Efemérides 19 de Agosto
Guy Compton (1930)
David Guy Compton nasce em Londres. Inicia-se na escrita em 1962 com a publicação de romances policiários sob o pseudónimo Guy Compton. Mais tarde dedica-se à ficção científica (F.C.) e às novelas góticas, utilizando respectivamente os pseudónimos D.G. Compton e Frances Lynch. Apesar de ser um autor reconhecido pela sua obra de F.C. devido aos prémios recebidos, tem os seguintes policiários editados: Too Many Murderers (1962), Medium For Murder (1963), Dead On Cue (1964), High Tide For Hanging (1965) Disguise For A Dead Gentleman (1966) e And Murder Came Too (1967), correspondem aos seus primeiros livros e são actualmente muito dificeis de encontrar. Compton escreve também short stories e peças para rádio
TEMA — CONTO-PROBLEMA — LINHAS CONVERGENTES
De O Formiga
— Tem a certeza que foi ele que telefonou? — Tenho — respondeu, peremptório o empregado. — O Sr. Frank, quando passava pela recepção, costumava parar, a conversar comigo; por isso reconheci imediatamente a voz dele.
— E que foi, então, que ouviu?
— Bem, eram 21H30 quando recebi o telefonema da “suite” 312. O Sr. Frank só disse: “Dick Al”. Depois ouvi o telefone ser desligado. Ainda tentei saber do que se tratava, mas o aparelho estava mesmo “mudo”. Não pude fazer mais nada.
O detective virou-se, então, para os três outros elementos presentes, que já 'lhe tinham sido apresentados pelo recepcionista. Eram eles Alice Kimberley, mulher da vítima; Richard Allen, amigo do morto; e, por fim, Jorge Pinto, companheiro de Richard na “suite” 311.
— Bem — continuou —, começarei por si, Mr. Allen, uma vez que foi o senhor que comunicou a morte. O interpelado assentiu com a cabeça e principiou a responder, num português bastante aceitável, até porque já se encontrava no país havia bastante tempo:
— Olhe, às nove e meia estávamos todos aqui reunidos, a conversar e a beber. Aliás, quase todas as noites vínhamos até aqui falar um pouco com o Frank, éramos bons amigos. Ele, como eu, já estava em Portugal há muitos anos. Além disso, como era químico e eu trabalho como engenheiro, os nossos caminhos cruzavam-se com frequência…
Bem, mas como ia dizendo, estivemos aqui até cerca das 10 horas. O Frank ficou um pouco mais, pois ainda queria acabar a bebida dele. E, segundo disse, queria também ir tomar ar até à varanda.
Como demorasse muito, nós os três, eu, o Jorge e à Alice, começámos a jogar na nossa “suite” — minha e do Jorge. No entanto, cerca das 10H30, já preocupada, a Alice resolveu vir aqui ver o que se passava. Eu, como deixara cá os cigarros em cima da mesa, e nem ela nem o Jorge fumam, acompanhei-a. Quando entrámos vimos imediatamente o Frank, no chão, parecendo morto e tendo um pequeno frasco junto dele. A Alice começou a gritar… Pelo meu lado, depois de me certificar que ele morrera, telefonei para a esquadra terminou o inglês.
— Minha senhora?! — continuou o inspector. A mulher, ainda com os olhos vermelhos e parecendo abalada, começou:
— É verdade; foi assim que tudo se passou. Aliás o meu marido, ultimamente, andava muito deprimido. Tenho a impressão que as experiências que andava a fazer lhe corriam mal. Mas nunca pensei que chegasse a isto — continuou, engolindo um soluço. — Quando fomos para a 311 ele até parecia bem disposto, a conversar em o George.
— O senhor ainda ficou, depois deles dois terem saído? — interrogou o inspector, dirigindo-se ao citado.
— Sim! Cerca de dois ou três minutos, enquanto não acabei a bebida. Depois fui juntar-me a eles. O Frank disse que ficava ainda um pouco mais, para ir tomar ar até à varanda. Nada fazia prever o que depois aconteceu. Pobre amigo! — sentenciou, em tom lamentoso. — E ainda há pouco estivera, entusiasmado, a falar connosco acerca da minha ida para Portimão, de férias. Eu ia amanhã e ele tencionava aparecer por lá, depois. Afinal…
— Algum de vocês o viu telefonar? — perguntou, ainda, o inspector.
— Não — respondeu a mulher, ainda mal recomposta. — Estávamos os três na sala; mas, no nosso quarto, também havia telefone — acrescentou. — Se calhar, foi de lá que ele telefonou. Só não percebo por que o fez — terminou, parecendo confusa.
— Certamente estava já um pouco perturbado — alvitrou Richard Allen, que parecia pouco afectado pelo acontecido.
O inspector deu, então, uma última vista de olhos pela sala. Em cima do fogão, um copo, vazio. Numa pequena mesa, perto, um cinzeiro, com algumas pontas de cigarro, assim como mais três copos. E, no chão… no chão estava o corpo do químico Frank Robinson, deitado de bruços, enquanto perto se via um pequeno frasco do qual se escoara a causa da morte — cianeto.
