Efemérides 10 de Dezembro
Herbert Brean (1907 – 1973)
Nasce em Detroit, Michigam, EUA. Jornalista e escritor — saúde, folclore, música e policiário. Publica contos em vários magazines da especialidade da época. Os seus principais personagens são William Deacon, um jornalista e Reynold Frame, um escritor e fotógrafo freelancer. É eleito presidente da Mystery Writers of America em 1967. Publica 7 romances policiários entre 1948 e 1966: Wilders Walk Away (1948), The Darker The Night (1950), Murder Now And Then (1952) também editado com o título Hardly A Man Is Now Alive, The Clock Strikes Thirteen (1954), Collar For The Killer (1957) também editado com o título A Matter Of Fact, The Traces Of Brillhart (1961), The Traces Of Merrilee (1966). Publica ainda um livro de não ficção: The Mystery Writers Handbook (1956).
TEMA — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA — SÉCULO XIX - ANOS CINQUENTA 25
A primeira grande sensação de 1850 é a introdução do termo “detective” na literatura inglesa para designar o polícia-investigador, em quatro ensaios generalizados por “Detective Police” publicados na revista “Household Words”, da autoria de Charles Dickens.
O termo teve a aceitação que se conhece, ultrapassando a barreira literária à real e, hoje, mundialmente, é o termo indiscutível para designar:
o detective-amador, a exemplo de Dupin ou Peter Wimsey, que não faz profissão da detecção, mas exerce-a para simples deleite;
o detective privado, com ou sem escritório público, exerce a actividade como profissional remunerado e, por último;
o detective oficial, que é um elemento integrado na força pública, em qualquer das categorias que dela fazem parte.
Aqueles citados ensaios, revelam-se realmente por uma espécie de documentários-contos, com um sabor anedótico, descrevendo sob a forma de ficção, as técnicas dos primeiros detectives oficiais que trabalhavam à paisana.
“The Pair of Gloves” é o primeiro e parece referir-se a um dos doze homens que formavam o núcleo policial da espécie, o inspector Field, que Dickens, por decência, põe o nome de Wield. Admite-se, como possível, que as histórias referenciadas sejam colaboração de Dickens com Wilkie Collins (1824 – 1989), de quem se falará mais tarde, que tinha verdadeiro pendor para as histórias policiais.
Neste mesmo ano recordemos um escrito de Daniel Webster (1782 - 1852), uma das figuras mais populares da América da sua época, como estadista, advogado, bom vivant e escritor apaixonado pela literatura de crime.
Sobram-nos dúvidas, quanto ao classificar “Fatal Secret” — um dos escritos mais destacados da sua antologia, como conto ou ensaio, embora nos inclinemos para a última, tal a eloquência e visão.
Inevitavelmente teríamos que voltar a falar de Charles Dickens — e não será a última — para referir que “Bleak House” (1852/53), uma narrativa que faz parte da vasta, mas até esta data escassa, biblioteca policiária, e do personagem, o inspector Bucket, que e obrigatório na galeria de honra dos detectives ficcionados.
Muitos dos traços fisicos de Bucket são comuns a Field, o inspector amigo do autor e que dele marcou referências especiais. Como Field é um homem familiarizado com os marginais, os quais conhece bem e o respeitam, sabe disfarçar-se como Vidocq, é firme, delicado, compreensivo para com os pobres e, não sendo espectacular em matéria de averiguações e deduções é persistente bastante para levar a água ao seu moinho, gestos e defeitos que o tornam modelo dos detectives profissionais do futuro.
O novelista castelhano Pedro Antonio de Alarcón (1833 - 1891) publicou em “Cuentos Amatorios”, o que se poderá considerar a primeira narrativa de teor policial, “El Clavo” (1853). Ocorre o assassinato de D. Alfonso Gutiérrez del Romeral. Sem indícios ou deduções, o juiz do processo, Joaquín Zarco, descobre o culpado… se bem que este lhe confesse o crime. Alarcón era um narrador de estilo vivaz e, embora aquele relato tenha apenas valor histórico, justifica a referência.
