William Haggard (1907 - 1993))
Richard Henry Michael Clayton nasce em Croydon, Surrey, Inglaterra. Escreve 33 romances, 25 protagonizados pelo Coronel Charles Russel da imaginária British Security Executive. Slow Burner (1958) é o primeiro título da série, que termina com The Vendettists (1990), são livros caracterizados como simultaneamente thrillers políticos /detective e de espionagem. Em Portugal está editado:
Uma Noite Fria Para Matar (1971), Nº61 Colecção Espionagem, Editora Dêagá. Título Original A Cool Day For Killing (1968).
TEMA — MIL FORMAS DE ACABAR O MUNDO
Continuação de CALEIDOSCÓPIO 218 (Clicar)
Um Clarão branco fez empalidecer o verde das árvores… Um estampido enorme…
Flutuava no espaço uma bola de fogo dourado, roxo, violeta, azul… uma bola de fogo mais intensa do que o Sol. Bola de fogo criada pela fantástica conversão de matéria em energia, cujo centro atinge vários milhões de graus de calor. A quatro quilómetros de distância, o calor libertado equivale ao que forneceriam duas dezenas de sóis como o que brilha no nosso céu…
… tudo calcinado: uma chuva negra de gotas de águas oleosas e poeiras radioactivas…
… o balanço final é de cerca de 140 000 mortos!
Assim foi Hiroxima.
Um pesadelo que não terminou aí, não terminará jamais.
O aparecimento da bomba atómica revolucionou indiscutivelmente os habituais esquemas de guerra. Também indiscutivelmente a sua existência é, em contrapartida uma ameaça para a humanidade. Uma faísca que incendeia o ténue rastilho de confiança inter-nações…
Um erro, um acto e loucura, um acidente mais simples, pode desencadear o holocausto nuclear. Um fim de mundo que não obstante se admita que o planeta suportaria em termos físicos, o homem sofreria estragos irreparáveis, muito possível extinguir-se ia.
A circunstância de se afirmar que para fazer voar o planeta seria necessário um stock de bombas milhões de vezes maior do que as existentes, é lenitivo pouco confortador, haja em vista o que tal catástrofe representaria e o efeito radioactivo a longo prazo para a fauna e flora sobreviventes.
O Astro-Deus, senhor do mundo, fonte de luz e de vida, o Sol, tem sido venerado pelos homens desde as primeiras Eras. Sendo uma estrela vulgar, típica, do tamanho médio, a sua energia e violência quase desafiam a imaginação do homem.
Um senhor perigoso!
Na matéria incandescente, com um milhão de vezes o volume da Terra, arde uma enorme bomba de hidrogénio de quatro milhões de toneladas. A energia libertada, em mil milhões de vezes mais potente que a bomba nuclear de Hiroxima, é expedida em inúmeros protões para o espaço, sendo a maior parte interceptada pelo escudo magnético da magneto-esfera.
Não é impossível, em teoria, a ultrapassagem daquele escudo e , perante a redução a que se assiste da camada de ozono, indispensável ao equilíbrio, estejamos expostos aos perigosos raios ultravioletas emitidos por aquela estrela.
Uma outra hipótese.
Embora a reacção química que mantém o brilho do Sol implique perda da matéria referenciada, é crível, face ao seu enorme volume, que não seja a curto prazo que o Astro-rei se transforme numa gigante vermelha. A verificar-se, e quando se verificar, libertar-se-á tal quantidade de calor que, mesmo que a Terra não seja consumida, a vida tal como existe não poderá manter-se. Mas ainda que os habitantes do planeta conseguissem proteger-se do calor, os seus descendentes debater-se-iam com o frio extremo que se seguirá à transformação do Sol, de gigante vermelho a anã branca.
(Continua)
TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE BILLY ROSE — TRUQUE PSICOLÓGICO
— Algum dia sentiu pena de um velhaco? — perguntei a Mike Romano.
— Uma vez — respondeu o meu detective favorito.
