6 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 341

Efemérides 6 de Dezembro
Linda Barnes (1949)
Nasce em Detroit, Michigan, EUA. É autora de 16 policiários, 12 protagonizados pela  detective privado ruiva Carlotta Carlyle, de Boston, e 4 pelo detective amador /actor Michael Spraggue. Entre as várias  distinções atribuídas à escritora destaca-se: um Anthony Award e as nomeações para Shamus Award e American Mystery Award para a melhor Short Story com Lucky Penny em 1985; em 1987 recebe o American Mystery Award para Best Private Eye Novel a as nomeações para os prémios Edgar, Anthony, e Shamus com A Trouble Of Fools, o 1º romance da série Carlotta Carlyle.



TEMA — PSICOLOGIA CRIMINAL — A ESCÓRIA DO CRIME

De todas as manifestações do instinto carniceiro do homem as piores são, para a sociedade, o parricídio e o latrocínio. Custa aceitar uma justificativa da morte dada, sob qualquer pretexto, àqueles a quem o homem deve o próprio ser. Por isso os parricidas são repudiados como réprobos em qualquer classe da sociedade.
Matar para roubar é outra espécie de crime que não encontra atenuação no julgamento público. Tal é o crime hediondo de Plauto, em Rola Moca romance de João Alphonsus. Tudo, móbil, traição, premeditação, ajuste, noite, concorre para anegrar o quadro deste latrocínio.

Pedro Picharra, turco, vulgo Titio, contava sessenta anos e morava em casa de Plauto, há um ano; já não trabalhava mais, tinha alguma coisa de seu. Plauto concertou com outro o crime tremendo. Cerca de meia noite, ele com uma lamparina, o outro com um machado, se aproximaram da cama onde dormia o velho.
Anfrisio procurava imaginar como seriam essas fisionomias longínquas, na intensidade do momento dostoievskiano, caras sinistras espichadas para o bote, talvez apalermadas pela própria magnitude da trama em que se enredavam. A luz alumiou a cabeça de Picharra, onde o machado vibrou duas vezes, quebrando o silêncio enorme. O morto tinha consigo apenas 640$000, que o dono da casa entregou a sua mulher para esconder, para enterrar no terreiro… E Jogo deu o alarma, gritando que sua casa tinha sido invadida por facínoras que haviam trucidado o velho Pedro Titio…

No romance do Gilberto Amado, de um naturalismo que se situa entre Zola e Dostoievski, Natálio é um degenerado superior que mata certo capitalista para o despojar de seu dinheiro, realizando, o crime perfeito, sem deixar vestígios da autoria, tanto assim que afinal se encerra o inquérito, não se apurando quem foi o matador.
E Fayal, outro degenerado blindado de uma pasmosa insensibilidade, assim fala a respeito do estudante homicida:

Um bandido, um criminoso da pior espécie, que matava para roubar, frio, tão frio, e endurecido que pode viver em meio de inocentes, no meio de vocês todos, enconchado no seu mutismo, comendo o dinheiro da sua vítima, sem se inquietar — deixou-se arrastar num momento a confessar o crime, levado por um impulso; de tanto ouvir você falar em crime, diante de suas insistências de “criminalista”, das suas “teorias”, ele pensou certamente que você deveria ter estofo para compreender, à luz dos princípios gerais, um caso concreto individual…

Esse Nalálio é um tipo criminal de uma impassibilidade que revela nele o constitucional, dotado de uma tal capacidade de simulação que o tinham por modelo de virtude, a ponto de o tratarem por — O Cavalheiro. Gilberto Amado giza, nesse filho, um delinquente que não é raro nos meios de requintada civilização.

Em Rola Moça há um outro caso de homicídio à traição, ferida a vítima quando dormia. Na página do Sr. João Alphonsus há que fixar o desfecho estarrecedor e a alusão a Freud, quando lembra que o autor do crime é o filho da amásia do vitimado.

É o caso que Elias fora ferido quando dormia, por um tiro desfechado pelo filho de sua amásia. Freud? Não, tiro que penetrou abaixo do queixo e varou junto ao ouvido esquerdo. Elias soltou um gemido e saiu andando… Pela estrada, marcando-a de sangue, durante uma hora.
Num impulso milenar, o lavrador ferido procurava a porta da casa do dono das terras, do seu patrão, onde foi cair. Gemeu e dentro da casa ouviram os gemidos.
Quando vieram mais tarde, estava morto. Até que ponto o impulso que levou aquele corpo foi consciente, enquanto, o sangue fugia e com ele a vida, o conhecimento?

