lloyd, não resistiu ao roubo, extremamente bem planeado do presente do Imperador — uma pérola do tamanho de uma avelã, de um ligeiro tom róseo como o olhar de uma mulher bonita — à guarda de Von Heumann. Foi, porém, descoberto por Mackenzie, um inspector da Scotland Yard, personagem de algumas das aventuras de Raffles, e obrigado, para não ser preso, a atirar-se ao mar junto da Baía de Nápoles, ao largo da Ilha de Elba… desaparecendo em seguida.
Bunny, cumprida a pena por cumplicidade, foi viver em condições indignas mas honradamente, em Ditton, nas margens do Tamisa, sem um centavo no bolso, contentando-se com a honra de ver o seu nome impresso e poucas moedas resultantes do que escrevia para um diário filantrópico, que aceitara uma série de artigos sobre a vida nas prisões.
Em 11 de Março desse mesmo ano Bunny recebeu um telegrama chamando-lhe a atenção sobre um anúncio, do qual resultou a contratação, por um tal Dr. Theobald, para tratar de um inválido. O inválido era, efectivamente, Raffles. Escapara após uma endiabrada acessão de natação o alcançara terra.
Para todos, Raffles estava no fundo do mar; a invalidez era um disfarce. Mas Raffles estava mudado. Envelhecera, parecia agora ter cinquenta anos, cabelo branco, cara pálida, nítidas rugas, e não era disfarce. Os olhos, contudo, tinham a mesma expressão animada e alerta de sempre, brilhantes como aço; a boca reflectia a mesma força física de sempre.
Mais tarde contará (e ao fazê-lo vivia intensamente a recordação, o rosto sensitivo suavizava-se e endurecia alternadamente, ora mostrando terna atitude ou insólita fúria) que tudo resultara da inesquecível experiencia ocorrida em terras de Itália. Na verdade, depois de alcançar a nado a Ilha de Elba, aprendera um pouco de italiano e, escondido no porão de um barco, dirigira-se a Nápoles, nos arredores da qual se empregara numa fazenda cerca de oito meses. Aí apaixonara-se pela primeira vez na vida! Faustina a eleita, cuja pele, pela delicadeza do bronzeado recordava ouro velho, era a única mulher por quem se importara alguma vez, por ela poderia ter posto de lado todo o mundo, simplesmente para lhe ser leal. Mas o amor latino é complicado. Faustina foi morta pelo noivo, Raffles vingara-se no matador. Perseguido pela Mafia, esconda-se, sofre, vive da mendicidade ou de expedientes, do roubo, fez toda a classe de coisas terríveis, até que um dia ao olhar-se no espelho, não se reconheceu… concluiu que, voltando a Londres, dificilmente seria descoberto.
Raffles já não jogará críquete, nem sequer fuma “Sulivans” — embora nenhum homem a eles fosse mais dedicado — não iria proporcionar qualquer tipo de pista sobre a sua existência.
Juntos de novo, Raffles e Bunny, continuam as suas aventuras Saíam de noite atravessando o terraço comum da casa vizinha, longe das vistas do Dr. Theoball
Robinson, joalheiro de Chicago, de passagem por Londres, é a primeira vítima desta nova fase — Raffles mostra-se um notável predigitador; o roubo do British Museum é um extraordinário golpe r de oportunidade, etc.,etc..
Volta a Itália e sai vitorioso de uma luta de morte, sempre adiada. E Londres volta a ser o palco favorito das suas façanhas.
Bunny andava bem vestido, tinha dinheiro em todos os bolsos, deixou desenvolver um bigode cor de palha bastante crescido. Raffles era em tudo tão audaz como sempre. Era verdade que não podia sequer assistir a uma partida da críquete, nunca viajava de comboio e cear fora era um risco que ao merecia a pena correr se acompanhado de um objectivo posterior. Por muito que o seu aspecto tivesse mudado, não podia mostrar-se com integral impunidade em toda a parte ou a toda a hora. Raffles queria continuar “morto”.
Há, porém, alguém que o reconhece. Uma mulher. Uma mulher terrível que usa o nome de Jacques Saillard. Desta vez o truque para desaparecer está em fazer-se enterrar após um ataque fatal de febre tifóide, beneficiando da cumplicidade do Dr. Theobald.
Bunny acompanha-o à última morada. Quando regressa ao coche que o esperava, Raffles em pessoa, soberbamente disfarçado, aguarda-o.
Vão viver em Ham Cammon, um retiro ideal. Bunny procura inspiração nas letras, Raffles é o irmão… um irmão há muito tempo perdido na selva.
Piccadilly envolto num hábito de névoa cinzenta, bordado pelas luzes dos lampiões, está longe, mas perto; sempre perto da diabólica inteligência do personagem que usou o nome A. J. RAFFLES… até à sua morte, desta vez a verdadeira, nos campos de batalha da África do Sul.
(continua)
A. J. Raffles e Harry Bunny Manders |
TEMA — POESIA DO CRIME — COMO ESTÃO PÁLIDAS AS ESTRELAS HOJE
De Natércia Leite
Como estão pálidas as estrelas hoje…
e este meu coração tão magoado…
há farrapos de luz dos candeeiros a rastejar no chão
e uma inesperada brisa quente nesta noite de Verão
incita as folhas das árvores a um estranho bailado
Como estão pálidas as estrelas hoje…
estou sem sono. Tantas da noite e eu olho o céu
da janela da minha casa-prisão, abandonada.
Só sei que não virás mais — restos de astros, de pó, de madrugada
onde estarás agora, meu querido amigo meu?
Como estão pálidas as estrelas hoje…
parecem pontos de gelo no infinito espaço
tão frias, indiferentes, tão distantes
no veludo da noite, minúsculas, cintilantes
nunca mais, nunca mais o apertado abraço
Como estão pálidas as estrelas hoje…
só posso medir o afecto agora, depois de separados
sonhámos que partiríamos um dia deste cais
à descoberta das terras d’ouro do nunca mais
nos mares da vida adversa naufragados…
Como estão pálidas as estrelas hoje…
como estou melancólica e cheia de tristeza
o meu amigo morreu e eu fiquei metade
e queima cá por dentro e dói esta saudade
nesta noite estrelada e quente de mágica beleza
Como estão pálidas as estrelas hoje…
vou cerrar a janela sobre a noite e a lua
tentar adormecer, sonhar talvez contigo
tu, estrela que se perdeu no breu, oh! meu amigo
eu, que era a tua razão de vida, estrela tua.
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