Efemérides 12 de Dezembro
John Churchill (1901 – 1979)
Francisco Augusto da Silva nasce em Santarém. Comerciante e escritor, com 9 livros publicados: humor, sátiras, poesia, contos e um policiário. Nos escritos em vários jornais e revistas usa os pseudónimos Francisco de Santarém, Fransilva, Scabilitanus e John Churchill para o romance policiário:
1 – O Mistério Do Avião Cinzento (1945), Nº5 Colecção Misteriosa, Livraria Progredior.
Don Pendleton (1927 – 1995)
Donald Eugene Pendleton nasce em Little Rock, Arkansas, EUA. Ensaísta, poeta, argumentista, contista, escritor de ficção científica, de acção/aventura e de mistério/crime. Escreve mais de 125 livros ao longo da sua longa carreira literária e está publicado em mais de 25 línguas diferentes, com 200 milhões de cópias editadas em todo o mundo. A sua principal criação é o herói americano Mack Bolan:The Executioner. Na narrativa policiária cria as séries Joe Copp, um investigador privado e Ashton Ford, um espião perito em criptografia — cada série tem 6 títulos publicados. Escreve ainda 10 romances policiários sob o pseudónimo Stephan Gregory.
TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — PERCY, O DETECTIVE DE O MISTÉRIO DO AVIÃO CINZENTO
Quem é o detective, o principal personagem de “O Mistério do Avião Cinzento”, romance policiário de John Churchill?
Respondemos: um jovem de 28 anos, natural de Oxford, pertencente ao corpo redatorial do “London Times” que dá pelo nome de Percy Wallace. Tem, segundo o próprio, na cachimónia soberbos projectos de livros… mas escritos e publicados, apenas dois: um de contos sentimentais e outro de crónicas emotivas. A veia sentimental patente, leva um camarada a classificá-lo de “europeu nórdico com alma meridional”. É no entanto um puro sangue inglês, filho de uma rica herdeira de Brighton e de um inflexível e honrado advogado de Oxford. Solteiro, sente uma indiferença tenaz pelo menino Cupido, todavia aprecia ao prazer de uns olhos e lábios de mel femininos, vive em Londres ao som das badaladas do Big-Bem caídas do alto da Torre do Parlamento, para onde veio depois de abandonar um curso universitário e dá-se ao luxo de ser servido por um criado de nome Eric. É um supersticioso, mas não acredita em poderes sobrenaturais. Duvida, por vezes, da sua real capacidade e qualidades de detective amador, porquanto está sempre a pensar, ainda que indevidamente, no fracasso, ao contrário do seu amigo, o inspector da Scotland Yard, Robert Spencer, o homem de olhar de lince, fumador de cachimbo — um enorme cachimbo — enquanto Percy fuma cigarros.
Wallace e Spencer fazem uma dupla terrível no domínio da investigação policiária. O último, profissional capaz não consegue levar a melhor sobre Percy, que vê, investiga relaciona, deduz. Spencer só lhe confirma as conclusões e faz os trabalhos de rotina: este o destino dos profissionais face aos amadores de ficção!
TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE VINCENT CORNIER — O ÚLTIMO ROUXINOL
O fazendeiro ouviu o primeiro jug-jug-jug do rouxinol, e parou. Enfiou a espingarda de doze tiros debaixo do braço e ficou à escuta. Os jovens coelhos, já atarefados na obra de devastação do trigo, ficaram a salvo. Qualquer que fosse a exigência da lei, não se podia disparar no suave entardecer de uma campina inglesa, quando o rouxinol cantava.
Sem ruído, Hodgson avançou ao longo da cerca de espinheiros. Um abrigo em ruínas erguia-se do tapete verde das pastagens, ao seu lado as paredes sem telhado ostentavam floridos festões de sabugueiro e tenras mudas de sicómoro. O pássaro devia estar lá. Todos os anos os rouxinóis faziam o ninho naqueles verdes impenetráveis — daí a razão de jamais ter permitido que se consertasse ou derrubasse o cercado.
Ano após ano, fiéis à época e ao lugar, os rouxinóis voltavam para fazer das noites um espectáculo glorioso. Lembrou, sombriamente, que Annie sabia sempre com exatidão o dia em que o canto seria ouvido. Engraçado aquilo. O calendário não adiantava: ele mesmo o verificara. Mas Annie acertara sempre.
— John — dizia ela — aposto o que quiseres como esta noite ouviremos o canto.
E não falhara uma só vez.
Bem, Annie repousava em paz e a maravilhosa premonição desaparecera com ela. Mas ele dava-se por feliz que os pássaros não tivessem esquecido a sua solitária fazenda. Sorriu e suspirou: talvez aquilo é que o pastor entende por compensação.
Pois, agora o canto do pássaro era um vibrante triunfo… Atravessava o primeiro momento do crepúsculo com uma trémula e bela melodia. Tudo em volta se calou, como que para melhor ouvir. O canto era tão assustadoramente doce e tão rico de emocionantes mistérios, que levava um homem a rezar.
O fazendeiro curvou a cabeça. Ainda no ano anterior, numa noite calma como aquela, Annie ouvira também.
