31 de agosto de 2012

CALEIDOSCÓPIO 244

Efemérides 31 de Agosto
Hildegarde Dolson (1908 - 1981)
 Hildegarde Dolson nasce em Franklin, Pensilvânia, EUA. Publica o seu primeiro livro em 1938, dando início a uma longa carreira literária — quase 50 anos. Na sua obra destacam-se 4 romances policiários — protagonizados por Lucy Ramadale e por James McDougal, um detective de homicídios — cuja acção decorre em Wingate, Connecticut: To Spite Her Face (1971), A Dying Fall (1973), Please Omit Funeral (1975) e Beauty Sleep (1977).


TEMA — CONTO DE ESTREIA — PESADELO
De Pamela King
O presente conto é a estreia de Pamela King e foi escrito aos 14 (!) anos.

Troya Pierce descia a rua que escurecia aos poucos. Em passos lentos e lânguidos. Era Agosto e fazia um calor sufocante, mesmo ao anoitecer, porém ela tinha a mente voltada para outras coisas. Sorriu um sorriso luminoso ao lusco-fusco, tão mergulhada no seu devaneio que nem percebeu o pesadelo marcar passo atrás dela na rua deserta.
Chegou a uma esquina e parou, procurando ver na escuridão que se adensava; mas por um rápido instante os passos macios e felinos continuaram. Ela não se virou nem teve sobressalto algum ante aquele ruído, mas reteve a respiração e resolveu andar mais depressa. Num gesto deslizante a mão penetrou no bolso do vestido e trouxe de lá um espelho.
Ao passar por um lampião de rua, ela levantou o espelho diante de si e à fraca luz vislumbrou a sombra maldosa que avançava bem perto, vendo também um punho fecha do a apertar o prateado terror de, uma faca.
Não correu — talvez estivesse amedrontada demais para isso — mas tentou manter a respiração normal, mesmo ao enveredar pela entrada da primeira casa que avistou sem ousar virar a cabeça para trás Com o coração pulsando forte, bateu à porta. Atrás dela, na calçada, ouviu a respiração acelerada do seu antagonista; à espera.
Após uma eternidade, a porta abriu-se. Um homem com a barba crescida, sonolento, espiou protegido pelo portal.
— Oh, por favor — sussurrou ela com urgência — deixe-me entrar. Estou a ser seguida e ele tem uma faca.
O homem pestanejou e abriu mais a porta para lhe dar passagem. A sala estava fracamente iluminada e um aparelho de televisão berrava.
Ele estudou-a com uma expressão que ela não conseguiu interpretar.
— Quer que eu chame a polícia?
— Oh, não — sussurrou, mal respirando. — Isto é, não sei. Acha que se deve?
Ele encolheu os ombros, desinteressado — Não sei. Não é da minha conta. — Chegou-se mais para perto.
— Uma menina bonita não devia andar pela rua sozinha a esta hora da noite.
Com um tremor que lhe percorreu o corpo todo, ela percebeu enojada que o homem estava bêbedo. Na televisão, uma mulher gritou. Ela saltou com uma renovada sensação de medo.
— Bem… — riu nervosamente — obrigada por me ter deixado entrar, mas agora ele já se deve ter ido embora.
Fez menção de dirigir-se para a porta.
Ele. Porém, tomou a dianteira, o rosto alterado por um horrível riso de bêbado.
— Para quê tanta pressa, menina?

30 de agosto de 2012

SOLUÇÃO

ESTUDOS DE ENIGMÍSTICA POLICIÁRIA — SOLUÇÃO DO ENIGMA PRÁTICO O VIDRO QUEBRADO
Publicado em CALEIDOSCÓPIO 242 (Clicar)
As perguntas
1 – Quem esteve sobre prisão; A ou B?
Sabe-se que o inspector Herriot, ao ouvir Pierre Auclair, levantou a de um dos suspeitos. Provou-se que estava inocente.
2 – Porquê?
Deve-se considerar inocente aquele que atirou em legítima defesa.
3 – Quem foi esse?


As respostas:
1 – B foi quem esteve sob prisão.

