Efemérides 1 de Agosto
Carter Brown (1923 - 1985)
Alan Geoffrey Yates nasce em Londres, mas emigra para a Austrália com 25 anos de idade. O escritor que adquire dupla nacionalidade é um dos escritores mais populares na Austrália e na Europa com mais de 300 romances e novelas escritos em cerca de 30 anos de produção literária. Traduzido em diversas línguas tem dezenas de milhões de cópias vendidas em todo o mundo. Cria as séries Mavis Seidlitz, Danny Boyd, Al Wheeler e Rick Holman. Em 1997 o escritor é distinguido a título póstumo com o australiano Ned Kelly Award pelo contributo à literatura policiária. Em Portugal o autor tem três dezenas de títulos publicados a maioria pela Galeria Panorama e pelas Publicações Europa-América.
W. J. Burley (1914 – 2002)
William John Burley nasce em Falmouth, Cornwall, Inglaterra. Professor de Biologia e escritor policiário cria a série Henry Pym — um professor de Zoologia e a série Inspector Charles Wycliffe, esta última com 22 títulos publicados entre 1968 e 2000, que se tornou célebre devido à adaptação televisiva.
TEMA — SERÁ QUE O MUNDO VAI ACABAR?
1 — FATALISMO
A morte é a Lei Natural comum a todos os seres vivos. Mas quando se discorre sobre o fim do mundo ergue-se um clamor uníssono, concordante entre a multidão dos mortais; voz universal atemorizada, angustiada ante visão do Pesadelo Supremo: O MUNDO IRÁ ACABAR?
O vigor da palavra bíblica impõe-se ao raciocínio mais inume: APOCALIPSE!
“… tocou o primeiro anjo a trombeta, e formou-se uma chuva de pedra e de fogo, misturada com sangue, caiu sobre a terra… e foi abrasada a terça parte da terra, e foi queimada toda a erva verde.”
“… o segundo anjo tocou a trombeta: … e foi lançado no mar como grande monte ardendo em fogo, e se tornou em sangue a terça parte.” “ … e a terça parte das criaturas que viviam no mar morreu e a terça parte das naus pereceu.”
Nunca faltaram, de resto, audazes profetas, religiosos ou não, astrónomos ou cientistas, videntes, todos ciosos de popularidade, proclamando a cada momento, fatalisticamente, hoje como ontem, o fim inevitável, o juízo final.
Talvez a necessidade de encontrarmos no exterior, algo que justifique a insegurança invisível de que somos interiormente possuidores, a possibilidade de expandirmos exteriormente os medos vagos e crescentes que nos dominam, sejam a razão directa do clamor. Em todo o caso, o sinistro fascínio do “fatalisticamente possível” é um envenenamento em doses graduais, mas evolutivas, do espírito.
Friamente poderíamos contrapor que a Terra existe há cinco milhões de anos sem que a sua existência ou risco de eliminação tenham sido postos em causa.
É certo que sofreu um número apreciável de catástrofes mais ou menos importantes, mas não danos irreparáveis. É um facto que nos pode tranquilizar. Não obstante, não existe um mínimo de garantia de que aquelas se não repitam num obscuro futuro, mais terrificantes e mortíferas.
2 — MIL FORMAS DE ACABAR
Um dos juízos finais evidenciados pelos profetas modernos — cientistas ou simples pensadores — diz respeito a elevação das águas mar. O degelo dos pólos produziriam efeitos tremendos no mundo moderno, tantas são as cidades populosas junto dos portos do mar ou horizontes abaixo daqueles. Simplesmente pavoroso se pensarmos que actualmente a Antárctida conterá 27 000 000 de quilómetros cúbicos de gelo, o equivalente a 24 500 000 quilómetros cúbicos de água, o bastante para elevar o nível do mar a mais de duzentos metros!
Diversas seriam as configurações para a movimentação das águas. A teoria mais evidenciada e altamente especulativa, diz respeito à inversão dos pólos Norte e Sul. O que não seria a primeira vez, afirma-se.
Qual poderá ser o mecanismo desencadeador?
Propõe-se que seja um grande corpo cósmico: um planeta que entre no sistema solar em órbita errante. Vénus, conclui-se entrou no sistema solar depois de 3000 a.C., porquanto os registos hindus e babilónicos referem Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno mas não Vénus que, pela lógica da distância, mais facilmente seria detectado para registo.
Um corpo celeste com 1000 km de diâmetro que passasse perto da Terra, num dse eventuais agrupamentos planetários raros, misteriosos, mas existentes, exerceria sobre ela consideráveis efeitos gravitacionais e eléctricos capazes de deslocar um pólo e inclinar o eixo da Terra em condições de a inverter.
