Efemérides 18 de Agosto
Vincent Bugliosi (1934)
Nasce em Hibbing Minnesota, EUA. Advogado famoso pelo seu envolvimento em julgamentos célebres —está ligado à acusação de Charles Mason — e outras situações com impacto, como uma simulação televisiva do julgamento de Lee Oswald. No campo da escrita, Bugliosi, apesar de ter sido co-autor de 2 romances policiários —Shadow Of Cain (1980) e Lullaby And Good Night (1987) — é reconhecido internacionalmente pelas suas obras de crime real, muitas delas adaptadas ao cinema. Destacam-se os livros premiados com o Edgar Award, na categoria de Best Fact Crime, respectivamente em 1975, 1979 e 2008: Helter Skelter — co-autor Curt Gentry (1974); Till Death Us Do Part: A True Murder Mystery — co-autor Ken Hurwitz (1978); e Reclaiming History: The Assassination of President John F. Kennedy (2007).
TEMA — ENIGMÍSTICA POLICIÁRIA — ESPÉCIE TIPO TÉCNICO CIENTÍFICO
De M. Constantino
Ignorado pela maioria dos seccionistas, repudiado pela quase generalidade dos solucionistas, este é o problema que, quanto a nós, mais se aproxima dos acontecimentos reais.
Como é curial, conforme os caracteres que apresenta a realidade de cada caso, já que cada método deve ser adaptado ao próprio objecto, os processos de investigação terão de variar, distinguindo-os entre si. Os dados, “exclusivamente contestados nos conhecimentos técnicos” (Varatojo) principalmente de ciência criminológica, ciências naturais e conexos, torna-se a decifração assaz difícil e ao alcance de escassa percentagem de cultores. Mas isto não é razão bastante para o seu desprezo, antes pelo contrário, só é verdadeiramente sabedor aquele que descobre que pode aprender alguma coisa com alguém.
Na falta de especialização, resta ao leitor a consulta de especialistas de reconhecida idoneidade ou, o que será mais útil, pois habilita os interessados a um conhecimento directo da matéria, o estudo de obras, pouco divulgadas entre nós, não difíceis de encontrar numa biblioteca.
Não parece fora de questão, na índole de um trabalho de divulgação, a transcrição de alguns elementos, naturalmente incompletos, julgados úteis para a prática da modalidade, independentemente de que estará sempre ao alcance dos policiaristas, a ampliação destas notas.
Pode dizer-se, que a ciência policial moderna tem três fases:
1 - A que compreende a identificação das pessoas vivas ou mortas com relevância no género designado de “identificação”;
2 - A que abarca o trabalho levado a efeito no local do delito, tais como gráficos e plantas identificativas, recolha de testemunhos e declarações, horas de delito, exame médico da vítima, etc, de cujo conteúdo podem resultar contradições ou pistas;
3 - A que corresponde aos métodos usados nos laboratórios para examinar indícios, pistas e demais elementos descobertos no decorrer da investigação ou na própria vítima, porventura a que requer maior soma de conhecimentos.
Quanto à primeira fase, já se adiantou algo, quando se tratou do problema de identificação, não obstante, nem tudo, obviamente, ficou dito.
Sendo por natureza transitórias as disposições que se poderão observar no local do suposto crime (crime, suicídio, ou qualquer evento nefasto) compreende-se a importância da sua fiel reprodução que futuramente poderão envolver a vítima (sendo o caso), autores, cúmplices, testemunhas encobridoras.
Numa primeira fase, digamos, a de indecisão, o local ou cenário dos factos a averiguar, desempenham em papel primacial. Daí a necessidade de uma reprodução fiel, com plantas em escala e fotografias métricas de todos os ângulos, que enquadrem o referido cenário, os terrenos, lugares adjacentes, localização geral.
O estudo do local abrange as vias de acesso, entradas e saídas, as portas, as janelas, o sobrado e o próprio telhado, quantas vezes arrombado.
Enquanto se procede a recolha fotográfica, recolhem-se igualmente todos os vestígios que possam assegurar uma elucidação: digitais, rastos, pelos, manchas, etc, etc. Toda ou qualquer pessoa, que possa elucidar da situação, ter estado ou estar no local deve ser interrogada.
Não esquecer que as pistas que conduzem à solução do caso, estão no local onde se pratica, pelo que o investigador deve estar alerta para todos os indícios, e o ouvido atento ao pormenor falado.
No cômputo geral, impõe-se olhar e interpretar os factos. Está-se diante de um furto? Como foi cometido? Por escalamento, arrombamento, ou chave falsa? Quem possui chaves próprias? Quem tem acesso a elas?
Trata-se de um suicídio ou acidente? Como? Em que condições?
Houve homicídio? Quais as armas empregadas? Qual o móbil?
Entre crime e suicídio a aparência é, por vezes, tão ténue que forçoso é dizê-lo, muitos têm sido condenados por crimes que não cometeram e criminosos gozam de saúde os despojos das suas vítimas.
A questão quanto a “acidente, crime ou suicídio”, tem sido abundantemente abordada na enigmística policiaria, tão justamente se verifica a inclusão do presente enigma.