O punhal e a arma de fogo são os instrumentos preferidos pela maioria dos criminosos para matar. Outros meios, entretanto, empregam eles, seja nos crimes de premeditação, seja nos de impulso, momentâneo, sob a acção do álcool, da paixão, da cólera.
O estrangulamento, por exemplo. Tal n' O Mulato, de Aluizio Azevedo. Aí encontramos reunidos os crimes de submeter alguém a tortura, de adultério, de estrangulamento e ainda um homicídio com agravante da noite e da tocaia.


TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE HODDING CARTER — A SOLUÇÃO CERTA
Slim Granger afastou-se do guichet do pagador com a nauseante e indignada sensação que avassala todo o jogador honesto, ao descobrir, tarde demais, que os dados estavam viciados, os cavalos drogados, as cartas marcadas ou a roleta preparada.
Não era nem mais nem menos do que isso, um jogador honesto. Entrara na cidadezinha à beira-rio, cinco anos atrás, com uma boa conta bancária e uma afeição incorrigível por tudo que se referia a jogos de azar. Fizera amigos em Greenfield, mesmo entre aqueles a quem sobrepujava nos palpites e nas rodas de jogo do Alligator Clube, onde se reuniam os senhores da cidade. E agora tinha-se apaixonado… por uma jovem que reprovava o jogo! Ora, como certos planos tinham sido tratados entre ambos, sentia-se mais encolerizado do que nunca com a partida que lhe haviam pregado.
O pagador mostrara-se genuinamente condoído.
— Lamento muito, Mr. Granger, mas Mr. Ranson já não tem conta connosco — Depois sussurrou — Retirou tudo que tinha em depósito, hoje bem cedo. Eu não lhe devia prestar tal informação mas a gente tira as suas conclusões sem dificuldade.
Slim Granger afastou-se do guichet com o chegue de Ben Ranson na mão e a cólera a rugir-lhe no íntimo. Mas nada poderia fazer sobre isso. E pensou consigo: Uma dívida de jogo não pode ser cobrada legalmente. Tão-pouco tinha algo de gangster para ir buscar o que lhe deviam sobre ameaça de um revólver. Por outro lado não fazia parte dos grandes senhores da comunidade, cuja posição tinha de ser respeitada. Era apenas Slim Granger, com uma raiva surda a roê-lo por dentro, um cheque sem valor metido na carteira e a certeza de que os sonhos que alimentara de uma vida tranquila com Mary Lou Andersen, numa fazenda, ainda não adquirida, tinham-se esboroado na fria luz de uma realidade de jogador. E o pior de tudo é que a maior parte daqueles 9820 dólares eram seus, ganhos na semana anterior pelo velho Ben Ranson. Este era um, dos homens mais ricos da cidade, um conhecidíssimo sovina, que escondia a sua fraqueza pelo jogo e a sua cupidez de abutre sob a capa de uma seriedade santarrona.
Slim Granger ficou parado ao sol e pôs-se a pensar na mesa de póquer do Alligator Clube e nos bons cidadãos de Greenfield que passavam por ali para uma ou duas rodadas de póquer no maior jogo contínuo em todo o Mississípi. Ele mesmo já jogara contra todos os frequentadores da casa. Ali tivera os seus dias e noites de sorte e os seus momentos de aza mas até então nenhum dos membros do clube deixara de pagar uma dívida de jogo. E isso tinha de acontecer justamente agora! Os 8000 dólares que haviam sido seus e os 2000, aproximadamente, de Ben Ranson, deviam ter servido como o limite de apostas de Slim num jogo que lhe era pouco familiar; duas pessoas defrontavam-se numa mesa, sendo que apenas uma delas — e não era ele — se pronunciava, a respeito das apostas. O dinheiro devia ser usado como o primeiro pagamento da fazenda, deduzidas as quantias necessárias a um anel de noivado e às despesas de uma viagem de lua-de-mel a Nova Orleans.
Slim Granqer pensou em ir directamente ao escritório de Ranson e arrancar dele a parte que lhe cabia. Que mais poderia fazer? Espantar o homem do seu refúgio barato? Pregar-lhe uma partida? Talvez — mas nada mais do que isso. Ranson não era homem que caísse com facilidade. A única pessoa em Greenfield a quem Slim vira pregar-lhe uma partida era o velho advogado Bunn.
