30 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 365

Efemérides 30 de Dezembro
Jane Langton (1922)
Jane Gillson nasce em Boston, Massachusetts, EUA. Estuda Astronomia e História de Arte. Começa por escrever e ilustrar livros infantis, em 1964 publica o seu primeiro romance policiário, The Transcendental Murder, iniciando a série Homer Kelly — um excêntrico estudioso, advogado e detective — que conta com 19 livros. Em 1984 Jane Gillson recebe o Nero Award e uma nomeação para o Edgar Award com romance Emily Dickinson Is Dead, o 6º da série Homer Kelly.


TEMA — LITERATURA POLICIÁRIA — EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS NARRATIVAS: PORQUE FOI COMETIDO O CRIME?
Este terceiro processo narrativo apoia-se no porquê? Ou porque foi cometido o crime? O que o liga à motivação do delito. Já sabemos quem, como, falta-nos o porquê. Algo tão importante porque a descoberta a razão do crime é meio caminho andado para se encontrar o criminoso. É, de resto, o processo mais escolhido pelos autores actualmente. Em estudos de policiário já tivemos ocasião para referenciar Anthony Berkeley Cox (Clicar), com o pseudónimo Frances Iles, como o pioneiro do sistema que aborda processo psicológico.
No conto que apresentamos, bem se pode dizer que, verdadeiramente, não se pode apontar um “ilícito punido pela lei”, aqui a lei é a lei humana do crime mais banal — a dor íntima.

CONTO DE PEGGY MORROW — A MÁSCARA
Adaptação de M. Constantino
Dez notas de mil dólares novinhas, livres da tira de plástico, lentamente colocadas soltas sobre o arranhado tampo de vidro da escrivaninha do Dr. Raymond Bennet.
Gotas de suor surgiram na testa e no lábio superior do médico.
Dois minutos esgotaram-se antes do médico falar. Os olhos desviaram-se do dinheiro e fixaram-se nos frios olhos cinzentos do homem no lado oposto da mesa.
— Não, — disse o médico. Não posso fazer isso.
O visitante da meia-noite levantou-se. O seu impassível corpo esguio lembrava o de uma serpente.
— Certo, doutor, se não quer, não faça. Os meus argumentos esgotaram-se e isso é algo que nem mesmo um revólver pode obrigar a fazer.
Ele retirou as mãos enluvadas dos bolsos do sobretudo; à direita segurava uma automática.
— Só por questão de segurança, vou amarrá-lo à cadeira e amordaçá-lo. E cortar os fios do telefone.

Na manhã seguinte, o sono abandonava aos poucos a mente de Myra Bennet.
Virou a cabeça no travesseiro para acordar o marido com alguma palavra amarga. Sentou-se bruscamente. A cama ao lado estava intata! Vestiu o robe.
Procurou pela casa e encontrou o marido como o pistoleiro o tinha deixado. Em pânico, desamarrou as cordas e tirou-lhe a mordaça da boca.
Então ele contou o que acontecera. Como um enviado de Joe Quattrociocci, inimigo público número 2, apareceu de madrugada oferecendo dez mil dólares para fazer uma operação plástica ao rosto e às impressões digitais do chefe da quadrilha.
— Não podia fazer isso. Apesar de precisarmos muito de dinheiro eu não poderia empurrar a minha profissão para esse caminho sujo.
Ela saltou.
— Idiota! — gritou, rouca de ódio. — Idiota, mole e fraco! Céus! E achas que és um homem! Devias ter feito a operação e ninguém saberia. Podias ter aproveitado. Com todas as coisas que quero e que preciso! Tu enterras-me nesta cidade horrível. A mim! E rejeitas mais dinheiro do que já tivemos em dois anos da nossa vida!
— Mas Myra, — protestou ele.
— Mas Myra…— imitou ela — Já chega! Entendeste? Nunca serás ninguém!
Saiu correndo da sala e da vida dele.