(continua)
TEMA — CONTO — A NOITE
De Orlando Guerra
Mal refeita do susto, uma manta grosseira nos ombros cruzando sobre o peito, ainda algumas lágrimas trémulas mesclando a pintura esborratada, Elisa agarrou a tigela de caldo quente que o homem lhe estendia, levando-a à boca quase com sofreguidão. O homem de pé envolvia-a num olhar complacente, um sorriso bondoso adoçando-lhe a rudeza do rosto. Elisa sentia-se melhor, mais reconfortada. O calor amigo das chamas da lareira acariciando-lhe os joelhos, apaziguadoramente. E a quietude interior chegava-se aos poucos, substituindo o tumulto anterior.
Razão tinha o pai. Luís não prestava, era um oportunista mal formado. Mas os seus 17 anos esfusiantes de vidas, pletóricos de energia e rebeldia, não aceitavam conselhos, não admitiam orientações… E não resistira ao chamamento de Luís, ao apelo de dar uma volta no Porsche vermelho, à perspectiva de ouvir o mar naquela noite de inverno.
De mãos dadas escutavam o marulhar surdo das ondas, em baixo. Uma paz doce acolhia-a, sentindo os dedos de Luís apertar com ternura os seus. E deixava-se vogar, entre o sussurro das vagas esboroando-se na areia, o silêncio pesado daquela noite sem estrelas, e os salpicos de chuva no pára-brisas do Porsche vermelho… E uma lassidão serena adormecia-a.
Luís dobrou-se sobre ela e, docemente, beijou-a na testa. Semicerrou os olhos, recostando-se para trás. Em redor era silêncio apenas. Silêncio e noite…
Luís pôs o carro a trabalhar e arrancou. Enquanto o Porsche vermelho galgava a estrada apenas o zunido do limpa pára-brisas cortava o silêncio da noite, pesada e fria.
Vagamente Elisa apercebeu-se de que o Porsche vermelho inflectia para a serra de Sintra. O rapaz dava a volta para fugir ao trânsito da Marginal. Olhos cerrados, cabeça para trás, Elisa voava, nas asas do sonho…
O pai e as suas rabugices de homem de meia-idade. Luís e o seu sorriso delicado… Como era bonito o mar em noites de Inverno…
Pressentiu que o carro parava num largo sem saída. Ao lado as árvores erguiam-se, negras, difusas…
Sentiu que Luís se debruçava sobre ela, acariciando-lhe o rosto e os cabelos. Como eram macias e doces as mãos de Luís… E Elisa continuava a sonhar, olhos fechados…
As chamas da lareira alteavam-se, informes. E o seu calor mole penetrava-a, tranquilizante. O homem permanecia de pé, continuando a olhá-la, silenciosamente, o mesmo brilho bondoso iluminando-lhe as faces…
Bruscamente despertou. As mãos de Luís já não eram macias e doces, mas bruscas e violentas, desapertando-lhe os botões da blusa, maculando-lhe a carne entumecida dos seios virgens. A boca dele lambuzava-lhe o queixo e o pescoço, e ele arfava, ávido… O peso dele entontecia-a, mas despertava-a numa reacção instintiva, fugindo ao ultraje… Debateu-se… Gritou… uma vez… duas vezes… até que uma mão sapuda lhe tapou a boca. Mordeu ferozmente os dedos que a sufocavam, e que antes eram ternos e meigos. Apercebeu-se de que a seda da blusa se rasgava. A sua cabeça era um turbilhão… Luís… Luís…
A porta do Porsche vermelha abriu-se num supetão, e Elisa sentiu que Luís a despegava… Meio inconsciente deu conta que um vulto masculino se debruçava sobre ela, ajudando-a a erguer--se. Um homem forte de feições duras amparava-a… Luís levantava-se do chão, para onde fora arremessado.
Como um autómato acompanhou o homem que, pondo-lhe a mão sobre os ombros, lhe sussurrava palavras amigas, animando-a.
E quando o homem abriu a porta da casa do guarda-florestal ouviu o ruído do motor do Porsche a pôr-se em marcha.
As chamas da lareira continuavam viçosas. E Elisa recebia cupidamente a carícia tépida das labaredas.
Um monstro, o Luís… O pai, afinal, tinha razão… Não fora o aparecimento providencial do homem, o guarda-florestal, e deixaria de ser menina às mãos de um vândalo.
De pé, o homem esperava, pacientemente, que acabasse o caldo quente. A mesma expressão tranquila no rosto maduro…
Elisa estendeu as mãos, entregando a tigela ao homem. Estava calma, agora… A manta, com o movimento, soltou-se-lhe dos ombros, e Elisa cruzou os braços procurando tapar os seios túrgidos que escapavam da roupa rasgada.
O homem dardejou-lhes um olhar rápido e vivo. Elisa estremeceu. Levantou-se, tacteando dois passos.
— Um telefone. Preciso de um telefone…
O homem colocou a tigela sobre uma mesa velha e aproximou-se.
— Vou telefonar para casa. O meu pai é rico… Recompensá-lo-á.
O homem aproximou-se mais, pousando-lhe a mão no ombro.
E foi com um brilho decidido no olhar que lhe respondeu, em voz áspera e cortante:
— Quem foi que falou em dinheiro, menina?
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