7 de agosto de 2012

CALEIDOSCÓPIO 220

Efemérides 7 de Agosto
Stephen Marlowe (1928 – 2008)
Milton Lesser nasce Brooklyn, Nova York. Utiliza para a escrita o pseudónimo Stephen Marlowe, mas escreve sob outros pseudónimos Adam Chase, Andrew Frazer, C.H. Thames, Ellery Queen e Jason Ridgway. Escritor de policiário e ficção científica — short stories e romances— é também autor de autobiografias ficcionadas de personalidades famosas, entre as quais Edgar Allan Poe. O autor, muito popular na época, mas depois caído no esquecimento, é o criador de Chester Drum, um detective privado de Washington, mas cujos casos o levam a viajar um pouco por todo mundo desde a América do Sul, ao Canadá e a resolver crimes ou problemas em Meca, Moscovo, Roma e Berlim; Chester Drum surge em 1955 em The Second Longest Night e protagoniza 20 livro. Entre outros prémios, Stephen Marlowe recebe em 1997 o Life Achievement Award atribuído por Private Eye Writers of America. Em Portugal é possível encontrar registo das seguintes edições.
1 – Guarda Costas (1960), Nº21 Colecção Enigma, Livraria Ática. Título Original: Danger Is My Line (1960). É o 10º livro da série Chester Drum.
2 – Acção Em Berlim (1965), Nº4 Colecção Policial de Bolso, Agência. Internacional de Publicações. Título Original: Drum-beat Berlin (1964). É o 16º livro da série Chester Drum.
3 – O Perigo É A Minha Profissão (1966), Nº14 Colecção Policial de Bolso, Agência. Internacional de Publicações. Título Original: Manhunt Is My Mission (1961). É o 13º livro da série Chester Drum.
4 – Acção Em Paris (1967), Nº22 Colecção Policial de Bolso, Agência. Internacional de Publicações. Título Original: Drum-beat Dominique (1965).
5 – Acção Em Madrid (1967), Nº27 Colecção Policial de Bolso, Agência. Internacional de Publicações. Título Original: Drum-beat Madrid (1966). É o 18º livro da série Chester Drum.
6 – A Morte é Minha Amiga (1969), Nº40 Colecção Espionagem, Editora Dêagá. Título Original: Death Is My Comrade (1960). É o 11º livro da série Chester Drum.
7 – O Último Golpe De Um Espião (1969), Nº43 Colecção Espionagem, Editora Dêagá. Título Original: Come Over Red Over (1968).