Raymond Bennet nunca mais a viu até aquele dia em Viena. Cansado de tanto estudar e pesquisar, entrou num cinema que exibia filmes americanos. A câmara cinematográfica fez coisas estranhas e interessantes com a sua beleza. Ela era hipócrita e agressiva, bonita e má. O tipo perfeito para representar o papel de vamp moderna — a vulgaridade essencial escondida sob a arte dos técnicos de Hollywood. Ela não sabia representar. Poderia vencer utilizando o seu próprio tipo da vida real.
Ele seguiu os seus filmes em Viena e quando voltou a Nova Iorque. Foram dez anos de luta, brilhantes na ascensão carreira de cirurgião. Na biblioteca da sua luxuosa casa em Park Avenue, podiam-se encontrar, além de revistas de medicina, revistas sobre cinema. Uma noite estava na biblioteca, a tomar um conhaque depois do jantar e a fumar charuto com um colega, quando o mordomo entrou na sala trazendo o telefone portátil.
— Chamada de Hollywood, senhor.
— Hollywood? — estranhou o Dr. Bennet. — Quem é?
O mordomo ligou o telefone ao interruptor e conferiu com a telefonista.
— Um Sr. Bernstein, senhor.
— Nunca ouvi falar dele… — disse o Dr. Bennet — mas é melhor atender.
Rápida e excitada a voz soou pelo telefone. Bennet deu um salto.
— Quem foi que disse? — gritou. — Oh, sim… sei. Não se preocupe com o dinheiro. Falaremos sobre isso mais tarde. Sim, sim. Cancelarei tudo. Sim, vou de avião. Fretarei um, se for preciso. Sim, imediatamente.
Desligou o telefone.
— Doutor — disse ao colega, — terá de me substituir por uns tempos. A minha… quero dizer, uma amiga íntima, Myra Bent, a estrela de cinema sofreu um acidente de carro. A cabeça dela chocou com o vidro da frente. Era o produtor dos seus filmes. Eu disse que iria.
— Você é o único homem no país que pode fazer esse trabalho — disse o colega, aprovando.

No dia em que as ligaduras seriam retiradas, ele entrou no quarto. Ficou sozinho a um canto, fumando um cigarro enquanto os assistentes retiravam a gaze. Depois mandou que saíssem e caminhou até a cabeceira de Myra Bent. Sem falar entregou-lhe um espelho.
Ela viu o seu rosto milagrosamente reconstituído na sua beleza original. Mas era o rosto de alguém que ela nunca havia visto antes. Um rosto sereno e adorável, de tanta paz e bondade que olhando para ele fazia lembrar crianças brincando num jardim. Um rosto de Madona, certamente o de um anjo. Qualquer coisa, menos o rosto de Myra Bent, femme fatale da tela Neste papel, ela nunca mais mostraria o seu rosto.
Antes que pudesse falar, ele levantou a mão pedindo silêncio.
— Eu sei — disse. — Mas agora pelo menos vais-te parecer com a mulher que sempre esperei que tu fosses.
Virou as costas e deixou-a com a máscara que faria parte da vida dela para sJane Gillson.


Perfil de Mulher - Picasso (1960)


TEMA — POESIA DO CRIME — A FORÇA DO HOMEM
De Luís Gomes
(Transcrito com a devida vénia das Selecções Mistério)
O Homem evoluiu
e construiu
um mundo para si!
Desbravou florestas, savanas e rios,
disputou aos animais bravios
a sobrevivência em indómita vontade
numa luta de morte, cruel e dura…
Ante a força feroz, infrene e bruta
das mais possantes feras, a veleidade
do homem, fraco ser, tamanha luta
era sonho irreal, era loucura…
Mas das humanas mãos a habilidade
gerou força mais forte que a força bruta!
E vingou a força do mais forte
quando o homem criou armas de morte…

E desde então
quando cresceu em civilização
o Homem triunfante, rei e senhor,
sempre, sempre, empunhando em sua mão
as armas, essa força, ao seu dispor.

Essa força que no homem despertou
quanto de bom e mau lhe rege o coração,
uma força, uma lei que sazonou
no fruto duma atroz contradição
Despotismo e poder, revolta e liberdade,

Senhores e ódio, genocídio e guerra
em nome até da justa Santidade
quanto de sangue se ensopou a terra…
Ó quanto o Homem alongou o braço
desde que a primeira vez ele empunhou
na mão a pedra, a maça, o ferro, o aço
e quanto a ferro e fogo já ceifou
em bárbara e minaz, cruel vindima
que na consciência do homem já ferrou
o estigma horroroso de Hiroxima…

Num mundo em violência, mundo cão,
a arma é a mensagem em que se exprime
a fraqueza da força, a força da fraqueza;
E o homem tem a morte em sua mão
num desafio à própria natureza…

E se servindo a verdade se redime
também serve a traição… o ódio… o crime!

Sem comentários:

Enviar um comentário