Efemérides 4 de Dezembro
Cornell Woolrich (1903 - 1968)
Cornell George Hopley-Woolrich nasce em Nova Iorque, EUA. Contista e romancista, inicia a sua carreira nos pulp magazine Black Mark, Detective Fiction e Dime Detective. Hoje é considerado um dos melhores autores americanos do policial negro, a par de Chandler e de James M. Cain. Escreve também sob os pseudónimos William Irish e George Hopley. Autor de uma obra incomparável, os seus livros mais populares são The Bride Wore Black (1940), Night Has A Thousand Eyes (1945) e I Married a Dead Man (1948) publicados respectivamente como Cornell Woolrich, George Hopley e William Irish. É ainda conhecido pela autoria do conto It Had to Be Murder (1942), base do filme Janela Indiscreta de Hitchcock. Em Portugal os contos do escritor estão dispersos, publicados em vários magazines e colectâneas. É possível encontrar o registo da edição de vários livros do autor. As editoras nem sempre respeitaram o pseudónimo utilizado pelo escritor, assim optamos listar de acordo com o nome de capa da edição portuguesa, com indicação do pseudónimo original caso não coincidam.
Cornell Woolrich
1 – A Noiva Vestia De Negro (1940), Colecção As Maiores Obras de Mistério e Acção, Editorial Século. Título Original: The Bride Wore Black (1940). Reeditado em 1988 pela Editorial Caminho, com o Nº66 da Colecção Caminho de Bolso Policial com o título A Noiva Vestia De Preto.
2 – Vingança Diabólica (1952), Nº15 Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: Rendez Vous In Black (1940).
3 – A Cortina Negra (1969), Nº125 Colecção Rififi, Editora Íbis. Título Original: The Black Curtain (1941).
William Irish
1 – A Mulher Fantasma (1950), Nº38 Colecção Vampiro, Editora Livros do Brasil. Título Original: The Phantom Lady (1942).
2 – A Serenata Do Estrangulador (1954), Editora Minerva. Título Original: Strangler's Serenade (1951).
3 – O Anjo Negro (1955), Nº117 Colecção Os Melhores Romances Policiais, Clássica Editora A.M. Teixeira. Título Original: The Black Angel (1943). Publicado pelo autor sob o nome Cornell Woolrich.
4 – Valsa Sombria (1957), Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: Waltz Into Darkness (1947).
5 – Ronda Nas Trevas (1957), Nº67 Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: The Black Path Of Fear (1947). Publicado pelo autor sob o nome Cornell Woolrich.
6 – A Intrusa (1958), Nº84 Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: I Married A Dead Man (1948).
7 – Noite De Angústia (1960), Nº96 Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: The Room With Something Wrong (1938).
8 – O Autocarro Sai Às Seis (1961), Nº105 Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: Deadline At Dawn (1944). Reeditado em 1974 pela Editora Acrópole, Nº43 Colecção Série Confidencial com o título O Fim Do Prazo.
9 – A Cortina Negra (1961), Nº122 Colecção Xis, Editora Minerva. Título Original: Black Curtain (1941). Publicado pelo autor sob o nome Cornell Woolrich.
TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — WOOLRICH / IRISH E O SUSPENSE
Não sendo o suspense um género — ainda que alguns assim o entendam como tal — mas tão só, uma atmosfera aplicada à narrativa de qualquer género, é sem sombra de dúvida, um motivo de interesse apreciável da valorização da mesma narrativa. O termo não é invulgar ver-se nas capas dos livros como chamariz, incluindo aqueles que se vêem alcunhados de bestsellers.
O verbete do dicionário atesta que o correspondente de suspense é “incerteza, ansiedade, dúvida, indecisão. Mas as enciclopédias vão mais longe:
“Estado mental de incerteza com expectativa ou desejo de decisão, e alguma apreensão ou ansiedade, condição de esperar ou ser mantido em espera por uma decisão, certeza ou acontecimento; menos comumente, estado de incerteza quanto ao que fazer, indecisão; dúvida, incerteza, hesitação”.