2 - Porque B atirou em legítima defesa. Prova-o o facto de ser o segundo a atirar. E foi-o porque os raios que a sua bala emitiu, ao quebrar o vidro, foram encontrar outros que já lá estavam. Se B tivesse disparado primeiro, a sua bala teria estalado o vidro, mas todos os raios por ela emitidos teriam ido até aos caixilhos, como acontece com a bala de A. Porém, só alguns raios da bala de B chegaram aos caixilhos, precisamente nas direcções onde não havia qualquer raio emitido pela bala de A. Os outros que não chegaram, encontraram os raios da bala de A, mas não os passaram. Se já lá não estivessem outros, os da bala de B teriam continuado até encontrarem os caixilhos. Foi A portanto, quem disparou primeiro que B como cobrador duma companhia bancária, precisava realmente de andar armado. Assim se justifica, pois, que ele tivesse um revolver a mão. Logo que foi alvejado, alvejou também. Portanto, em legitima defesa. Provado que A foi quem disparou primeiro, ferindo B, este está desde logo inocente.

3 - B foi quem atirou, pois, em legítima defesa.


CALEIDOSCÓPIO 243

Efemérides 30 de Agosto
Mary Shelley (1797 - 1851)
Mary Woolstonecraft Godwin nasce em Somers Town, Londres, Inglaterra. Romancista e ensaísta é conhecida principalmente pela sua obra Frankenstein (1818) já referido nas efemérides do CALEIDOSCÓPIO 1 (clicar) e que é o 1º livro Biblioteca Essencial de Ficção Científica e Fantasia (Clicar). Em Portugal além de Frankenstein publicado por diferentes editoras, estão também editados:
1 – O Mortal Imortal Contos Sobrenaturais (2001), Edições Século XXI. Título Original: The Mortal Immortal (1833).
2 – Contos Góticos (2008), Colecção Pena de Corvo, Editora Bico de Pena. Título Original: On Ghosts (1824).
3 – Contos Misteriosos e Fantásticos (2009), Editora Planeta. Título Original: The Keepsake (1828).

Camilla Läckberg (1974)
Jean Edith Camilla Läckberg Eriksson nasce em Fjällbacka, Bohuslän, Suécia. É uma das escritoras suecas de literatura policiária mais conhecidas. Camilla Läckberg tem, desde 2002, tem uma dezena de romances publicados, que estão traduzidos em várias línguas e são vendidos em mais de 50 países. O livro mais recente da escritora mereceu já destaque no Policiário de Bolso (clicar). Em Portugal estão ainda editados:
1 – A Princesa De Gelo (2010), Colecção Literatura Policial, Editora Dom Quixote. Título Original: Isprinsessan (2002).
2 – Gritos Do Passado (2010), Colecção Literatura Policial, Editora Dom Quixote. Título Original: Predikanten (2004).
3 – Teia De Cinzas (2011), Colecção Literatura Policial, Editora Dom Quixote. Título Original: Stenhuggarenn (2005).
4 – Ave De Mau Agoiro (2011), Colecção Literatura Policial, Editora Dom Quixote. Título Original: Olycksfageln (2006).
5 – Diários Secretos (2012), Colecção Literatura Policial, Editora Dom Quixote. Título Original: Tyskungen (2007).


TEMA — CRÓNICAS REPORTER X — UM CRIME MAIOR
Ignoro os antecedentes de Maria Rosa. Sob aquele esplendor cleopatriano havia decerto uma novela-folhetim, com amores ingénuos degenerescências a conduzira-la ao pântano… Estava destinada a ventura simples dum rés-do-chão da Estrela ou mesmo a de um primeiro andar das Avenidas Novas, com jardim, rendas nos berços dos filhos, cozido ao jantar, Tivoli e Odeon duas vezes por semana e festim com champanhe quando houvesse anos, Iá em casa… Uma má hora e uma má alma escamotearam-lhe o Destino, e atiraram-na para o mundanismo como um táxi. É possível que nos primeiros anos da feerie de papel pintado do seu triunfo julgasse que era Deus que a tirava da ventura monótona para a sucursal na terra do Paraíso dos Céus. Curta ilusão foi a da sua morfina! Ela julgava que bastaria ser como era, bela, loura, boa figura, sedutora e atraente para que se estendesse sob os pés o tapete rolante e fofo da fortuna!
Exibiu-se, variou, teve regisseurs e contra-regras; ensaiadores e intermediários… Uma vez acertou e acertou brilhantemente. Um senhor caduco, endinheirado e b
ajojo teve um beguin por Maria Rosa. Aos vinte anos e sem fortuna podia levá-lo ao crime, à loucura, à infâmia. Velho e rico — contentou-se em assinar cheques. Estabeleceu uma mesada de vinte contos.
Vinte contos por mês! Quem é que os ganha por aí, honradamente? Qual] a esposa casada com um homem honesto, trabalhador e inteligente, mas sem pôr a consciência em hasta pública — que se possa gabar de ter no seu orçamento uma receita mensal de vinte mil escudos?
Nenhum! Nenhuma!
E contudo, que de vidas nobres não se normalizariam, que de projectos grandiosos não se iniciariam; que de asilos, que de hospitais, que de lares malfadados não se reabilitariam com esse rendimento fabuloso?
Podia dizer-se que a felicidade de uma alma bem merece uma fortuna. Mas era Maria Rosa feliz com esse ouro que lhe caía, por milagre de Mefistófeles, sobre a sua vida? Nao!
Um dia ela apercebeu-se da verdade, da verdade do seu coração. O coração pode mais do que o homem, do que a vaidade, do que a comodidade I Apercebeu-se que aqueles 20.000 escudos não chegavam, como lenha, para acender o fogão da sua ventura. O sacrifício que eles exigiam, era superior suas forcas… E aceitou como contra-veneno, o amor dum gentil jongleur de corações, moço e astuto, bem trajante e experimentado.
Alucinada pela orgia de 20.000 escudos — ter com quem dividir o dinheiro de que ela nem sabia que fazer! Que volúpia representar perante amante— o mesmo papel ridiculamente e criminosamente generoso que o mitché caduco representava para ela! Era como que uma represália, como que um desabafo.