“Les Mohicans de Paris” (1854) de Alexandre Dumas, os indícios, tal como o índio (Cooper), tem interesse para o detective Monsieur Jackal. Este é um polícia pouco recomendável no aspecto moral. De cortesia quase servil, bem vestido, indispensável tabaqueira e lunetas próprias de homem de distinção, conhece todos os ladrões presos ou soltos, mesmo os aprendizes, boémios, forçados libertados ou forçados em fuga… por outro lado, sabe seguir uma pista a fazer deduções dignas do futuro Sherlock Holmes.
Pela primeira vez, na presente narrativa, se aponta a célebre frase “cherchez la femme”, que tem corrido mundo em particular na boca de todos os detectives improvisados ou não, passando ao domínio público em geral.
O nome de Charles Barbara (1817-1866) é esquecido dos dicionários biográficos e bibliográficos, e embora tenha publicado dois romances e cinco livros de contos não parece ter sido um homem de sorte. Amigo de Baudelaire e apreciador de Poe, a sua estreia, no domínio do policial é “L'Assassinat du Pont-Rouge” (1855), em colaboração com Charles Desley; mais drama do que policial, revela imaginação e é o precursor na utilização de um jogo revelador de um crime considerado como perfeito. Nesta última intenção não foi bem sucedido.
Em “Histoires Émouvantes”, do ano seguinte, Barbara muda de táctica, e as pequenas histórias que compõem o livro, são mais aceitáveis, criando mesmo um novo tipo de polícia: mais espião ou denunciante do que polícia, cuja moral é tão suja como o próprio corpo — só toma banho quando faz a barba, o que não sucede há muitos anos.
William Russel, jornalista, nascido em 1821 na Irlanda, escreveu sob o pseudónimo de Waters, uma recolha de treze casos curtos sob o título de “Recollections of a Detective-Officer” (1856), ao qual se seguiu uma segunda série em 1859.
O pseudónimo é o nome do inspector da polícia de Londres e tem por colaborador ocasional Josiah Barnes. Conhece todo o ABC de investigação, que pode usar, é um excelente psicólogo praticante, admiravelmente secundado por Barnes.
O êxito da fórmula leva-o a escrever sucessivamente “Experiences of a French Detective-Officer" (1861) e “The Autobiography of an English Detective”.
Mais tarde acabará por escrever uma novela extensa, “O Inocente”, cujo êxito, sem precedentes na altura, com quatro edições sucessivas, coloca o autor como “criador da novela realista”.
Desconhecido da maioria dos interessados pela literatura policial é “Le Cabinet Noir” (1856), de Charles Rabou (1803-1871), constante de cinco volumes com extractos de casos judiciais, que vão de crimes invisíveis, morte em local fechado, armas de crimes inusitados, erros de justiça, etc… Rabou disse que o seu gabinete é um “ténebreuse officine ou se pratiquait, au nom de la raison d'État, la violation du secret des lettres”'; Paul Féval, classifica a obra de “roman social policier en action”.
A lembrar como elemento histórico “Deutsche Kriminalnovellen”, de H. Stahl, um volume de relatos fracos, que apenas demonstra o interesse dos alemães pelo género.
“Hunted Down” (1859), de Charles Dickens, uma história policial inspirada no caso Wainewright, que tinha convencido a irmã a fazer seguro de vida a seu favor e que a matou para receber o dinheiro. O autor visitou o homicida na prisão de Newgate para descrever a imagem real do culpado. É sua convicção que no romance tem mais interesse o carácter do criminoso que o seu acto. Rendido ao género e à influência de Collins, Dickens iniciou em 1870 “The Mystery of Edwin Drood”, que deixou inacabado, surpreendido pela morte.
E é curioso o que se regista com este último romance É sem dúvida a melhor obra policial do autor, pelo menos a mais intrigante, fascinante, porventura o mais discutido romance da literatura inglesa, porquanto, apesar de ter sido concluído por dezenas de autores de todas as categorias e nacionalidades (incluindo a portuguesa, na pessoa de Mário Domingues), cada um traçando as mais audaciosas e precisas análises e soluções, a verdadeira solução do enigma mantém-se em eterno segredo do autor.