— Acenei para um garçon. — Dois cafés e uma dose dupla de bolo de queijo com cereja para o meu amigo — pedi.
— Artie Blake não era um mau sujeito — continuou Mike estendendo a mão para um palito. — Provavelmente a esta hora continuaria a bater as carteiras dos cidadãos de Chicago, se não me tivesse chamado de pé chato. Não admito semelhantes brincadeiras. Além do mais, aposto como nem mesmo a Marlene tem um par de arcadas mais belas.
— Eu sei, eu sei — apressei-me a concordar. — Já as vi e são adoráveis.
— Uma lástima Blake não ter o seu bom gosto e discernimento — replicou o detective.— Se não se tivesse armado em engraçadinho, estaria agora a trabalhar na Michigan Avenue.
— Disse ter pena dele. Como é isso? — perguntei.
— Bem, para começar, Artie era um camarada delicado e a prisão não pode lhe ter feito bem. E também tinha classe. Jamais batia a carteira de uma pessoa que precisasse do dinheiro. Sempre lhe apreciei as mãos — umas mãozorras — algo como as de um pianista. Assim que se inclinou para a profissão arranjou um boneco carregado de guizos. E praticou com ele até poder tirar-lhe uma carteira de qualquer dos bolsos sem se ouvir um só tinido. Um verdadeiro artista ao cabo de oito anos de treino.
Uma vez por ano Artie vinha a Nova Iorque em férias. Nós jamais o incomodámos. Anos atrás prometera-me jamais misturar negócios com diversões, e sempre cumpriu o prometido. Artie era doído por duas coisas — cavalos e música. Costumava passar as tardes no Arqueduct e as noites no Carnegie Hall. Corria lá no departamento que certa vez se enganara e tentara apostar dois dólares no nariz de Toscanini.
No Outono passado recebemos o aviso de praxe de Chicago que Artie ia entrar na Broadway Ltda. Fui a Penn Station para lhe recordar que não devia enfiar os dedos inquietos em bolsos estranhos. Por uma razão qualquer Artie encrespou-se e disse que o estava a perseguir. Gastava o seu dinheiro em Nova Iorque como qualquer outro turista e tinha direito à mesma consideração. Reconheci que falava com razão e já ia apresentar desculpas quando ele me disse um nome feio.
— Não foi pé chato, por acaso, não? — perguntei.
O homem de dedos sensíveis franziu o cenho — Qualquer outra gracinha eu teria deixado passar. Mas esta não perdoaria nem mesmo ao próprio Comissário.
— E como respondeu ao insulto? — indaguei.
— Com o velho truque psicológico — disse Mike. Sabia que ele cumpriria a sua promessa de se comportar bem em Nova Iorque. Mas mandei segui-lo. Artie passou a tarde no Arqueduct. Naquela noite assistiu a um concerto no Carnegie Hall. Num dos intervalos, desceu ao saguão para fumar. Um cavalheiro de casaca pediu lume a Artie. Começaram a conversar sobre o violinista e seus dedos mágicos. O cavalheiro de casaca confessou ser também muito sensível — os médicos do John Hopkins Hospital tinham-no achado mais sensível ao toque do que qualquer outro paciente ali examinado. E gabou-se de perceber uma formiguinha a subir nas costas do seu sobretudo.
Naturalmente a fanfarronada foi excessiva para Artie. Era como mostrar um queixo a Joe Louis e lhe dizer que ninguém poderia feri-lo.
— O cavalheiro de casaca naturalmente era um dos seus homens — disse eu.
— Já está a aprender — riu o detective. — Era Charlie Jackson, do 'departamento 'de homicídio.
— Artie quebrou a sua promessa e roubou a carteira do sujeito? — perguntei. — Mas se assim foi, por que motivo tem pena dele?
— Na verdade Artie foi fiel à sua palavra — disse Romano juntando as últimas migalhas da torta de queijo — Tirou a carteira de Jackson sem que este se apercebesse. Nós apanhámo-lo no instante em que a repunha no lugar.
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