O grande crime, o maior crime que se oculta atrás deste drama, é o dos símbolos, é o do ambiente, é o da época, é o que vive aí, por todas as esquinas! É o crime dum senhor que rico e que, por satisfação aos seus caprichos suspeitos confia a uma mundana a fortuna que tanto arranjo faria as crianças pobres e aos doentes e aos que não têm nem podem ter pão!



TEMA — ARMAS
Qualquer objecto pode ser utilizado, ocasionalmente, como arma de crime. No entanto e na generalidade as armas ou instrumentos causadores de morte ou ferimento, dividem-se, quanto aos seus efeitos e maneiras de utilização em:
Cortantes — ferimentos mais compridos que largos. Feridas incisivas. Ex.: navalha de barba;
Perfurantes — ferida em profundidade, penetrante. Ex: estilete;
Contundentes — lesão em extensão, por choque. Ex.: martelo;
Corte-perfurantes — ponta em profundidade e gume lateral. Ex.: faca;
Corto-contundentes — choque e corte. Ex.: machado;
Armas de mão — reforçam o efeito do punho. Ex: boxers;
Armas brancas — empunhada para ferir com ponta e gume. Ex.: faca;
Armas de arremesso — para actuar à distância. Ex.: pedra;
Armas de fogo — por deflagração da matéria explosiva.

Estas últimas armas — as de fogo — pela sua maior utilização, mereciam um capítulo desenvolvido. O carácter deste trabalho não o permite. De resto, após a última conflagração mundial, a indústria de armas tem-se desenvolvido tão intensamente, e é tão elevada a variedade de tais engenhos mortais, que dificilmente se poderia esboçar documentação exaustiva. Acresce ainda, e nisto se tenha a maior atencão, que a mesma marca de arma pode ter características diferentes, tudo dependendo do ano do fabrico e do próprio fabricante, uma vez que, casos há, são fabricadas em países diferentes dos originários. Importa, no entanto, salientar alguns elementos identificativos, excluindo partida armas de cano longo (armas de guerra) que, como e natural e conhecido, estão adstritas ao poder militar e limitadas, com excepções raras, a este campo.
Numa primeira identificação, resulta:
Cano Curto — revólveres e pistolas:
Cano Longo — carabinas, espingardas de caça, espingardas de guerra.

O revólver e menos sofisticado que a pistola, se bem que não menos eficiente, mas com menos potencial de fogo (numero de projécteis a disparar). O carregador onde os projécteis são inseridos, conforme o tipo de arma:
i) o cano move-se para carregamento;
ii) o cano é fixo e é o rolo que se afasta para carregamento;
iii) cano fixo como o rolo que tem uma patilha para carregar.

Na pistola: o tiro uma vez disparado, projecta a cápsula para fora da arma
i) colocação dos cartuchos no carregador;
ii) introdução do carregador;
iii) com a introdução do primeiro cartucho na câmara, fica apta a disparar automaticamente, por simples pressão no gatilho; as cápsulas vazias são ejectadas também automaticamente.