Amigo de Dickens, com quem colaborou na revista “Household Words” e teria tomado parte na escolha da trama de “Bleak House”, William Wilkie Collins (1824-1889), inicia a publicação de “The Woman in White” (1859), uma novela policial e de intriga, baseada,- segundo se crê, num caso ocorrido em França, no séc. XVIII, em que uma mulher foi drogada e posta em reclusão para que fosse julgada e morta e a fortuna passar por seu irmão. A ficção transmitida por Collins ultrapassa qualquer ponto de semelhança é surpreendente dominante na construção do mistério. Para além deste e do desenho dos personagens envolvidos, surge um novo detective amador na pessoa de Walter Hartwright, um professor de pintura que havia sido contratado para ensinar desenho a uma das personagens.
As incidências do argumento são sempre engenhosas e, por vezes, surpreendentemente inesperadas, próprias de uma imaginação pouco corrente.
As primeiras palavras do romance, só por si, remetem para o mistério: “Esta é a história do que a paciência de uma mulher pode suportar, e de que a resolução de um homem consegue alcançar”.
Escritor de prodigiosa fecundidade, Pierre Alexis Ponson du Terrail (1829-1871), inicia em 1859 em “Exploits de Rocambole”, a série composta por cerca de trinta volumes, dedicado ao personagem por si criado: Rocambole. Génio do mal, bandido terrível, acaba um dia por se transformar em detective por conta própria (“Résurections de Rocambole” — 1862).
A sua filosofia, a partir dos doze anos, em que o conhecemos, criança abandonada, insolente e corrupta, a prática do roubo e do assassínio são-lhe familiares, assim como as prisões de onde foge com relativa facilidade, é de um raciocínio simples.
TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE HAROLD HELFER— CINCO SUSPEITOS
A prova pelo arroz é muito antiga e já tivemos oportunidade de a referir na BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA (Clicar), porém, é a primeira vez que a vemos aplicada a um conto.
Quando Marie Avalando foi encontrada degolada, e numa ravina, todos disseram duas coisas. Disseram que isso tinha sido feito por alguém tão selvagem quanto ela tinha sido, o que era realmente certo. Disseram também que não era muito provável que Pietro Manvelli, o delegado de Polícia da cidade, fosse capaz de encontrar o verdadeiro culpado. Havia muitos suspeitos prováveis do assassinato. Como de costume, Pietro Manvelli não tinha muita coisa para dizer Quando se cometia um crime, nunca falava muito sobre isso. À maior parte das pessoas, parecia fechar os olhos sonhar com ele; embora, de uma forma ou de outra, quase sempre conseguisse agarrar o culpado Isso deu-lhe uma reputação algo mística.
Desta vez, todos diziam que ele teria que fazer mais do que sentar-se na cadeira com os olhos meio fechados para resolver o crime.
Maria Avalando tinha cinco pretendentes conhecidos, e estes eram: Manuel Aqualla, José Prerez, Rudolph Spano, José Bronuva e Don Fillipa. Quando uma mulher é namoradeira, como é possível dizer quem foi dominado por um rasgo de ciúme e sacou uma faca contra ela?
É mais fácil resolver um crime quando não há suspeitos do que quando há cinco. E um é com certeza o mais culpado, mas qualquer um deles poderia ter cometido o crime. Principalmente porque a morte teve lugar num dia de festa, em que ninguém pode ter/certeza certeza dos movimentos das pessoas.
Mesmo quando Pietro Manvelli chamou todos os suspeitos ao seu gabinete, o povo sacudiu a cabeça. Rotina, disseram. Que se podia esperar daquilo? A reunião resultaria em nada.
— Estou um pouco surpreendido com o delegado — observou alguém. — Talvez esteja a perder completamente o tino. O que está a fazer não é nada subtil.