— Que pensa do caso? — perguntou o sargento ao inspector, quando rodavam já na estrada.
— Não sei — respondeu este, laconicamente.
— Talvez a autópsia revele alguma coisa interessante — teimou, ainda, o primeiro.
— Não creio — contrapôs o detective. — Se aquilo foi assassínio foi muito bem executado. Aliás posso até jurar que a causa da morte foi o cianeto.
— Então?!
— Então temos que pensar, meu rapaz… Que pensar! Tenho o pressentimento que o caso não é tão claro como parece.
Aqui, e à semelhança de mestre Ellery Queen nos seu contos, poderíamos perguntar se o leitor é capaz de resolver o problema exposto. Todos os dados foram lançados… Diga lá: concorda com a opinião do inspector? E se lhe pedisse para justificar u sua resposta, que diria?
No dia seguinte, quando o sargento entrou, foi imediatamente interpelado pelo inspector:
— Então, rapaz, já chegaste a alguma conclusão acerca do caso?
— Bem, já tirei às minhas “conclusõesitas”. Olhe, é um caso do diabo — terminou, abrupto
— O que queres dizer tu com isso? — incitou o investigador.
— Pois bem, em primeiro lugar procurei ver se houvera suicídio ou crime. Tudo indica suicídio, sem dúvida alguma. No entanto, aquele “Dick AI” da vítima deu-me que pensar… Se ele quisesse dizer alguma coisa ao recepcionista, tê-lo-ia dito, sem necessidade de charadas… A não ser… a não ser que, ele próprio, se quisesse suicidar, procurando lançar as culpas sobre alguém, talvez para se vingar de qualquer afronta.
No entanto, também abandonei essa ideia que além do mais, era bastante forçada. Mas se ele, realmente, pensasse em se vingar, certamente forjaria provas mais concludentes para incriminar alguém. Poderia, por exemplo, denunciar alguém ao telefone, em voz alterada, que ia ser morto por determinada pessoa ou pessoas; ou deixaria um envelope ao seu advogado, para ser aberto aquando da sua morte e no qual indicaria a tramóia que causara o seu assassínio. Bem, as hipóteses são imensas. O que é certo é que as palavras pronunciadas não eram suficientes para incriminar ninguém — caso ele realmente quisesse culpar alguém da sua morte…
Assim, cheguei à conclusão que houve crime.
— Muito bem — encorajou o inspector. Agora é que a porca torce o rabo… Eu comecei a procurar descobrir o assassino… ou assassinos. Assim, comecei pelo Richard Allen… Com efeito, o “Dick AI” adaptava-se-lhe perfeitamente. No entanto, se fosse só ele, o assassino, a vítima teria dito somente “Dick”; de contrário poderíamos chegar à conclusão que a mulher — Alice, logo “Al”—, também poderia ter sido co-autora… Sem dúvida que isso não seria uma prova concludente. Mas, de qualquer forma, podia lançar sobre ela uma suspeita nada agradável.
Se, pelo contrário, quisesse acusar ambos, também não diria “Dick Al”… Com efeito, se bem que, como vimos, pudesse lançar suspeitas sobre a mulher, essas suspeitas não seriam — como também já frisei — concludentes. Logo, ele teria antes dito: “Dick Kim” (Kim como diminutivo de Kimberley, claro). Aliás, este diminutivo tem também uma só sílaba, como “Al”, pelo que não se poderia alegar falta de tempo para falar, antes de ser impedido pelo assassino. E, em contrapartida, saberíamos, sem qualquer erro, positivamente, quem eram os dois implicados…
Assim, após o que provei, fui forçado a abandonar a hipótese de tanto Alice como Richard, terem sido os assassinos… Portanto só me sobrou um — Jorge Pinto; no entanto, como vimos, a mensagem do morto não inclui qualquer referência, possível ou velada, em relação a ele. Além disso, não poderíamos provar nada, pois ele, se cometeu o crime, não deixou qualquer indício que permitisse a sua descoberta…
Claro que teve oportunidade, durante o tempo em que esteve com a vítima. Nesse caso, antes de o ter assassinado, tê-lo-ia obrigado a telefonar para a recepção, indicando-lhe que pronunciasse: “Dick Al”; o que, caso fosse descoberta a existência do crime, lançaria as suspeitas para longe de si. No entanto esta hipótese teve também que ser afastada, pois o telefonema foi feito às 9H30 da noite, e nessa altura estavam todos presentes na “suite” 312, como o provam as declarações dos suspeitos.
E é por isso que digo ser este um caso do diabo: houve crime; logo, houve um ou vários assassinos. No entanto nenhum deles podia ter matado o químico…
— Mas, meu caro, tu afinal, descobriste quem matou — disse o inspector, de olhos brilhantes.
— O quê? — quase explodiu o sargento.
— Nem mais nem menos. Repara! Tu provaste que nenhum dos suspeitos, separadamente, cometeu o crime. Logo, este só poderia ler sido praticado pelos três, conjuntamente. Aliás a própria vítima, com a sua mensagem nos indicou isso.
— O quê?'"!!
