26 de abril de 2012

CALEIDOSCÓPIO 117

EFEMÉRIDES – Dia 26 de Abril
Dorothy Salisbury Davis (1916)
Nasce Chicago, Illinois, EUA. Bibliotecária, publica o primeiro romance em 1949 The Judas Cat. É autora de duas dezenas de short stories e igual número de romances policiários, entre os quais se contam as séries Mrs. Norris — com 3 títulos—, e Julie Hayes— com 4 títulos. Dorothy Salisbury Davis é eleita presidente de Mystery Writers of America em 1955; é nomeada 4 vezes para o Edgar Award - Best Novel: em 1959 com A Gentleman Called, em 1966 com The Pale Betrayer, em 1969 com God Speed the Night e em 1970 com Where the Dark Streets Go; para o Edgar Award – Short Stories é nomeada 2 vezes, em 1965 e 1976, respectivamente por The Purple Is Everything e Old Friends.

TEMA — OS GRANDES TEMAS DA FICÇÃO CIENTÍFICA — UTOPIAS
Sem perder de vista que a Ficção Científica se insere num contexto de futuro — o futuro do Homem — depara-se-nos uma outra corrente narrativa enquadrada num vasto campo sociológico, designada também como utópica, e anti-utópica, esta de movimento contrário àquela, de conceito pessimista, cujo cariz é essencialmente filosófico e daí certa resistência por parte de alguns estudiosos no enquadramento do género.
Não tomando partido na disputa, não vemos porque negar ou evitar a sua inclusão quando se reconhece que temas como viagens no tempo, a criação e a utilização de robôs, ali têm inegável, assento e são parte integrante de muitas utopias. Aliás, no dizer de Robert Musil que designa a utopia como a possibilidade que pode efectivar-se no momento em que forem removidas as circunstâncias que obstam á sua realização, define-se com bastante exactidão as características de ficção científica.
A utopia e anti-utopia confundem-se ambas põem em causa o homem e a sociedade, positiva ou negativamente.
Podemos descobrir em Platão alguns dos primeiros vestígios de concepção utópica. A Republica seria um dos primeiros esboços e modelos de todas as utopias que têm em Thomas More (De optimo reipublicæ statu: deque nova insula Utopia de 1516) e em Campanella (A Cidade do Sol, de 1623) continuadores não só de Platão, mas também de Santo Agostinho e Petrarca, e se identificou com o primeiro grupo de utopistas filosóficos.
Para More, a célula económica é a família, para Campanella a destruição desta a favor do estado Universal, como Wells mais, tarde (1920) no livro de seu maior êxito The Outline of History. Ambos põem em evidência a sociedade perfeita na qual ninguém vive à custa de outrem: No primeiro todos trabalham por igual e gozam dos seus frutos em comum, no segundo bastam seis horas de trabalho para prover as necessidades da vida e o resto do tempo é dedicado ao estudo da ciência e a jogos ao ar livre, etc.
Em Gargântua e Pantagruel, de Rabelais, pelo contrário a sua Abadia de Thelema é um recanto onde apenas uma elite faz o que quer. E, entretanto, o ideal da vida, um pequeno paraíso, distinguido, aliás, por vários autores da época e descrevem uma terra repleta de rios de leite, lagos de mel, onde o homem recolhe da própria natureza todo o seu sustento.
Cem anos depois de More, Francis Bacon em A Nova Atlântida desenvolve o problema do progresso técnico, Edward Bellamy em Looking Blackward 2000, publicado em 1887,preconiza uma sociedade do século XXI em que o socialismo e as máquinas trazem a felicidade, antes, e de resto, precedido pelo húngaro Imre Madách em A Tragédia do Homem (1861) na qual o mundo futuro é o triunfo total da ciência, um mundo em que desaparecem todas as plantas e animais, com excepção dos que a ciência substituiu.
