Efemérides 27 de Dezembro
P. T. Deutermann (1941)
Peter T. Deutermann nasce em Boston, Massachusetts, EUA. Militar de carreira durante 26 anos publica o seu primeiro livro de ficção em 1992 Scorpion in the Sea. Em 2005 inicia a série Cam Ritcher, que conta com 4 livros. No total P. T. Deutermann tem 15 romances policiários publicados e este ano, o romance Pacific Glory recebe um prémio literário, Excellence for Military Fiction.
TEMA — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA (28)
Continuação de CALEIDOSCÓPIO 357 (Clicar)
Mais de um século depois do nascimento de Sherlock Holmes em 1887, o personagem nada perdeu do seu esplendor. Alcançou uma aura mística, tornou-se o arquétipo do investigador infalível e entrou na vida corrente de cada um de nós ao preencher o léxico para o decifrador de enigmas
O culto do místico personagem revela-se não só no elevado número de clubes holmesianos que se espalham por todo o mundo, como nos estudos, teses e contra teses sobre o mesmo, podendo afirmar-se com um certo à vontade que nenhum aspecto, por mais recôndito, foi esquecido. Dificilmente se poderá abordar um assunto sherlockiano que não tivesse sido, melhor ou pior, objecto de exploração. Nenhuma outra figura, em qualquer outro tipo de literatura, juntou à sua volta, a partir de poucos anos do seu sucesso, tanta popularidade.
Ao proveito do autor e à aura do personagem, segue-se um séquito interminável de rivais. Não os rivais que resultam do próprio texto de Doyle, ou sejam aqueles que o eram por antinomia ao seu trabalho, para sermos mais explícitos, os casos de Moriarty ou o Coronel Moran, ou por oposição no estatuto profissional, como Lestrade, Gregson, Bradstreet, Stanley Hopkins, Barker o investigador privado, Leverton o detective da Pinkerton, etc, mas os competidores “pastichidas”, “émulos” e “usurpadores”, termos estes por vezes pouco acessíveis para classificação dos textos_
De qualquer modo, nesta avalanche insofismável, a excelência do valor do personagem contém-se na continuidade para além da vida humana, sem distinção de fórmulas distintas releva como uma segunda saga infinita.
A onda de “pastiches” — entenda-se nos textos sérias e sátiras, as primeiras como aventuras apócrifas do herói, exactas na personalidade, no clima e estilo, como que escritas pelo próprio criador; as segundas que respeitam a imitações burlescas, caricaturais, revelando ironia ou comicidade, em regra imagens distorcidas da figura modelo — são incontáveis.
Seguem-se os “émulos”, aqueles que não contendo o cunho característico do herói, o procuram igualar ou superar, e os “usurpadores”, cuja fauna proliferou no mundo anglo-saxónico e Europa continental, sem respeito pelo personagem, pelo criador, em nome de quem subscreviam histórias significativas e, pelo próprio leitor — alvo de duplo abuso Não obstante, este último atrevimento de tais artifícios, Holmes ganhou em propagação, não sendo embora, nem adequado nem serio procedimento.
Não vamos falar de Holmes — não seria mais do que uma repetição de repetições. Porém parece-nos o momento próprio para encerrar a BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA, porquanto o tipo de pesquisas que antecederam e passaram por Poe até Conan Doyle está feito. A partir daqui, o leitor poderá obter história e ficção sobre os seus autores e personagens favoritos, Livrarias, bibliotecas, Internet são as fontes ideais para mitigar a sede de conhecimentos policiários.
Estamos gratos pelo interesse proporcionado, se chegou a obtê-lo!
M. Constantino
TEMA — CONTO DE JOHN BRUNNER — A MÃO DO PERITO
Uma estranha história…
Fora, na noite quente e primaveril, começou subitamente um martelar irregular. Depois da primeira meia dúzia de golpes, uma voz rouca elevou-se sem qualquer senso de ritmo, entoando uma canção.
Na barraca confortável e bem iluminada, onde estava de visita ao centurião seu amigo, o elegante jovem da equipa do governador torceu o nariz, para mostrar desagrado disse:
— Gosta desta música abominável?
