EFEMÉRIDES – Dia 9 de Julho
Thomas Ligotti (1953)
Thomas Robert Ligotti nasce em Detroit, Michigan, EUA. Autor contemporâneo de histórias de terror é considerado uma figura de culto. Embora a sua escrita seja única no estilo, desdobra-se em vários sub-géneros, variando entre o horror original de Lovecraft , o “horror filosófico e um tom mais negro de narrativa associada à ficção gótica. Desde a publicação de The Nightmare Factory, em 1984, Thomas Ligotti escreve mais de 60 short stories, tem 12 livros editados e uma longa lista de nomeações e prémios.
TEMA — MISTÉRIOS E CRIMES DA HISTÓRIA — CRIME NO MUNDO ASTECA
Doloroso foi o fim do último imperador asteca: Montezuma. Aconteceu vinte e dois anos depois da visita de Colombo às Américas. Não morreu Montezuma na mão de Hernán Cortés, o conquistador do México. Morreu apedrejado pelo seu próprio povo, que assim julgou estar justiçando um traidor. Foi esse um dia triste para toda a história do velho e fabuloso império asteca.
Montezuma, tempos antes, tivera o pressentimento de que alguma coisa estava para acontecer. Sucedeu isso muito antes de Cortés pisar solo mexicano. Talvez ainda estivesse preparando as suas caravelas e já o chefe asteca sentia que o seu fim era chegado. Acontecimentos estranhos, de estranha explicação, tiveram lugar nessa ocasião. Uma noite, sem tremor de terra ou qualquer outra coisa aparente, o lago Texcoco subitamente agitou-se. As águas, transbordando das margens, inundaram grandes áreas. Bolas de fogo, meses antes de Cortés aparecer, cruzaram o céu do México. Uma estrela, de rabo imenso, veio também fazer o seu “show”, bem como um peixe descomunal andou beirando as praias da nação de Montezuma.
O imperador, em seu grandioso palácio, meditava. Meditava e consultava os astrólogos, os homens que liam as estrelas e compreendiam a linguagem dos mistérios. A explicação mais razoável para tudo isso era a de que estava próxima a volta do grande deus barbado, o deus branco de nome Quetzalcoatl. Dizia a lenda que essa divindade, muitos anos antes, tinha deixado o México pelo mar e pelo mar voltaria. Os astrólogos de Montezuma pelo menos assim liam os astros. Por isso o imperador andava triste, inquieto. Dizia:
— Alguma coisa vai acontecer. Sinto que vai acontecer.
E aconteceu. Uma tarde, de longe, chegaram portadores de infaustas notícias. Homens barbados vinham em grandes barcos de asas brancas. Montezuma balançou a cabeça:
— É Quetzalcoatl. É ele que vem.
No seu palácio, Montezuma aceitou o destino como ele veio. Cruzou os braços. Cortês penetrou no país com poucos homens. Alguns vinham montados em esquisitos animais de quatro patas, velozes como o vento, tudo destruindo, até as plantas. Houve uma batalha em Tabasco, outra em Cempoalho, uma outra ainda em Tlascala. E por toda a parte os homens brancos, com os seus mortíferos bastões trovejantes e seus espantosos cavalos, espalhavam a morte e o terror. E não era para menos: à sua frente vinha um deus branco, Quetzalcoatl. Usava um nome diferente: Hernán Cortés.
Enfim, chegou com os seus homens barbados, à capital do império asteca. Apavorado, Montezuma não resistiu. Foi feito prisioneiro. Os conquistadores não mostravam logo as garras. Cortés era um soldado rude, mas habilidoso. Queria, antes de tudo, conquistar as boas graças do chefe asteca. De facto, Montezuma, rei fraco, converteu-se no que hoje poderíamos chamar de Quisling do México. Por diversas vezes, pediu aos seus governadores que acatassem as ordens dos homens brancos, que possuíam o raio da morte, e o poder espantoso dos deuses. Pedia que seu povo tivesse calma:
— Paciência. Um dia seremos outra vez livres.
Mas a ganância do ouro fez com que Cortês modificasse, ou melhor, retocasse a sua política de brandura em relação ao imperador asteca. Este foi submetido à tortura, bem assim como outros chefes mexicanos Tudo isso a propósito de um suposto “complot” contra a vida de Cortés. No fundo estavam os tesouros que os espanhóis queriam em mão. É claro que Montezuma não resistiu aos tormentos. Confessou onde eram guardados. E o espanhol, pronto, abarrotou de ouro os seus embornais. A riqueza de um império passou logo para os brancos “possuidores de trovões e da morte”. Mas Cortês ainda não estava satisfeito. Queria mais — queria derrubar os deuses astecas e, em seu lugar, colocar os deuses da Espanha. Montezuma, paciente e brando, avisou:
— Chefe branco, estais cometendo um grave erro.
Montezuma tinha razão. Os mexicanos tudo haviam aturado desde a conquista dos seus tesouros aos tormentos de seu imperador. Mas desde que os brancos não tocassem em seus deuses. Cortês não teve ouvidos para os conselhos que recebeu do rei cativo, tocou nos deuses astecas. Substituiu-os pelos deuses brancos. Foi o estopim da revolta. Houve um murmúrio geral, depois um clamor de indignação. O povo, por fim, pegou em armas. Cortês tremeu, enquanto Montezuma aconselhava o espanhol a fugir
— Os deuses do meu país decidiram tomar vingança. Novamente pediu que Cortés se fosse. Mas Cortés, espanhol de 1500, duro como aço não recuou. Não fugiria de modo algum:
— Eles que me tirem daqui, se forem capazes disso.
Foi cercado na sua fortaleza do México.
O povo gritava:
— Queremos nossos deuses e nosso rei.
Cortês alarmou-se. Então Montezuma, vestido com os trajes reais, falou aos amotinados. Do parapeito da fortaleza onde vivia, pediu que os astecas voltassem aos lares e vivessem em paz com os brancos:
— É o que vos peço.
Lá de baixo, uma voz levantou-se:
— Nada de paz com os brancos!
Quem assim falava tinha também nas veias sangue real. Era Cuitláhuac, irmão de Montezuma. Como resposta, Montezuma pediu
— Então, prefiro morrer.
Um guerreiro replicou:
— Falaste bem. É preferível morrer logo do que viver em desonra.
Atingido por flechas e pedras, Montezuma, caiu ferido. Um grito de consternação subiu ao céu. Levado para o interior da fortaleza, o rei pouco tempo teve de vida. Quando morreu, os duros espanhóis de Cortés choraram. Acabava assim o último imperador asteca, o compreensivo Montezuma.
O que veio depois dele é uma outra história.
Uma história feita de sangue e dor.
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