Evidentemente que há várias modalidades de supense, sem se falar no seu maior ou menor grau de intensidade e de vibração: o suspense dramático, o trágico, o terrorífico, o fantástico, o policial, convindo lembrar o simples enigma (como descoberta de um assassino, por exemplo), pode por vezes despertar a curiosidade pelo desfecho, sem suspense nenhum, ou seja, sem esse clima tenso de ansiedade e apreensão, que parece ser a sua característica definidora por excelência.
Pormenor de grande importância na literatura de suspense é o desfecho, que tanto mais eficaz será, quanto maior força concentrar no seu impacto emocional, impressionante e demolidor. Mas há também o que poderíamos chamar o suspense equívoco, quando o desfecho apresenta uma solução intencionalmente irónica, ou de certa forma desconcertante, fazendo baixar subitamente a atmosfera de alta tensão em que se conduzia a narrativa.
Não só o Cornell Woolrich, que também usou além do nome próprio os pseudónimos de William Irish e George Hopley, dominou o estilo e a técnica referenciada, outros o fizeram e fazem, mas o autor superou-se, do que é sobejo testemunho The Bride Ware Black (1940), que lhe abriu o caminho do êxito, mas quase a totalidade da sua obra, incluindo os contos, o confirmam.
Há estudiosos da matéria — e não sem certa base — que sintonizou a sua escrita com os próprios “estados de espírito” do autor. Filho de pais separados, diabético, alcoólico inveterado, profundamente afectado pela morte da mãe, que amava compaixão, reflectia na sua obra o drama o drama de uma existência permanentemente amargurada.
Seja como for, a verdade é que foi um novelista e contista brilhante, imaginativo ao extremo, frequentemente genial. A sua obra delineada com sucessivos planos de angústia e tensão, culmina no registo de atmosferas quase irrespiráveis, tragicamente vividas.
As vítimas, seres deprimidos e solitários, ameaçados por criminosos cruéis e empedernidos, sentem o horror da morte. O drama adensa-se enquanto o tempo se escoa velozmente nas folhas dos calendários, nos ponteiros do relógio… por vezes, drasticamente aniquilados, miraculosamente salvos nos últimos segundos: pobres criaturas que jamais se libertarão das garras implacáveis do Destino.
WOOLRICH / IRISH desenho de Joe Zabel |
TEMA — CONTO DE SUSPENSE (não obrigatoriamente de Woolrich) — A MELHOR PIADA
De Lix Agrable
É a maior de todas as piadas. Vou morrer dando gargalhadas…
Ela é pequenina, macia e os seus lábios pareciam de veludo sob os meus. Eu era louco por ela e não podia acreditar na minha sorte, quando consentiu em vir morar comigo. Coisa estranha… mesmo neste instante em que a vejo, recostada à mesa, soprando o fumo de um cigarro perfumado no meu rosto coberto de suor, não posso dizer que estou arrependido. Valeu a pena, enquanto durou. Depois de uma vida inteira com Emily, ela valeu o sacrifício. É o mesmo que tentar viver com asma, e possuir depois uma gatinha da Pérsia, de pelo sedoso, para acariciar.
Não se encontram muitas vezes mulheres assim, em cidadezinhas como esta. Habitualmente casam-se muito jovens, encantadas por uma noite de luar e por algum caseiro jovem. Ou então vão para uma grande cidade, ou fogem com um caixeiro-viajante que mais tarde as abandona.
Eu mal conseguia dormir à noite pensando nela, depois de ela ter vindo passar as férias na pensão da velha Harkinson, embora não conseguisse descobrir o motivo por que escolhera Orrinville. Esta não é uma dessas aldeias pitorescas, de cartão postal, que se costuma ver nos livros de viagens.
Agora sei porque veio para cá. Mas naquela ocasião não sabia.