— Não! — exclamou o centurião. — Mas seria preciso mais do que o meu poder sobre os meus homens para pedir-lhe que calasse a boca. Não sabe quem ele é, não é verdade?
— Como poderia saber? — indagou o elegante jovem, e tornou um gole da sua taça de vinho samiano. — Este seu vinho é excelente. Quem lho manda?
— Um grego. Vou enviar-lhe um barril, já que gosta tanto. Como estava a dizer…não sabe quem é o cantor?
— Tenho pouco contacto com os soldados — declarou o jovem sarcasticamente.
— O nome de Decius Asculus significa alguma coisa para si? — perguntou o centurião, e sorriu, ao notar a compreensão no rosto do seu amigo.
— A quem chamam Perito? Ele é realmente um de seus homens?
— Sim, Quer dar uma olhadela?
— Claro que sim! — o elegante jovem levantou-se.
Com o centurião ao seu lado, saiu da barraca. Um homem corpulento, nu até a cintura, estava a trabalhar numa tosca mesa de madeira à luz de uma tocha segura por um legionário. O seu trabalho consistia em bater pregos enormes com uma marreta. A cada golpe, o pátio parecia estremecer.
— Então é este o Perito? — Murmurou o jovem elegante. Colocou a mão no braço do seu amigo.
— Sim! O motivo por que está a cantar assim é que tem três pessoas para amanhã, e isso deixa-o sempre contente.
— É tão bom como dizem?
— Melhor. Preciso, cuidadoso, exato… Devia vê-lo a fazer o serviço. Se quiser, poderá vir vê-lo amanhã!
O elegante jovem encolheu os ombros.
— A ideia excita-me. Naturalmente, não posso avaliá-lo com certeza da mesma forma que um homem de acção como o senhor, mas uma pessoa sempre precisa preparar-se para tudo, não é?
— Perderá a sua relutância rapidamente, acredite-me. É puramente um prazer observar um verdadeiro perito como ele.
Declus Ascuius parou de cantar. Lançou um olhar para o centurião e para o amigo.
— Aposto um denário como o centurião está a convidar o amigo para ir à montanha amanhã — disse.
Ante a palavra “montanha”, o legionário estremeceu e a tocha balançou na mão.
— Estás de serviço amanhã na execução, filho? — perguntou o homem enorme.
O jovem legionário anuiu. Decius prosseguiu:
— É a primeira vez, hem rapaz?
— Vais acostumares-te.
Decius Asculus arrumou os pregos sobre a mesa. E colocou a marreta ao lado deles.
— Além disso, as pequenas festividades de hoje não são nada em comparação às dos velhos dias. Já ouviste falar da Revolta dos Escravos? Quando foram dominados, foram crucificados ao longo das estradas como uma lição. Eram mais de cinco mil. Muitas vezes desejei ter estado lá. Sabes como me chamam? O Perito. Não apenas um perito, mas O Perito. Enviam-me os novatos para aprenderem o serviço. Observa amanhã com cuidado, quando estiver na montanha. Será uma honra ver Decius Asculus em acção! Mais do que isso, eu farei um favor especial, já que és um bom rapaz. Dá-me a tua mão.
O jovem hesitou. Decius Asculus segurou-o pelo pulso. Com a longa prática que tinha, virou a mão, esticou-lhe os dedos e selecionou um prego da mesa.
Viste bem?— indagou. — Não importa quão relutante seja, posso sempre abrira sua mão, quando quiser. Manter a mão quieta é uma coisa importante. Muitos homens soltam-se porque as mãos não são bem pregadas na cruz. Soltam-se penosamente, devo acrescentar. Para escapar à morte, não se importam em perder um dedo para se soltarem do prego
O rosto do jovem era pálido à luz da tocha.
— Assim! É preciso colocar o prego no meio da palma da mão!
O rapaz soltou a tocha e puxou a mão. Soltou-se e correu para longe.
