Efemérides 18 de Dezembro
W. Strong-Ross (1888 - 1980)
Francisco Valério Borrecho de Rajanto de Almeida e Azevedo nasce em Chancelaria, Alter do Chão, Alto Alentejo, Portugal. (Ver TEMA). Autor de livros policiários sob o pseudónimo W, Strong-Ross, cria os personagens Lord Robert Marcolm, Inspector Ryan, Charles de Winters e Dr Chase. Bibliografia policiária do escritor:
1 - Cemitério Sem Cruzes (1956), Nº60 Colecção Xis, Editorial Minerva. Reeditado com o Nº11 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
2 – Aquela Casa Amarela (1958), Coimbra Editora.
3 - A Ciência Do Monstro (1959), Nº1 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
4 - Os Crimes Da Carne (1959), Nº2 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
5 - O Subconsciente Viu Os Crimes… (1959), Nº3 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
6 - Um Processo Singular Subconsciente (1960), Nº5 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
7 - O Caso De Leicester Square (1961), Nº6 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
8 - A Morte, Escolheu… (1962), Nº7 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
9 - A Rede Vazia (1963), Nº8 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
10 - Tentações Perigosas (1963), Nº9 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
11 - As Corujas Piam De Noite (1964), Nº11 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
12 – O Homem Que Morreu Muitas Vezes (1964), Cimo-Editorial Ficção e Ciência.
13 – A Fantástica Experiência: Romance de Ficção e Ciência (1965), Cimo-Editorial Ficção e Ciência.
14 – A Escalada Dos Espiões (1967), Nº12 Colecção Um Livro Confidencial, Coimbra Editora.
15 – Na Sombra E No Silêncio (1967), Nº14 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
16 – Fantasmas No Espelho (1970), Nº15 Colecção Criminalidade, Coimbra Editora.
TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — W. STRONG-ROSS, DIGNO REPRESENTANTE POLICIÁRIO
Por M. Constantino
Francisco Valério Borrecho de Rajanto de Almeida e Azevedo nasceu em finais do século XIX. Vocacionado para as Letras, chegou a frequentar o Curso de Letras, especializou-se em Arte de Teatro, Canto, Arte de Bem Dizer, Fonética, campo em que escreveu e editou onze peças de teatro, representadas tanto por companhias nacionais, como estrangeiras. Foi dramaturgo, poeta, jornalista, compositor, ensaísta de ópera e de teatro sob os nomes de Francisco Azevedo e Valério de Rajanto e pseudónimo Paulo Santelmo. Possuindo vasta cultura no domínio da comédia, drama, crítica social, história, filosofia, estética, escreveu ainda 13 romances policiários com o pseudónimo Strong-Ross, que despertaram não só a curiosidade, mas também o interesse dos adeptos policiários, porquanto, cada um por si, além do surpreendente e vigoroso poder de confabulação do imaginoso ao real da existência é, plenamente, um estudo ao conhecimento e ao secreto das almas humanas. Notável psicólogo, W. Strong-Ross mostra-nos páginas vivas e sangrentas dos seus romances, sem rebuço, a vida, os medos interiores, a estrutura física e psíquica dos seus personagens e a revelação de abomináveis complexos que matam as almas, arruínam as existências, por vezes fatais taras hereditárias conscientes e letais a que não sabem ou não querem fugir, traçando um destino fatalista.
OS PERSONAGENS DE W. STRONG-ROSS
In Os Crimes de Carne
Lorde Robert Marcolm não era madrugador. Levantava-se às nove horas, tomava banho e barbeava-se.
O seu criado particular, Andrews, trouxera-lhe para o seu gabinete de trabalho, o pequeno-almoço: sanduiches de carnes frias, um ovo cozido e café com leite.
Este gabinete, afinal, era uma ampla sala, com tanto de fausto como de severidade. O fausto provinha da riqueza dos móveis, tapeçarias, quadros e objectos decorativos; a severidade ressaltava do aspecto arquitectónico, do alto tecto apainelado, do formidável fogão sustentado por colunas de mármore, e das portadas e janelões de grande amplitude.
Lorde Marcolm tinha então a idade de 33 anos. Era ainda solteiro. Criatura admirável! Um conjunto de qualidades físicas, mentais e morais, digno do mais alto apreço. A Natureza foi-lhe pródiga.
