3 de agosto de 2012

CALEIDOSCÓPIO 216

Efemérides 3 de Agosto
P. D. James (1920)

P. D. James


Phyllis Dorothy James (White) nasce em Oxford Inglaterra. Trabalha durante 30 anos em diferentes departamentos do Civil Service britânico, incluindo o Police and Criminal Law Department of Great Britain's Home Office. Actualmente é uma das escritoras britânicas mais célebres, autora de 20 romances, a maioria adaptados à rádio, televisão e/ou cinema. É frequentemente chamada a nova rainha do crime Tem milhões de cópias dos seus livros vendidos em todo o mundo e a sua obra  tem sido distinguida com  os galardões mais importantes da literatura policiária.   O seu personagem mais famoso é Adam Dalgleish, que aparece pela primeira vez em 1962, como Detective Chief Inspector, em Cover Her Face; passa a comandante da Metropolitan Police Service da New Scotland Yard em Londres e protagoniza 14 livros da autora. Dalgleish é polícia e poeta tem sido qualificado como o último detective cavalheiro da ficção policiaria britânica. Em 2000 a autora celebrou o 80º aniversário com a publicação da sua autobiografia Time To Be In Earnest. Em Portugal as Publicações Europa – América têm vindo a editar as obras da escritora desde 1983. Presentemente a Colecção P. D. James (Clicar) tem 15 títulos publicados. O 1º livro da série Adam Dalgleish está editado com o título O Enigma de Sally Jupp.


TEMA — ESTUDO — A CATEGORIA LITERÁRIA DA NOVELA POLICIAL
De Augusto de Freitas
Transcrevemos com a devida vénia ao autor e à revista Investigação de Maio de 1953 um artigo merecedor de divulgação.
M. Constantino

Dia a dia cresce a importância do romance policial. À sua produção literária poderá dizer-se corresponder a maior procura no comércio dos livros de ficção. Isto a meu ver não significa a desnaturação do gosto literário do público, mas a acentuada preferência da massa de leitores actuais por uma literatura talhada mais pela inteligência do que pela paixão. A leitura do romance policial constitui uma das grandes distracções da actualidade. Tendo aquele, por isso, como uma manifestação literária relevante, não me parece inoportuno neste primeiro número da revista que nasce, dedicar-lhe algumas palavras. Para haver romance policial não basta que haja, um crime dentro do romance. Ilustrando a tese o “Crime do Padre Amaro” é somente um combate, luz da realidade, do celibato do clero. Mas dir-se-á que este romance foca um crime muito especial, uma questão de ofensa a princípios morais, crime é certo, mas não crime de morte, o verdadeiro crime!
A minha tese mantém-se de pé. Pode existir o crime como base da acção de um romance, e não estarmos diante de um romance policial. Fixo a atenção no célebre e angustiante “Crime e Castigo” de Dostoievsky — Raskolnicov mata, o Inspector investiga, e o romance não é policial. Porquê? Primeiramente por uma razão evidente, que é a de não haver mistério no caso em relação à posição do leitor; em segundo lugar porque a obra referida foi destinada a ser dramática, a mostrar a confusão que existe entre um criminoso e um simples desgraçado vítima da sua soberba e da sua falsa ideologia.
A primeira coisa que podemos notar é que o romance policial como manifestação artística, não tem merecido a consagração literária dos outros ramos das letras. Estão estudadas as causas que, segundo parece, dão a explicação para o facto referido. Nos romances consagrados é tema verdadeiro a intriga e choque das paixões humanas. Ora isto não existe classicamente no romance policial, ainda que se vá verificando, de certo modo, uma modificação nessa feição clássica de ser. O romance policial começou por ser, e ainda é praticamente, antes de mais e de tudo, um problema posto e a resolver. Deste modo, no romance policial não tem havido a preocupação da substância das coisas, e a história aparece-nos de pura natureza, formal. Na literatura acreditada o romancista cria o homem como um ser vivente, ainda que vivendo de um modo absurdo. O romance policial desnuda-se de tudo isso e apresenta-nos um homem lógico e geométrico. No romance comum há muitas paixões em choque. No romance policial isso não interessa, e a mecânica do escritor está em contrapor duas inteligências, a do investigador e a do criminoso. Philo Vance e Poirot não são homens, ainda que gostem de quadros e percebam de cavalos ou de muitas outras coisas — são máquinas de calcular. Não têm outras concepções intelectuais ou morais senão as que servem para desvendar o mistério. Roger Caillois disse que o romance policial está distanciado da vida e das paixões, pelo que se tornou um problema matemático. No entanto, certo é que, como Georges Simenon, Graham Green e outros, ele está-se tornando, além de um problema matemático, num caso humano. O caminho é difícil porque, para mim a meta a alcançar, neste sentido, deve ser o de integrar no tipo do criminoso e dos outros protagonistas toda a conjuntura psicológica que explique o crime; simplesmente a figura do investigador deve manter-se e continuar fria, lógica e matemática, porque à investigação verdadeira deve pertencer a inteligência do investigador, alheado da sua humanidade. Esta pertence sim ao magistrado que julga, não ao homem que investiga.
A numerosíssima produção ficcionista neste capítulo do romance policial, feita a escolha do trigo e do joio, mostra-nos que o escol resulta criado da obediência a uma série de regras mais ou menos flexíveis que os autores têm adoptado. Assim deve defender-se a existência de um só crime no bom romance, e o processo executivo daquele crime deve ser o menos exótico possível, isto é, muitíssimo natural. S. S. Van Dine ensinou que é má técnica para um escritor emprestar ao crime e ao criminoso caracteres inexpressivos ou vagos que permitam soluções finais facilmente alcançáveis. Mas a compleição de caracteres do crime, do criminoso, e dos restantes personagens, não deve implicar complicação de exposição. Largo um romance policial, e deixo de lê-lo quando a acção não está exposta com simplicidade; sinto-me roubado quando a solução final parece um espectáculo de circo. Recorda-se que as histórias de Georges Simenon ganham em compleição intrigante quanto redobram em simplicidade de exposição.
Antes de terminar por hoje, as considerações sobre a categoria literária da novela policial, e deixando para outro número o estudo das possibilidades nacionais da mesma, deixo ficar aqui uma breve referência à situação dela perante determinados factores políticos imperantes no Mundo. O ambiente do romance policial não tem localização precisa no tempo e no espaço. Diz-se que isto traduz uma necessidade de fugir às características dos ambientes. O alheamento do histórico dos tempos e dos lugares, dá a este tipo de romance uma essência individualista. E é curioso notar que por causa deste individualismo nasceu neste capítulo a atitude política da Alemanha nacional-socialista e da Itália fascista, pela qual a atitude literária policial foi encarada como uma manifestação prejudicial do liberalismo. O “detective particular” da grande maioria dos romances policiais representa uma ofensa ao princípio do prestígio da autoridade pública. Spengler viu no “inglês” e no “alemão” dois tipos antinómicos humanos, existindo no primeiro a consciência pessoal do homem privado e independente, e no segundo a ideia de serviço social e de integração na colectividade.

Sem comentários:

Enviar um comentário