Não era um dia ruim. Havia uma multidão seguindo os homens condenados. Eram três. Mas Decius Asculus não podia esquecer-se da Revolta dos Escravos, quando cinco mil homens foram crucificados. Ah, isso é que fora execução uma execução digna do Perito em grande escala. O máximo que tivera de uma só vez fora uma dúzia, a tripulação de um navio pirata capturada em Cesarea.
Entretanto, não havia motivo para não fazer um trabalho perfeito.
Não pensara em perguntar quem eram os três homens daquele dia. Não se preocupava com tais assuntos. À espera na montanha, ao lado das três cruzes, voltou-se para um de seus ajudantes e perguntou, sem sentir propriamente curiosidade:
— Quem são eles?
— Dois ladrões — murmurou o indivíduo— E esse homem santo que trem causado tanto tumulto na cidade,
Ninguém de importância. Decius Asculus voltou para onde estava.
Quando chegou o momento de começar trabalho, Decius sorriu. Aquele era o seu clímax. Apanhou o primeiro prego. Era para aquilo que vivia. Segurou o prego entre o polegar e o indicador, colocou a ponta no meio da mão do condenado e então, “bam!”
Algumas vezes, os crucificados choravam e gritavam ante o primeiro golpe. Às vezes desmaiavam. Ele preferia os que gritavam. Isso indicava que eram fortes e que gostariam de viver um pouco mais O sangue aparecia nos buracos e começava a pingar.
Então cuidava dos pés, com a mesma prática demonstrada para as mãos. Ver o prego penetrar na carne dos outros significava mais para Decius Asculus do que comida ou vinho — quase mais do que uma mulher mesmo.
Os ladrões valeram a pena. Lutaram. Um deles desafiou a dor e quase conseguiu dar-lhe um pontapé na cara, antes de ter o pé pregado.
O terceiro homem foi um desapontamento. Parecia sem alma, sem coragem. Não fez qualquer tentativa de resistir. Apenas abriu as mãos, para que os pregos penetrassem na carne. Não gritou, como os ladrões: Isso aborreceu Decius. Indicava que não viveria muito e algumas pessoas poderiam dizer que ia morte fora devida a um erro da parte do executor. Isso poderia prejudicar a sua fama.
Quando chegou aos pés, torceu os pregos para se assegurar de que estavam firmes.
— Pronto, fraco — exclamou Decius. Levantou os olhos e começou a voltar-se…
E parou.
Os olhos do homem na cruz estavam abertos e olhavam diretamente para os seus.
— Você tinha razão a respeito do Perito! — disse o jovem elegante ao centurião, depois de tomar um cálice de vinho samiano. — Fiquei impressionado com a perícia no outro dia. Haverá outra execução amanhã, não? Devo declarar que gostaria de assistir também.
O centurião franziu a testa.
— Poderá assistir se quiser. Mas Decius Asculus não estará lá.
— Por que não? Oh!— o jovem sorriu. — Algum general roubou-lho, posso ver peia expressão do seu rosto.
— Não.
O rosto continuou a apresentar sinais de preocupação.
— Não. Aconteceu uma coisa extraordinária. Estava a dar uma volta naquela mesma noite, depois da execução, e passei pela barraca onde Decius Asculus devia estar a-dormir. Ouvi um ruído e então escutei a sua voz tentando entoar aquela canção horrorosa do outro dia. Assim, chamei um homem da patrulha e fui ver o que estava a acontecer.
— Que descobriu? — Indagou o jovem elegante, servindo-se novamente do rnesmo vinho.
— Descobri… — o centurião não parecia muito seguro de si — Não deixe isto espalhar-se ou o povo poderá começar a falar. Bem, lá estava Deciuus, sentado à mesa no centro da barraca, com uma pequena tocha à sua frente, a marreta e uma porção de pregos. E Decius pregara a sua própria mão à mesa. Quando lhe perguntei o que estava a fazer levantou apenas os olhos e disse que estava a tentar pregar a outra mão à madeira. Talvez conseguisse se pusesse o martelo entre os dentes, foram as suas palavras.
— Que coisa extraordinária! — declarou o jovem, e começou a falar a respeito de outro assunto.
Sem comentários:
Enviar um comentário