Slim, então, pôs-se a pensar em Bunn. Um dos, frequentadores mais difíceis de levar era ele; seco e seguro, tomava parte nos grandes jogos uma vez por mês, ficando contentíssimo quando podia jogar contra Ben Ranson e arrancar-lhe uma bolada. Nada tinha de hipócrita ou de velhaco — era, apenas um homem duro de roer que gostava tanto de um joguinho como qualquer outro homem ao longo do rio. Mas um homem que trazia- sempre uma brincadeira engatilhada principalmente quando se tratava de Ben Ranson…
Slim ficou parado no escritório enfumarado do advogado Bunn, a observar o velhote enquanto este examinava o cheque falso de Ranson.
— É dele, sem dúvida. Eu reconhecê-lo-ia a uma milha de distância. O que não é de admirar. Já o obriguei a pagar o que devia por mais de uma vez, embora se negasse a isso. Mas o caso aqui é diferente. As dívidas de jogo não são legais.
Slim aquiesceu com um gesto de cabeça.
— Eu sei. — Ele já, tinha, sido “cravado” por muita gente, mas nunca por um homem da posição de Ranson.
— Ele não passa de um avarento, ou pior do que isso disse Bunn. — É melhor dar-me um certo tempo para pensar. Que tal se voltasse aqui amanhã de manhã, bem cedo?
Slim Granger despediu-se sem grandes esperanças. E o seu pessimismo não diminuiu na manhã seguinte, depois de se avistar com o advogado no seu escritório. O velho olhava sombriamente para o cheque que trazia na mão.
— Não sei — murmurou ele. —As probabilidades não são muitas. Mas vamos conversar com esse patife.
No escritório imobiliário de Ranson, o advogado não perdeu tempo com rodeios, Voltou-se violentamente para o avarento.
— Não passas de um trapaceiro, e se eu fosse um pouco, mais jovem dar-te-ia uma boa lição. Era isso que Slim devia fazer, mas infelizmente não pode dar-se a esse luxo.
Ranson não disse nada, mas o seu rosto foi-se pouco a pouco avermelhando.
— Nega que este cheque seja seu? — gritou o velho Bunn.
Colocou o papel bem debaixo do nariz de Ranson, depois largou-o desdenhosamente em cima da mesa — Porque não faz uma coisa, digna, Ben, e paga a este homem? Não morria por causa disso.
— Não foi passado para ser descontado— replicou Ranson mal-humorado. — Eu fui levado a tomar parte naquele jogo e tenho as minhas suspeitas quanto à maneira como foi feito. Nada mais tenho a dizer.
Os músculos do queixo de Slim Granger retesaram-se.
— É um mentiroso— disse ele,
Bunn pousou a mão no braço do jogador como que a chamá-lo à razão. Os ombros do advogado pareciam diminuir.
— Não adianta, Slim. Ele apanhou-nos. Nada podemos fazer. — Inclinou-se sobre a mesa de Ranson e apanhou o cheque. — Ben, eu jamais me conformaria em levar a sua vida miserável. Mas nada podemos fazer para a modificar.
E enquanto Granger e Ranson o olhavam espantados, Bunn rasgou o cheque em pedacinhos e atirou-os no rosto do usurário. Depois saiu da sala, com o jogador a seguir-lhe os passos.
Na rua, Slim Granger falou encolerizado:
— O senhor acabou de enterrar-me, Mr. Bunn. Agora é que não tenho saída.
— Não se preocupe, Slim. Hoje ou amanhã, Ben terá de reabrir a sua, conta no Banco, pois não pode deixar de fazê-lo. E então, vai lá e receberá o que é seu.
Remexeu no bolso do casaco e tirou dali um cheque cuidadosamente, dobrado.
— Não lhe contei porque temia que não conseguisse manter uma fisionomia impassível. Mas se Ben tivesse olhado um pouco mais de perto para o cheque que eu rasguei, talvez tivesse percebido que não passava de uma cópia mais ou menos aceitável. E após uma pausa:
— Levei mais de metade da tarde, de ontem a imitar-lhe a letra. Vá agora comprar a fazenda e não se esqueça de levar a Mary Lou a boa nova.


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