Efemérides 6 de Agosto
Kjell Westö (1961)
Nasce em Helsínquia, Finlândia. Jornalista e escritor, publica poesia, short stories e romances. Pertence a nova geração de escritores escandinavos de literatura policiária. Lang (2002) é o seu primeiro romance de suspense/crime. O escritor, que também usa também o pseudónimo literário Anders Hed tem sido distinguido com vários prémios.
TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA — O GÉNERO MENOS VOLUMOSO NEM SEMPRE É O MENOS VALIOSO
De José Maria Merino, tradução livre de M. Constantino
Um os maus hábitos a nossa cultura é o menosprezo pelo conto curto. Só os editores verdadeiramente literários publicam indiscriminadamente contos, novelas ou romances, ainda que pouco convencidos da pouca rentabilidade económica do género curto, pois o público leitor de contos parece muito menos numeroso do que obras mais extensas. Tal falta de interesse reflecte a escassa atenção de grande parte dos especialistas críticos, que vemos com frequência como ao exercer a crítica agrupam no mesmo artigo livros de contos de diferentes autores como se tratasse de material necessitado de amontoamento para conseguir algo de consistente em face da análise. Parece consolidada a ideia de que o conto é um género menor não só pelo seu tamanho, mas também pela sua natureza.
No capítulo de anedotário recordo que Luis Mateo Diéz publicou a sua primeira obra narrativa — um livro de contos — o director de um suplemento literário da época, após alardear os esplêndidos ainda que breves frutos do livro, indicava que ao autor deveria exigir-se uma novela longa, conquista de maior ambição. Numa entrevista ao excelente escritor galego Xosé Luis Méndez Ferrín concluiu-se ser o literato um “impecável corredor de curta distância, ainda que resistisse à longa distância”, o mesmo é dizer bom contista mas sem provas dadas na novela. Ora o largo conteúdo da novela admite diversos graus de qualidade ao passo que o conto não dá para tanto: é bom ou mau. A conclusão é muito atinada e vemo-nos obrigados a comparar ambos géneros de uma perspectiva de substância, em que seria o mais curto o menos valioso. Borges acreditava que “o conto tão antigo como o homem” era mais importante do que a novela ou romance e que não há dúvida de que qualquer dos seus contos tem maior densidade e verdade literária do que muitas novelas intermináveis que enxameiam os mercados.
Para a boa saúde literária de uma cultura é imprescindível a presença e a vitalidade do conto. O esplendor contemporâneo das literaturas ibero americanas não pode compreender-se se recordar nomes como os contistas Bioy Casares, Onetti, Quiroga etc. , de obra por menor tamanho, porém grande e sólida pela sua significação.
É que a literatura ao contrário de desporto, não é questão de músculos e de envergadura física.
Vai publicar as minhas short stories? Não. Ilustração de Tom Gauld |
CONTO FICÇÃO CIENTÍFICA — SOBREVIVENTES
De A. Dekker Savage
— Oluf!
— Bowron!
Reconheceram-se simultaneamente, para além da estreita franja de maltratados arbustos que rodeavam o oculto lago.
— Oluf, alegra-me ver-te de novo… Pensei que não existiam mais que montanhas, lobos e selvagens entre a civilização e eu!
Caminharam lentamente, juntos, até margem.
Oluf deixou-se cair, satisfeito, sobre a areia quente, à qual a luz do sol poente dava um tom mais escuro e avermelhado.
Não estás muito enganado… Há rastos de lobos em toda a parte. Mas, em nome da Lua, que fazes tu tão longe de Nova Iorque?
— Dirijo-me ao sul, para ficar por ali — disse Bowron. Observou cuidadosamente os montes e as árvores que existiam perto deles, e deitou-se junto do companheiro suspirando. — Estou a tornar-me demasiado velho para suportar os invernos, e os alimentos enlatados das ruínas tornam-se mais escassos a cada ano que passa.
Oluf olhou-o incrédulo.