Bastante alto, muito belo, os olhos cinzentos e luminosos, os cabelos castanho-claros, ondulados e fartos, e, na pele, uma palidez aristocrática que lhe concedia alta distinção, Lorde Robert Marcolm era um homem perfeito, um daqueles exemplares humanos admiráveis, e dignos de servir de modelo para as estátuas de Apolo e Antinos. Forte e esbelto, mestre em desportos, riquíssimo, barão e marquês hereditário, ainda possuía, como suporte máximo destas óptimas condições, uma estrutura moral, perfeita e imaculada. Senhor de uma inteligência forte, viva, era formado em Ciências Histórico-Filosóficas. Possuía grande cultura geral. Era um sociólogo, um filósofo, um psicólogo. O seu amor pelos assuntos de Criminologia, revelava a formação do seu espírito ordenado e justo. Sem egoísmo, e até com sacrifícios, perseguia o crime, por amor à ordem social e para defesa das pobres vítimas dos criminosos. Não tolerava o mal, quando praticado sem razão nem direito. E mesmo com o direito da razão, não aceitava o supremo crime, isto é, o crime do homicida. Só admitia, em certas condições excepcionais, o caso da legítima defesa, ou seja, o direito de alguém matar a fera, ou o homem, que o ia matar.
Enfim: Lorde Marcolm era um homem bom e justo. Como filho, como amigo, como figura social, o seu carácter afectuoso e leal, e o seu trato, elegante e cortês, tornavam-no uma criatura exemplar, amada por todos. Era o aristocrata, o homem de bem, em tudo. E, também era “le prince charmant”, o ideal sonhado por muitas e belas Ladies…
Ah! Mas ele era tão difícil, tão discreto…
Eram dez horas e meia quando Lorde Robert Marcolm entrou no gabinete do inspector Ryan, na Scotland Yard.
— Oh! Milorde! Que grande prazer em vê-lo!
— Viva, meu caro Ryan. Folgo de o ver bom.
Os dois homens, amigos sinceros e colaboradores, desde alguns anos, na caça dos criminosos, apertaram-se as mãos com a maior cordialidade.
— Já sei o que o trouxe aqui, milorde. O assassinato de Lady Emily Jason!
— Acertou, Ryan. Estou bastante impressionado.
O PENSAMENTO DE UM PERSONAGEM
In Os Crimes de Carne
Estou na perspectiva de mais um facto sem remissão. Tenho de o realizar. A carne é cheia de fomes e sedes. E estas, matam-se com a morte de outra carne. É uma lei fatal; mas ignorando-a, forjou-se outra lei. E esta determina, que é crime toda a morte forçada. Menos a dos animais! Coitados! Não fazem leis que lhes defendam a pele. Ah! Mas os desejos da carne não admitem peias, mesmo nos humanos e mesmo à custa de mexer nas fatalidades. A carne, quer carne: viva e morta.
E a Fatalidade, com a sua mão de chumbo enrubescido, chama-me e aponta-me o velho caminho do meu Destino. É um caminho inevitável, bem o sei… E é a chama vermelha do sangue que o alumia. Decerto… A força causal do acontecer pessoal é a nossa única verdade. Mas saberei eu, exactamente, por que razão é esta a minha verdade? E alguém sabe, exactamente, qual é a sua verdade? Quais as etapas de emoções e de sensações e quais os trabalhos do cérebro que forçam uma pessoa a engendrar o seu crime? Quais as razões das causas? As aparências forjam as suas razões de verdade, mas nem as aparências e nem as suas razões são iguais para todos. Há aqui uma contingência e uma relatividade que reduzem a fumo as opiniões preconceituosas. Porquê? E isso, que importa? Não. Ninguém me pode interrogar sobre o porquê do que faço, do que fiz e do que farei: — o inexorável não dá respostas, porque não há porquê? E para quê? Portanto… o meu desdobramento é uma verdade da vida. Verdade que é quase inverosímil, por ser quase fantástica. Assim, sou como que irreal, um motivo que não provoca opiniões, já que não invoco as minhas razões nem procuro o aplauso de outras razões. O meu segredo — que é a minha vida — põe-me fora da vida, ainda que eu esteja dentro dela, e que, nela, crie vidas e aniquile vidas… O enredo dos paradoxos? Bem sei… Eles são os frutos inverosímeis, mas forçosos, das minhas anomalias. Sou uma Fatalidade engendrada, e vítima de outras Fatalidades.
Para tudo há razões: o nada, não tem matriz para conceber filhos ou, como quem diz, resultados. Mas felizmente que as razões das coisas não são idênticas para todos: há discrepâncias e também há o vício da discórdia... Da discórdia, esse produto da moral. Se não houvesse moral, só haveria inocência. Até o crime… não poderia ser outra coisa senão um acto inocente da Natureza: minhoca contra minhoca, tigre contra tigre: tragédias sem comentários morais e jurídicos. Apenas a paz, e o triunfo da vida mais válida, para o vencedor.
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