— Olha, provaste que houve crime! Mostraste que o morto procurou dar-nos o nome de quem cometeu o assassínio… O ser a mensagem a relacionar, indubitavelmente, os suspeitos com o crime. No entanto, nenhum deles, sozinho, o poderia ter perpetrado… Logo, somos obrigados a concluir que foram os três — os assassinos!
— Olha lá, onde fica Portimão? — perguntou, inesperadamente, o inspector.
— Fica no Algarve, claro — respondeu o interpelado.
— E isso não te diz nada? — interrogou, de novo, o inspector.
— Não! Claro que não. Porque me havia de dizer?
— Porque é isso que nos permite compreender a mensagem. Na realidade, o morto disse: “Dick AI” porque isso indicaria os seus assassinos. O “AI”, que tu discutiste — e tão bem, aliás — apareceu porque tinha de aparecer… Mas vamos por partes:
— O “Dick” refere-se ao Richard Allen, um dos criminosos. O “AI”, como provaste, poderia referir-se também a ele ou à mulher do morto… No entanto, é passível de criar confusão. Apesar disso, a vítima usou-o, e para incriminar alguém! Somos, assim, obrigados a acreditar na sua utilidade. Por outro lado, se repararmos que o Frank tinha que resumir a sua mensagem o mais possível, pois os outros três poderiam tirar-lhe o telefone a qualquer momento, temos meio caminho andado. Assim, o “AI” tinha de se encaixar algures… E encaixou-se, quando me recordei que Portimão ficava no Algarve. E o morto, por estar cá há muitos anos, também não podia deixar de o sabe.
— Ainda não percebi .nada — cortou, impaciente, o sargento. Então, ainda não viste?. A vítima usou o «AI» por que ele acusava não só a sua mulher mas também Jorge Pinto, que ia de férias para Portimão, no Algarve. Como tinha de resumir a mensagem, pelos motivos acima apresentados, procurou incriminar três pessoas através de dois monossílabos, correndo o risco do “AI” ser mal interpretado. No entanto era a única oportunidade segura de indicar os três assassinos. Era a única solução.
— Ah!! — só pôde exclamar o sargento.
— Com efeito — continuou o inspector — repara bem que, se o Dick implicado a Alice tinha também de o estar, pois andou sempre com ele. E o Jorge, segundo vimos, também não pôde ficar ilibado…
— Mas, então, não compreendo como, sendo todos cúmplices, o Dick e a Alice incriminaram o Jorge, mostrando a oportunidade de este cometer o crime.
— Não incriminaram absolutamente nada, porque: 1.°— Nós não podíamos provar, concretamente, que a vítima não se suicidara; 2.° — A mensagem não traía — pelo menos assim o pensavam eles — qualquer relação entre o assassínio (se nós provássemos, realmente, a sua existência) e a pessoa do Jorge. É que nem eles próprios viram que o “Dick AI” incluía os três…
Portanto, lançando a oportunidade para o Pinto e as suspeitas — levantadas pela mensagem — para eles próprios, mas cuidando de que Jorge não fosse realmente incriminado, devido às duas razões acima apontadas, eles procuraram confundir a investigação. Forneciam, afinal, saídas uns aos outros…
— Já agora explique, também, como cometeram eles o crime sem o Frank se opor…
— Bem, eles eram três, o que já era uma vantagem. No entanto a vítima, sabendo —como o prova a sua mensagem — que eles iam atentar contra a sua vida, certamente procuraria defender-se. E, então, quase de certeza, encontraríamos sinais de luta. Penso, portanto, que a única solução era adormecer o Frank. Como ele era químico, a própria mulher poderia ter-lhe subtraído o clorofórmio, que serviria para o efeito; ou, então, poderiam tê-lo comprado em qualquer lado. Depois, certamente após o telefonema, chegaram-lhe um lenço com o líquido ao nariz, tendo-o posto a dormir. Em seguida…
— Estou a ver — respondeu o sargento, já rendido à evidência.
— Outro ponto que nos mostra a cumplicidade que existiu é-nos dado pelo caso dos cigarros. Como reparaste, o Richard diz tê-los deixado em cima da mesa da “suite” 312, pelo que acompanhou Alice a esta “suite”, quando ela procurou saber o que acontecera ao marido. No entanto isso mostra somente a cumplicidade de ambos. Na realidade, como Richard sabia onde deixara os cigarros— em cima da mesa — bastar-lhe-ia indicar isso à mulher, que ela se encarregaria de os trazer…
O que não quer dizer que os três, a partir das 10 horas, se tivessem reunido na “suite” 311. Isso poderia ter acontecido ou não. Com efeito, após terem morto Frank, poderiam ter permanecido na “suite” deste até à altura em que julgaram conveniente chamar a polícia. Mas este ponto não tem grande importância. É mais um esclarecimento que procurei dar a mim próprio.
— Bolas! — disse ainda o sargento. — O inspector foi muito modesto ao afirmar que o caso era complicado.
— Por acaso, meu rapaz… Mas olha, mesmo os “fados” pareciam dispostos a mostrar-nos o que acontecera. E os próprios assassinos; inconscientemente, se traíram.
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