— Viajas só?
— Não fazes tu o mesmo? — a resposta foi rápida, com o sério orgulho dos anciãos.
Algo como um riso cansado soou das profundidades da garganta de Oluf. Disse com sinceridade:
— Sim, mas… olha Bowron, eu sou caçador por escolha própria. Sou jovem e forte. Posso correr meio dia a toda a velocidade e aguento uma luta. Tu eras um mestre… sábio, no entanto desconheces os usos das terras selvagens; os teus sentidos não estão desenvolvidos, as tuas reacções são lentas, como a de todos os habitantes das cidades.
Os olhos de Bowron pareceram repentinamente cansados, envelhecidos. Olhou as plácidas águas.
— Não consegui convencer ninguém a acompanhar-me — disse com simplicidade — Fizeste bem, Oluf, ao deixar os teus estudos e procurar a liberdade das terras selvagens… a vida natural que creio que todos devemos seguir um dia — suspirou profundamente. Naturalmente há um sonho de conquistas que todos os habitantes das cidades têm. Fizemo-nos moles e dependentes da comida enterrada entre os escombros; passando o nosso tempo no estudo dos livros e outras coisas divinas, esperando sempre poder compreender e reproduzir a antiga civilização; todavia os nossos melhores pensadores, dado que são os exploradores mais ansiosos, caem frequentemente nas ocultas zonas de radioactividade ainda subsistente e morrem; com eles morre o seu conhecimento; os sonhos e aspirações debilitam-se em cada geração.
Oluf grunhiu e Bowron prosseguiu como se falasse consigo mesmo:
— Cheguei a acreditar que é inútil seguir os passos dos deuses… que devemos esperar, pensar, trabalhar, cada um á sua maneira, até que aprendamos à custa da nossa própria experiência e os nossos engenhos simples. Aprendemos muito das coisas divinas, lentamente, em todos estes anos. Mas também sabemos que somos mutantes, alterados pela radiação das áreas que mais sofreram na grande guerra, e que ao fim e ao cabo transmitimos a nossa mutação. Somos diferentes dos selvagens. Certamente somos superiores, mas… não somos deuses. Se pudéssemos alguma vez…
Oluf havia-se posto de pé e desapareceu a toda a velocidade. Bowron sentou-se, tristemente escutando o ruído entre o mato e, por fim, o agudo gemido de uma vida que se extinguia. Relaxou e esperou até que Oluf, sorridente, regressou com um coelho.
— A nossa ceia, meu velho. Lamento não ter escutado com atenção o que dizias.
Depois, quando comeram e se estenderam confortavelmente na orla de areia banhada pela luz da Lua, Oluf começou a recordar:
— Lembro-me das tuas lições, Bowron, e também nos nossos inumeráveis intentos de fazer trabalhar as máquinas. Sempre nos pareceram estranhas. Do que mais gostava era das histórias dos velhos tempos: histórias dos nossos antepassados.
Bowron concordou pensativamente:
— Acontecia com a maior parte dos meus alunos: Era mais confortável sonhar com o passado do que enfrentar os problemas do presente. Parecia despertar algum instinto adormecido no interior de todos… gostarias de ouvir outra dessas histórias?
— Muitíssimo!
Bowron estudou a Lua brilhante.
— Bom… há muito tempo, muitíssimo tempo, havia um homem chamado Smith que habitava uma grande cidade…
Quando o conto terminou, Oluf pareceu profundamente comovido.
— Creio — disse lentamente — que irei contigo para as terras de sul. Sozinho morrerias com certeza no caminho, e umas palavras como as tuas devem continuar vivas para dar aos outros esperança e consolo… talvez encontres ainda algum dos deuses, vivo, em qualquer recanto do mundo… Devia ter sido maravilhoso — balbuciou sonolento — viver em companhia dos deuses… com o HOMEM.
Enroscou-se confortavelmente, com as patas encolhidas e colou o focinho sobre a cauda peluda.
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