MISTÉRIOS E CRIMES DA HISTÓRIA — A MORTE DE PETRÓNIO
Era um homem da “doce vida” romana. Seu nome: Petrónio. Seu tempo: o tempo de Nero. Ainda hoje, tantos séculos depois de sua morte, falam nele, na sua elegância. De fato, Petrónio ficou na história como um homem que sabia vestir-se e sabia viver, principalmente viver. Esse é o retrato popular de Petrónio.
As suas qualidades de escritor quase ninguém comenta. Entretanto, deixou um livro famoso: “Satíricon”, que passa por ser a novela dos costumes do tempo de Nero. Alguns pesquisadores negam que seja Petrónio o autor de “Satíricon”. Autor ou não dessa obra, o certo é que a sua presença está com lugar garantido na História romana. Foi Petrónio, sem dúvida, um dos seus mais requintados personagens. Se viveu em delícia, fazendo de seus dias um caminho de rosa, a sua morte, corajosa e original, redime Petrónio de todas as fraquezas.
— Ou muito me engano — disse certa vez Saint-Évremond — ou é a morte de Petrónio a mais bela de toda a antiguidade.
Realmente, morreu como viveu: elegantemente. Nos seus dias, quando algum romano recebia ordem de sair deste mundo pela porta do suicídio, era comum que o condenado apelasse para os seus deuses. Mesmo Catão, o Severo, ao deixar este mundo o fez sem grande classe. Scribónio Libo, por exemplo, uma das primeiras vítimas de Tibério, quis dar remate aos seus dias da mesma maneira que tinha vivido, isto é, em alegria.
Mandou aprontar uma farta mesa, com as melhores iguarias de Roma. Mas não conseguiu ficar alegre. Disse Tácito, o grande historiador que durante todo o tempo em que esteve à mesa Scribónio não teve outro assunto que não a sua morte:
— Falou de suas tristezas e não de suas alegrias.
Foi assim que Tácito viu o fim de Scribónio Libo. Outro que morreu desesperado: o nobre Júlio Cano. Encaminhou-se para o suplício acompanhado de um filósofo particular. Mesmo o conhecido Séneca, condenado por Nero, não teve um fim que o credenciasse à admiração futura. Morreu como qualquer um, falando da virtude e da esperança.
Petrónio, o epicurista, não. Acabou como viveu. O seu drama começou quando Nero se interessou por ele. Durante muito tempo foi Petrónio por assim dizer, o seu consultor preferido. Nero pedia a opinião de Petrónio sobre tudo, desde os arranjos do palácio ao modo de vestir, não se falando dos versos. Petrónio, com aquela elegância que ficou na História, dava ao Imperador conselhos de bom gosto. Nero, admirado, não se cansava de exaltar o talento de Petrónio.
Isso fez com que um dos homens mais poderosos do templo, o temível Tigelino, logo procurasse cortar essa amizade que acabaria por lhe roubar a posição junto do Imperador. Diga-se de passagem que Tigelino era profissional no assunto. Sabia manobrar a Corte a seu modo. Aliás vivendo em tempos tão tumultuados, não era difícil aos intrigantes arranjar meios e modo de perder os seus inimigos. Foi o que aconteceu a Petrónio, um homem de espírito, sem dúvida, mas que não estava preparado para o crochet da intriga.
Tigelino sabia disso. Sabia que Petrónio só cairia em desgraça se em torno dele fosse fabricado um complot. Mas isso era coisa trivial para uma inteligência ardilosa como a de Tigelino. Naqueles dias Roma vivia em estado de permanente inquietação. Sucediam-se as revoltas. E foi depois de um desses complots contra a vida de Nero, que Tigelino resolveu agir. Estava o Imperador em Campânia, longe de Petrónio. Junto de Nero encontrava-se Tigelino, que não teve dificuldades em fazer crer ao Imperador que Petrónio participara do último atentado à sua vida:
— Aqui estão as provas.
E, de facto, mostrou o depoimento de serviçais de Petrónio. Nero não teve dúvidas em mandar prender o seu conselheiro de elegância. Era hábito em Roma condenar sem ouvir os acusados. Assim fizeram com Petrónio. Achava-se ele em Cumas, a caminho de Campânia, onde queria avistar-se com o Imperador, quando foi detido. Recebeu ordem de permanecer em Cumas até que o seu destino fosse definitivamente resolvido. Petrónio sorriu e disse:
— Aguardo aqui a justiça Imperial.
Mas Petrónio não era homem acostumado a esperar por nada, nem pelo Imperador. Não gostava de viver entre temores e esperanças. Por isso, serenamente, tomou a deliberação de suicidar-se. Ordenou que preparassem seus últimos momentos.
Então, o homem quase afeminado, o “doce vida”, transfigurou-se. Ninguém podia esperar que uma criatura que viveu manso, que tirou da vida todos os prazeres, um fim tão corajoso como o de Petrónio. Quase todos os condenados consideravam um dever fazer os testamentos com adulações, principalmente deixando parte dos bens ao Imperador. Petrónio quebrou essa rotina. O seu testamento foi como uma bofetada no rosto de Nero. Nele, falava Petrónio das fraquezas do Imperador, das suas ridículas manias de grandeza e do seu pouco talento para tudo, desde lidar com mulheres a fazer versos. E não contente, Petrónio quebrou um vaso de valor incalculável para que não caísse em mãos de Nero.
Quis morrer aos poucos. Abria uma veia, em seguida, fechava-a. E assim por diante. Bastante enfraquecido com essas constantes sangrias, Petrónio, nesse fim a prestações, não apelou para os deuses romanos. Contentou-se em ler versos. E foi entre poemas e sangrias que desapareceu esse homem elegante, um dos mais finos espíritos da antiguidade, o “árbitro da elegância”. Morreu sem cóleras, sem mágoas, sem querer entrar na História. Morreu como viveu: elegantemente.


TEMA — CRÓNICA DO REPÓRTER X — O MENINO DO CASTELO
Era um macrocéfalo monstruoso, quase anão, que há mais de dez anos andava por ai. De todos os loucos, de todos tarados, caídos na arena brutal da cidade, nenhum foi mais infeliz do que este desgraçado que não devia passar dos vinte anos. E era infeliz porque, através da sua loucura, conservava sensibilidade e pudor; sentia-se e chorava quando o troçavam, quando o maltratavam.
Era o mais pacífico e o mais silencioso de todos os bobos de Lisboa. Vendia às vezes cautelas — mas não insistia ante as negativas. E fora do seu negócio, passeava lentamente, rebolando os seus olhitos tristes, nas orbitas hipertrofiadas e balanceava aflitivamente a cabeça monstruosa como se ela lhe pesasse toneladas e os ombros não a pudessem aguentar.
Cozia-se à parede, esquivava-se à curiosidade do público; assustava-se, experimentado por todas as brutalidades humanas.
Um sábado à noite, junto ao Café Gelo, a garotada berrava num banzé escandaloso. Fui ver o que era; e vi, no meio da roda, o Menino do Castelo, de olhos esbugalhados pedindo, por esmola, que o deixassem seguir o seu caminho.
E a garotada puxava-lhe pelo casaco; sovava-o pelas costas, tentava fazê-lo cair; acusava-o, entre galhofas, de todas as ignomínias — só para o excitar, só para o torturar…
E o Menino do Castelo agitava a cabeça, choramingando como as crianças:
— Deixem-me… deixem-me… Não me digam isso… Eu não faço isso… Não me batam… Deixem-me… É mentira Ai minha mãezinha!
E, num grito que ficou para sempre a ecoar dentro de minha alma, exclamou:
— Não há ninguém mais desgraçado do que eu!
E o mais doloroso, o mais aflitivo, é que esta 'cena estava sendo presenciada por homens, homens fortes, homens de várias categorias sociais que não só não libertavam o pobre macrocéfalo das garras dos seus tiranos como ajudavam ao suplício, ferindo-o de gargalhadas e açulando os pequenos verdugos…

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