Acho que ninguém na cidade se surpreendeu, quando ouviu dizer que Emily me abandonara, como sempre ameaçara fazer. Acho também que todos estavam satisfeitos por saberem que partira. Procurem compreender: todos gostavam de mim; mas não havia uma só alma que pudesse negar o ódio que tinha por Emily. Causava mais aborrecimentos com a sua língua do que possam imaginar; criava eternos atritos com a sua maledicência, e que eu saiba, destruiu pelo menos dois lares. Por isso, creio que houve um suspiro geral de alívio, e talvez uma prece em ação de graças por minha causa.
— Não sei como pudeste suportá-la tanto tempo — disse-me Tom Mc Crackell, ao encontrar-me na rua. — Se me permites, a tua mulher era uma criatura, mesquinha e insuportável, não era?
— Bem… sabes. Há de tudo neste mundo, Tom — respondi fracamente. — Não me parecia correto censurar-lhe o procedimento.
— Ouvi dizer que a pequena Stone, da pensão, está de olho em ti.
Sorriu, com ar de quem compreendia estas coisas.
— Acho que não posso pensar em casar-me outra vez. Não sou livre.
— Mas quem falou em casamento? Talvez, ela queira tomar conta da tua casa.
E o bom Mc Cracken piscou os olhos divertido.
— Afinal de contas, nada podem provar, ou podem? Qualquer cidadão tem direito de ter uma governanta, não é assim?
Foi assim que, após algum tempo, Ella Stone veio tomar conta da casa. Todos os habitantes da cidade pareceram divertir-se com aquilo, lembrando-se da metediça Emily, da sua língua afiada e dos anos de vida miserável que me fizera passar.
Não lamento o rumo que o caso tornou. Como já disse, valeu enquanto durou.
Mesmo no princípio, eu não conseguia compreender o que Ella, com seus cabelos brilhantes — embora depois de algum tempo começasse a notar que eram escuros na raiz — e suas mãos acetinadas, tinha visto em mim, o taciturno e amargurado Lute Brown. Não era uma jovem extravagante. Mesmo depois de descobrir a caixa, onde eu guardava as economias de vários anos, não me pediu coisas bonitas, nem outras frivolidades.
Naturalmente, a sua loucura era metódica. Mas eu nunca desconfiei; nunca sonhei.
Comecei a achar que o meu café tinha um gosto amargo; mas logo Ella se aninhava nos meus joelhos, e acariciava-me o pescoço como uma gatinha brincando, corria as mãos entre os meus escassos cabelos grisalhos e… bem, teria engolido até cicuta sem me queixar.
Depois as dores começaram. Não liguei importância a princípio, mas quando pioraram tanto que não conseguia abandonar o divã da sala de estar, disse-lhe que era melhor chamar o velho doutor Bradley. Os seus olhos abriram-se muito.
— Queridinho… dói-te assim tanto? Olha, meu amor, talvez uma massagem faça passar as dores.
Mas eu estava em agonia. Pouco depois afastei a mãozinha macia que me acariciava tão delicadamente o corpo.
— Acho que temos de chamar o médico, Ella. Vai procurá-lo.
Saiu e os minutos passaram. Fui cambaleando até à janela, para ver se chegavam, e caí no chão, depois consegui pôr-me de pé outra vez. Por um segundo, fiquei sem saber o que pensar. Lá estava ela, sentada num velho banco entre dois carvalhos, levando, de quando em quando, um cigarro à boca vermelha e apetitosa, soprando o cigarro entre os dedos de pontas escarlates, balouçando uma perna bem feita e o pé calçado.
Fiquei sem saber o que fazer. Era impossível sair e ir buscar socorro. Era tarde demais para isso. Era tarde demais para muitas coisas. Agora via claro e compreendia tudo. Compreendi o motivo por que uma mulher daquelas escolhera uma cidadezinha onde é relativamente fácil fazer amigos e pescar um bom peixe. Ficaria muito bem, quando eu desaparecesse. Mas… como esperava livrar-se do meu cadáver?