ENIGMA PRÁTICO — NO SILÊNCIO DA NOITE
de L.S. em Mistério e Aventura /1991
Estava uma daquelas madrugadas escuras e frias de Outono. O vento não bulia. As águas do “Bazófias” corriam calmas, sem murmúrio. A cidade entrara no seu primeiro sono. Presente ao noctívago, só as luzes dos candeeiros do parque-jardim da cidade, nítidas umas, enquanto se viam outras difusas através das ramadas das árvores, luzes ainda, mais ou menos distantes, nesta margem e na de lá, sinalizavam eternos pontos de referência. Inalteráveis. Estáticos!
No parque de estacionamento ali junto, um vulto move-se a escassos metros do Mondego. Havia-se apeado do veículo por ele encaminhado para ali, minutos atrás, deu alguns passos titubeantes na direcção da margem, e parou, como que meditando… A ampulheta igualou o tempo ao do acender de um fósforo e prolongar-lhe a vida até ao último segundo… Não mais! Fez a observação e, de novo, cambaleante, regressou ao automóvel, confundindo-se com a sua sombra.
Instantes depois, destacaram-se dessa sombra, agora, o que parecia serem dois vultos nitidamente agarrados, um mais distinto e ligeiramente inclinado, num movimento pouco sincopado, algo brusco mesmo! Alguns passos dados, irregulares, e eis que, de súbito, um deles se contrai, descreve um arco direito ao solo, arrastando com ele o outro vulto que sobressaía, qual menir, e parecia não querer cair…
Coimbra acordou com a notícia do aparecimento do cadáver de um jovem, boiando junto à ponte-açude. Esta continuava de comportas abertas desde as primeiras chuvadas torrenciais, regularizando-se, assim, o caudal do rio que era, podíamos afirmar, o meio termo daquilo que servia à população para o apelidar de “Bazófias”.
Informaram a polícia da existência do cadáver… Fui nomeado para proceder às averiguações preliminares, pelo que me dirigi a esse local. Uma vez ali, verifiquei já se encontrarem presentes os bombeiros, alguns mirones e, ainda, a testemunha que dera com tal estranho achado.
O corpo não havia sido mexido: estava meio submerso nas águas, meio caído sobre as pedras da margem direita e via-se em decúbito ventral. As roupas, encharcadas e encolhidas por força da água ter actuado na ganga do fato, traduziam-se numa cor escura indefinida, deduzindo eu ser o original azul-escuro ou claro. O normal para a ganga…
Revistado sumariamente, não foi notado qualquer rasgão ou buraco na roupa que nos desse a ideia de violência clara, exercida sobre o corpo. A cara encontrava-se algo congestionada, com indícios de sangue no nariz e à sua volta, nas faces; curiosamente, numa das mãos, permanecendo fechada, via-se uma nota de cem escudos, que pendia, mais duas moedas de vinte escudos e uma de dez, fortemente presas no seu interior. Numa pequena carteira de calfe presa ao cinto permaneciam os seus documentos pessoais, pelo que conclui tratar-se de José Anacleto, solteiro, de 21 anos, guarda-nocturno e canoísta de passatempo.
Levantado o cadáver para o Instituto de Medicina Legal, veio depois a ser autopsiado, apurando-se apenas que, no momento da morte, cuja causa não foi possível determinar, possuía 2,9 gramas de alcoolemia.
No parque de estacionamento a viatura permanecia intocável.
O Zé Anacleto, como era conhecido entre os amigos, não seria propriamente o modelo de cidadão… de facto, soube existir pelo menos um indivíduo declarado que trazia vontade, desde algum tempo atrás, de lhe “trocar as voltas”. Tratava-se de António das Dores, de 27 anos, divorciado e desempregado, que fui localizar em casa pelas 10 horas, a dormir, “depois de uma noite bem passada com os amigos”. Negou conhecer o paradeiro do Anacleto, pessoa detestada. Na noite anterior estivera até às 23.15 no Café da Sé Velha, vira-o a beber umas cervejas, mas não lhe ligara absolutamente nada. Trazia-lhe raiva pela sua inerência num caso de “saias”, ainda não esquecido…. “Porque pergunta?”. — “É que ele manda cumprimentos…” — respondi.
O Zé era também conhecido por ser um entusiasta sério do canoísmo. Junto a familiares directos e amigos, percebi, que ele, pela noite dentro, pegava no “kayak”, dirigia-se ao Mondego, junto ao Parque, entrava nas águas e remava uma ou duas horas até satisfazer a sua necessidade — insólita necessidade, dizia eu para os meus botões, para aquelas horas da noite! A maioria dos frequentadores do café conhecia esse seu vício nocturno. Nessa noite, segundo o dono do estabelecimento, o Zé permaneceu ali até cerca das 00.45, bebendo sozinho, ora com um ora com outro amigo. A certa altura travara-se de razões com um tal Mário Fadista, talhante de profissão, de 45 anos, começando a crescer um para o outro…”Aqui para nós, sôr agente, o Anacleto com uma pinga é intratável! E só não aconteceu o bom e o bonito porque o pessoal se interpôs! Mesmo assim, o Anacleto ainda teve artes de o esmurrar uma vez, fortemente, o que obrigou o Fadista, depois de desapertados, a vociferar ameaças audíveis pelos circundantes. Seria meia-noite, mais ou menos.” — informou-me o dono do café.