No seu gabinete, Pietro Menvelli encarava os cinco homens de pé à sua frente e dizia:
— Senhores, um dentre os cinco é o assassino de Marie Avalando. Talvez ela merecesse mesmo isso, mas tal coisa não interessa. O meu dever é procurar aquele que empunhou a faca. E é isso o que pretendo fazer. Talvez os senhores já tenham ouvido dizer que tenho uma maneira pouco comum, quase sobrenatural, de encontrar os culpados — continuou Pietro Manvelli, dirigindo a cada suspeito um ligeiro sorriso. — Pois bem, é verdade. Não posso explicar este meu dom. Embora neste momento eu ainda não saiba qual foi dos senhores que manejou a faca, saberei dentro de cinco minutos.
Fez ume pausa e fixou intencionalmente os cinco homens.
— Se o culpado deseja dar um passo à frente e entregar-se voluntariamente, esta é a sua última oportunidade — disse o polícia sem muita ênfase.
Ninguém se moveu.
O delegado sacudiu a cabeça.
— Os senhores não acreditam em mim — observou desapontado. — Os senhores não acreditam que tenha esse poder. Muito bem. Prossigamos.
Inclinou-se para a frente e pôs as mãos sobre uma tijela que estava em cima da mesa. Á tijela estava cheia de arroz cru e seco. Levantou a mão cheia de arroz e deixou que os grãos se filtrassem vagarosamente através de seus dedos.
— É somente arroz comum — disse, olhando para os cinco rostos sérios à sua frente.— Mas ele dir-me-á qual aos senhores tirou e vida a Marie Avalando.
Sem pressa e suspirando ligeiramente, Pietro Manvelli levantou-se da cadeira. Então efetuou a entrega a cada um dos cinco homens de um punhado de arroz da tijela.
— Agora, — disse— quero que cada um dos senhores ponha o arroz -na boca e o coma. Asseguro que- não há nada com o arroz — acrescentou. — Entretanto, ele me dirá o que quero saber.
Por um rápido momento os cinco homens entreolharam-se, e depois cada um deles colocou o arroz na boca. Pietro Manvelli voltou para a cadeira e sentou-se. Com os braços cruzados os observava com uma maneira estranhamente descuidada, quase com impassividade. Então, cerca de cinco minutos mais tarde, levantou-se novamente.
— Agora, tenham os senhores a bondade de abrir a boca — disse.
Os homens obedeceram e, como se fosse um oficial em inspeção. Pietro foi de homem em homem, examinando-lhes a boca. De pé, perto da mesa, o polícia não disse nada por um momento, mas ficou a olhar os cinco suspeitos pensativamente. Depois, com voz baixa e firme, anunciou serenamente:
— Quem matou Marie Avelando foi Rudolph Spano.
O jovem mencionado empalideceu e, com os olhos espantados e hesitantes, olhou um por um os presentes. Finalmente, com uma expressão entorpecida, os seus olhos fixaram-se no delegado. Mas não disse nada.
— Não é verdade? — perguntou amigavelmente Pietro Manvelli, com os sobrolhos um pouco franzidos, dirigindo-se ao acusado.
— Sim, sim, é verdade, fui eu mesmo — respondeu Rudolph Spano de maneira algo confusa.
Quando a notícia do que acontecera foi divulgada, todos na cidade passaram a olhar o delegado com mais respeito do que nunca, e Pietro Manvelli movimentava-se pela cidade tão sereno e pensativo que aumentava a impressão de que talvez fosse capaz de comungar com certas forças sobrenaturais.
Mas, com o Ex. Sr. Benito Mangue, o juiz local e seu grande amigo, Pietro Manvelli era menos abstrato.
— Não prejudica meu trabalho de defensor da lei o povo atribuir-me poderes místicos — disse sorrindo ligeiramente. — Mas com toda a honestidade, devo dar ao arroz uma grande parte da honra da descoberta de Rudolph Spano como o assassino… Ele foi o único que não o havia engolido. E não podia fazê-lo, pois sua boca estava completamente seca. Não conseguiu saliva para molhá-lo, e isso foi a indicação certa de um homem amedrontado, com culpa na consciência.
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