Creio que me viu, porque se pôs em pé com um sorriso satisfeito, atirou fora o cigarro e entrou. Estava segura. Era tarde demais para que eu fizesse alguma coisa por mim, ou contra ela. Sabia disto e linha a certeza de que eu também sabia.
— Como te sentes agora, Lute?
Perfeitamente à vontade, pensei, admirado. Parecia estar acostumada àquilo: acostumada a tratar com velhotes, depois a livrar-se deles, levando o que pudesse obter.
E foi assim que vim a saber. Sentada na beira da mesa, ela falou-me a seu respeito, fumando e olhando-me calmamente como se estivéssemos apenas a passar o tempo. Vivera numa fazenda isolada a cerca de cento e cinquenta milhas de Orrinville…
— Fui-me aborrecendo por não possuir nada: nem roupas bonitas, nem divertimentos, nada… Por isso, concebera a ideia que pusera em prática com tanto sucesso.
— Tu és o terceiro trouxa que liquido. Aliás, estas são pequenas viagens de negócios e nada mais — disse, rindo com ar indulgente, para consigo mesma. — Esta é a última. Já tenho o suficiente para viver no luxo o resto da vida. Obrigada, Lute, por me teres auxiliado.
— Como te livras das tuas vítimas?
— Muito simples. Levo-as comigo, como te levarei, quando voltar para casa. Tu desaparecerás muito simplesmente, como eu, no que respeita a Orrinville.
— Como me levarás contigo? — Não sou tão tola que não tenha planeado tudo — riu muito satisfeita com a sua esperteza. Farei o que já fiz antes; é claro que não posso deixar-te aqui. Se não houver um cadáver, não haverá provas de crime e, o que é mais importante, nenhuma suspeita. Toda a gente acreditará de bom grado que deixámos a cidade e ninguém pensará muito nisto.
— Mas… mas como? — balbuciei.
Eu estava numa agonia torturante, mas a minha vontade de ferro dava-me forças para esperar até o fim a elucidação daquele mistério. Ella! A linda, macia, deliciosa. Ella… uma assassina profissional.
— Vais enterrar-me?
Mostrou-se irritada com a minha estupidez.
— Não sejas tolo, como poderia fazer isso? Não se passa um minuto sem que um bisbilhoteiro venha meter o nariz, nesta casa para saber se é verdade o que todos pensam, mas não podem provar! Enterrar-te? Como poderia fazer isso aqui? Lá em casa há inúmeros lugares apropriados, onde tu nunca serias descoberto. Mas aqui? Fica certo de que não há, nesta casa, nem um cantinho onde eu possa livrar-me de ti.
O seu sorriso satisfeito cresceu, até se transformar em legítima gargalhada. Estava desvanecida com o seu próprio eu. Serão assim todos os assassinos? Acharão todos que podem levar a coisa até ao fim?
— Vou colocar-te naquela mala enorme, existente naquele sótão, que cheira tão mal. Descobri-a um dia, quando passei uma revista para ver se podia deixar de comprar a mala, o que é sempre perigoso. Não levarei outra bagagem, portanto não levantarei suspeitas. Numa hora, Tom levar-me-á à estação; ele já prometeu. Esta noite tu dormirás num leito permanente… muito longe de Orrinville. Nada haverá para revelar…
Começou a explicar os detalhes, mas eu não a ouvia. Os seus olhos arregalaram-se, quando comecei a rir. Mesmo com aquelas dores cruciantes, o meu riso ainda soava como uma gargalhada.
Não o pude evitar. É a melhor piada que já ouvi. E, eu vou mesmo morrer dando gargalhadas. Ela não pode levar-me na mala. Sabem porquê? Porque Emily está lá dentro! Ah! Ah! Ah!
Sem comentários:
Enviar um comentário