Cerca das 14 horas, alertaram-me os bombeiros para o “kayak” por eles encontrado naquela hora, já afundado, junto ao Choupal. Uma vez ali, pude verificar ter perdido a estanquicidade nas duas zonas que o compunham, por perda do tampão numa delas e por se ter arrancado a ponta do outro sector com violência, numa superfície irregular, diria através de golpe contundente. Daí o seu afundamento.
Não vos digo como foi resolvido este caso — esse é o desafio! Encontram-se, no texto, elementos que levam, decididamente, a uma solução justa na qual o Direito é aplicado. Aliás, de outra forma, não teria qualquer nexo… Se estivessem no meu lugar, o que faziam?
Prendiam algum dos suspeitos? Porquê?
Aqui fica o desafio ao seu raciocínio. Continuaremos oportunamente com a solução oficial e expansão da temática.
TEMA — CONTO FANTÁSTICO — AGÊNCIA TELEFONE FIEL
De Belém Valente
Sempre que queremos fazer qualquer coisa, que queremos saber algo, seja uma informação ou comprar um prédio, não vamos, ficamos!
— Sim se podemos ficar comodamente inoperantes, sentados numa poltrona a discar, ou simplesmente carregar os números para depois ouvirmos dizer: “Daqui... faz favor de dizer!”.
Há anos num destes momentos de inactividade produtiva peguei no telefone, disquei e aguardei, sem saber que os momentos seguintes iriam marcar minha vida para além da morte. Após esperar alguns momentos surgiu-me do outro lado da linha uma voz doce, daquelas que os empresários e os serviços de admissão de pessoal utilizam para que o cliente volte em busca de novos serviços, mesmo desnecessários.
“Agência Telefone Fiel Faz Favor de Dizer” — respondeu a voz. Poderia ter ligado para todos menos para o telefone fiel ou infiel, o meu fito era oposto, mas cá estava, a troco do controverso engano, uma amizade se iniciou. Pouco depois conhecia a dona de tão embevecedora voz. O resto já todos calculam e doutra maneira não poderia ser.
Passados sete meses de ter ouvido a voz proveniente da confusão — engano— telefone— destino, quando já há 6 meses juntos — eu, a voz e a sua dona — tudo começou progressivamente a degenerar… Hoje uma reunião por causa de uma nova patente, amanhã tinha que estudar uma nova apresentação para um telefone. Tudo era telefone, “o telefone fiel” banhava-a, afogava-a e ela cada vez mais “fiel”, mais alienada com o telefone. A mais pequena menção da palavra telefone fazia-a pôr-se de eficiência em riste.
Um mês mais tarde as coisas haviam piorado, e muito; em vez de melhorar tudo se tornava um inferno como nem o de Dante; se fossem brigas, discussões, tudo bem, mas o conflito, psico-ideológico tudo reduzia a cinzas… Eu ia para casa a tentar pensar que tudo era belo, a vida e tudo o mais sem excepção, mas chegado a casa não conseguia controlar-me; ultrapassava-me!
Um dia ao chegar a casa encontrei-a sentada na cama junto à cabeceira; havia chegado muito mais cedo do que o usual, segundo creio não se sentira bem e dissera aos sócios que tomassem conta do seu serviço. Tentei falar-lhe, não me respondeu, pensando que estava doente fui telefonar ao seu médico! Quando voltei… não quero recordar, não, mas preciso que saibam antes que se passe o mesmo convosco, ouçam-me por favor… quando voltei ao quarto: em cima da cama um telefone, ainda com braços e pernas a mutação finalizava
O produto da mutação era uma perfeita peça de ferro e plástico, um sonho do qual qualquer fabricante ambicionaria ter patente exclusiva. Uma obra-prima da técnica consumada. Depois de estudada foi produzida em série. Embora tecnicamente perfeita quase ia sendo a causa da ruína da fábrica que o produzia. Os aparelhos após serem feitos e testados saíam da fábrica; por sua vez instalados em casa dos utentes funcionavam perfeitamente durante um determinado período, após o que eram recebidas as mais díspares reclamações:
— Se estou mais de dez minutos a falar, o telefone desliga-se e ouço gritos que parecem fantasmas — dizia uma dona de casa,
— Creio que é mais do que um telefone, se o tratamos bem é amável, de contrário… — exclamava uma senhora idosa.
— Não pode ser assim, paga-se o aluguer e umas vezes funciona, outras não — e as reclamações continuavam.
Ouviam-se os mais insólitos testemunhos.
Agora que vou para o destino que tracei ao tomar o seu lugar na empresa em que trabalhava; deixando também o meu emprego, tal como ela mergulhei na liquidez da comunicação através do fio. Agora sinto que o ciclo está a completar-se, atentem no que é derradeiro: Não sejais escravos dos telef…
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