A viagem histórica do tema avizinha-se, viagem que termina o optimismo irreflectido, após a publicação de A Máquina do Tempo, A Guerra dos Mundos e O Homem Invisível, de Wells. E o movimento oposto da utopia. Evgueni Zamiatine desenvolve em Nós, um livro de 1922, o esquema obrigatório dos cidadãos de uma sociedade perfeita, rodeada de muralhas para que se não comunique com o exterior, cidade onde o casamento desapareceu, os cidadãos têm direito a umas horas de amor por semana, amor onde ninguém pode baixar as persianas das janelas de modo que os vizinhos podem observar a casa alheia, já que tudo é público e grátis e sem revoltas, porque ao primeiro sinal de rebeldia a alma lhe é extraída. Em O Admirável Mundo Novo (1932), de Huxley, apresenta-se-nos uma sociedade do Século VII da era Ford, correspondente ao Século XXVII da nossa era, do qual confessava o autor cerca de 30 anos mais tarde, em O Regresso ao Admirável Mundo Novo (1960) terem-se as suas profecias cumprido muito antes daquele Século. Ali impera uma sociedade de castas: os alfas e superalfas — a classe superior — e os betas — biologicamente inferiores — que gostam de trabalhar e estão àqueles submetidos. As crianças saem dos laboratórios. Não há dor, tristeza ou mesmo velhice — a morte é um procedimento tão rápido, que nem chega mesmo a notar--se a idade; a droga, os espectáculos e o amor livre não procriador são as máximas satisfações.
George Orwell tem as suas utopias de sinal contrário em O Triunfo dos Porcos (1945) e em 1984 (escrito em 1950). Típico inglês sentimental, preocupado com o destino dos outros, disposto a por eles sacrificar e arriscar a vida, como o fez na Guerra Civil de Espanha, choca o leitor de 1984 com a visão de violência, crueldade, miséria, perda de liberdade, a que o ser humano pode chegar antes de finalizar o presente Século. O Mundo, dividido em 3 únicas potências (Oceania, Eurásia e Estásia) e vive em constante guerra…
A antiga civilização pretendia estar fundada no amor e na justiça. A nossa está fundada no ódio. No nosso mundo não haverá outras emoções alem do temor, da raiva, do triunfo e da humilhação. E daremos cabo de tudo o mais. escreve.
Herman Hesse, tal como Ernst Jünger que referenciaremos seguidamente, não é reconhecidamente um utopista ou homem da Ficção Científica, todavia em O Jogo das Contas de Vidro (Das Glasperlenspiel, no original) propõe uma perspectiva do futuro Século XXV ou XXVI.
As obras de Jünger Sobre as Falésias de Mármore, Heliopólis e As Abelhas de Cristal formam o tríptico da sua faina utópica. Nas Sobre as Falésias de Mármore tem muito de mito;"Heliopólis de algum modo confirmadora de A Cidade do Sol de Campanella, é uma cidade de um futuro longínquo, um lugar para além das estrelas;As Abelhas de Cristal são o símbolo da destruição, a imagem da poluição crescente decorrente do progresso técnico.
A apresentação do homem perante a sociedade, a sociedade perante o bomem, embora diversificada ao longo dos séculos, vem-se tornando cada vez menos optimista. A excepção vem-nos do Leste— velha e nova Rússia — em que os autores de forte inspiração e ideal socialista, comunal e cooperativista, dominam o horizonte da esperança comunista.
Ray Bradbury revela-nos um futuro tão só como o destino cósmico do homem sob um horizonte de tristeza sem remédio. Em verdade as utopias tecnológicas deste escritor, como as utopias políticas de Orwell parecem pretender inculcar-nos no espírito a sombra infernal da civilização numa espécie de advertência muito séria.
Com efeito, os caminhos que levam á constituição de utopias na sociedade real estão cheios de obstáculos e perigos que bem podem ameaçar a extinção da Humanidade (Kurt Vannegot). A sociedade perfeita é um estado social moralmente inactivo, sem problemas, e a falta de problemas converte-se no problema principal da sociedade.
M. Constantino

1 comentário:

  1. Gostei muito deste texto sobre as utopias/distopias, sobretudo pela inclusão de obras maiores que normalmente estão excluídas, por serem consideradas mainstream.

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