Chegou ao fim da cerca de espinheiros em passos tão reverentes como os de um crente diante do altar. Uns cinquenta metros mais adiante, o abrigo levantava as ruínas por entre os juncos verdes e um enredado de urtigas. As folhas da torturada árvore de Judas abriam-se como mãos pequeninas de bebés e as das mudas de sicômoro balançavam nas pontas das hastes cor de púrpura. Bem no fundo daquele emaranhado verde, o pássaro castanho tremeu no seu êxtase, dizendo à companheira que ali estavam os dias de milagre e que dentro em breve nova vida surgiria.
Hodgson imobilizou-se cheio de admiração e de assombro, tocado pela profunda beleza da noite que caía.
Era fácil, naquele momento, relembrar aquela mesma caminhada que, vinte anos atrás, fizera com o pequenino Johnny. Naquele tempo os rouxinóis eram novidade naquelas bandas. Hodgson sentia ainda o contacto dos dedinhos ossudos de Johnny e a respiração acelerada pelas maravilhas que os cercavam.
— A mãe diz — e o pequeno Johnny levantara o rosto sardento onde brilhavam dois olhos azuis — a mãe diz que deve haver umas linhas mágicas traçadas no ar. Nós não as vemos, mas os rouxinóis e outros pássaros vêem. Por isso é que encontram o caminho dos países quentes para cá, e sabem também a hora de voltar.
— Ora, talvez, talvez. Qualquer coisa parecida — murmurara.
— Só Deus poderia pôr as tais linhas onde estão, não é, pai? Deve ter sido Ele, não é?
— Concerteza. Tal e qual.
Johnny silenciara-se durante alguns instantes e depois assentira com a cabeça cor de linho.
— É tão emocionante, não achas? Saber que tudo isso é verdade.
Porém nenhuma linha aparecera noite de Deus para indicar o caminho ao pobre Johnny quando a sua hora soou. Perdido na imensidão do mar, mergulhara para uma tumba ignorada. Ele, que não precisava ter ido para a guerra, é que deveria ter ficado para seguir os seus ancestrais, trabalhando na terra.
Mas com todos os diabos, que choramingas estava! Não adiantava de nada pensar naquilo tudo. Apesar disso, de vez em quando um homem sente nos ossos a necessidade de voltar ao passado…
O rouxinol parara de cantar.
Hodgson enxugou os olhos e ficou à escuta. Jamais ouvira o pássaro interromper ou cessar o seu canto depois de ter começado: então soou um pequeno grito abafado — como o de uma criança que cortou o dedo… ou se queimou, pensou o fazendeiro. Era quase um som humano, algo que nunca ouvira de um pássaro, até ali — pois indubitavelmente partira do rouxinol
O fazendeiro avançou correndo. Percebeu que os verdes dentro do abrigo de pedra se agitavam. Algo ou alguém agia ali, movimentando-se no emaranhado de plantas.
De repente, um rapazote alto se pôs de pé. Andara a vasculhar o solo. O rosto feio trazia estampado o desapontamento. Empurrou o boné de tweed para trás com a mão vermelha como um presunto, a segurar uma funda.
Hodgson sabia quem era: Chuck Bentham, um labrego da vila — larápio, caçador furtivo e coisas piores. E pelo jeito, Bentham agora matara o rouxinol — sim, matara o rouxinol. Com os olhos desanuviados, Hodgson viu uma bola de penas cinza e castanha pousada suavemente nos galhos baixos, do espinheiro.
Bentham matara o rouxinol — como matara a cabra de estimação dos filhos do Reitor. Como matara o potro do doutor. Como matara os pombos-correio, o ganso de asa quebrada, os gatinhos, os cãezinhos…
Muitas e muitas vezes fora julgado pelos actos de crueldade. Como dissera o primeiro jurado na última vez: “Você é um sádico e um criminoso, talvez precise mais de assistência médica do que de sentenças de prisão…”
Eles e os seus “tratamentos médicos”! Hodgson cuspiu. Bentham não passava de lixo humano. Nascera errado, vivia errado e com toda certeza teria um mau fim…
Trémulo de raiva, Hodgson firmou-se e berrou, fazendo que o rosto maligno de Bentham se voltasse assustado para ele.
Mas refazendo-se depressa, apertou-os olhos e entreabriu os lábios num sorriso seco. Em silêncio balbuciou uma obscenidade, mas Hodgson entendeu o que dizia tão claramente como se o tivesse enunciado em voz alta.
Tranquilamente o rapazote baixou-se e enfiou a funda no bolso. Depois estirou-se no chão e começou a rastejar com assombrosa velocidade por entre os juncos. A acção era inteligente na sua forma rústica e baixa. Rastejando, Bentham podia chegar ao fundo da cerca e fugir por entre as ramadas de espinheiro, onde o corpulento e velho fazendeiro não o poderia seguir e nem mesmo alcançar com o braço para o agarrar.
Mas Hodgson não fez nem menção de segui-lo. Ficou onde estava, entre as moitas, esperando… tal como outrora, naquele entardecer, ficara ao lado de Johnny a acariciar–lhe a cabecinha loura e serena. Hodgson sofreu uma verdadeira agonia. Tudo que lhe restava na vida era o doce rouxinol — e agora o rouxinol morrera, a adorável dinastia terminara para sempre.
Hodgson deixou Bentham avançar uns dez metros ao longo da cerca de espinheiros. Depois levantou a arma e assim que a cabeça do rapazote apareceu numa brecha, atirou.
Como disse o Coroner, mais tarde: um homem com um boné claro de tweed, a rastejar no fundo de uma sebe de espinheiros, está mesmo a pedir que o tomem por um coelho.
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