Nas espingardas de caça, os cartuchos são introduzidos mediante a abertura da arma (um cano, ou dois canos paralelos ou sobrepostos) ou pela abertura da culatra nas armas semi-automáticas (5 ou mais tiros).
Nas armas de guerra, o carregamento é idêntico, regra geral, ao da pistola automática, grandes carregadores de tipo “fita” ou “com molas”.
É de referenciar, como elemento útil na pesquisa do tipo de arma disparada, que, hoje, só as armas de caça têm canos lisos, todas as outras estriadas, o que facilita identificar a arma que disparou a bala ou projéctil, através do sentido das estrias (esquerda ou direita), o seu calibre e eventuais defeitos de fabrico ou provocados pelo uso.
Ainda que muito incompletamente vejamos algumas armas, curtas, estriadas, das mais divulgadas, indicando-se por ordem, o calibre, o número de estrias e o seu sentido:
Pistolas:
Walter 6,35/6/Esq.
Walter 7,65/6/Esq
F.N. 7,65/6/Esq.
Star 9/6/Esq.
Astra 9/6/Esq.
Colt 45/6/Dir.
Colt 38/6/Esq.
Colt 32/6/Esq.
Webley Scott 455/7/Dir.
Llama 9/6/Dir.

Revólveres:
Tanque 32/5/Esq.
Colt 38/6/Esq.
Webley Scott 320/5/Dir.
Webley Scott 380/7/Dir.
Webley Scott 455/7/Dir.

Espingardas (cano longo):
(calibres expressos em milímetros)
calibre 4       27,4
calibre 6       23,9
calibre 8       21,7
calibre 10     20,2
calibre 12     19     18,5
calibre 16     17,29                   17
calibre 20     16,3          15,1
calibre 24     15,04
calibre 28     14,29
calibre 32     13,73


Nos EUA e Inglaterra, usam-se calibres nominais (medida convencional em relação indirecta com a perfuração) expressos em decimais de polegadas, na Europa Continental, os mesmos são reais (largura do cano sem ter em conta as estrias) expressos em milímetros.
Na absoluta e compreensiva impossibilidade de pormenorizar as armas cuja utilização e mais comum, opta-se por breve apontamento a partir dos seus calibres.
A arma calibre 6,35 é a mais usada. Trata-se do calibre autorizado na maioria dos países para armas de defesa pessoal (Star, Astra, EN., Browning, etc), seguindo-se-lhe o 7,65, também permitido ainda que condicionalmente; o calibre 7,63 é um tipo especial de cartucho que só se usa em pistola Mauser automática de tipo militar. O de 9 mm e de uso exclusivo dos militares e da polícia. O 11,5, raro na Europa, corresponde um calibre próximo do Colt .45 automático, e 455, também automático (Webbley & Scott) o qual é o Colt militar fabricado sob licença da Noruega e que durante a ocupação se estendeu a todos os países escandinavos.
Também se encontram na Europa outros calibres de pistolas automáticas — a Lilliput 4,25 mm, a Clement 5 mm, a Steyr e a Roth de 8 mm, etc
Em calibre 22, pistolas semi-automáticas, encontram-se a Walther Mod. P. P., Walther Olympia, Parabellum (Luger), Colt, High Standard, a Star Espanhola. Ainda deste calibre, em armas muito pequenas, com o seu que de ornamental ou especialidade, se usa a Ruger automática (EUA) a Baretta modelo olímpico (Itália), a Hammerali automática, também um modelo olímpico de fabrico suíço, Tompkins para um só cartucho destinado a tiro no alvo (EUA), a Neneuhausen, igualmente suíça com um cano que se pode trocar para indiferentemente de calibres 9 e 7,65 Parabellum.
E isto será, uma pálida, muito pálida ideia do panorama mundial, com a agravante de que em todos os dias, podem surgir uma ou novas armas diferentes.
Continuaremos proximamente a fornecer elementos identificativos sobre armas.

 







29 de agosto de 2012

CALEIDOSCÓPIO 242

Efemérides 29 de Agosto
Jérôme Leroy (1964)
Nasce em Rouen, França. Professor de francês, dedica-se actualmente apenas à escrita e a actividades literárias. Poeta, ensaísta e autor de várias antologias, no campo da narrativa policiária tem os seus romances qualificados como neo-polares, onde o romance negro e a ficção científica/antecipação se conjugam. Entre “004 e 2007, Jérôme Leroy cria e dirige a Colecção Novella S F na famosa editora Éditions du Rocher. O livro mais recente do autor é Le Bloc (2011).


TEMA — ESTUDOS DE ENIGMÍSTICA POLICIARIA — NO CAMPO DE ENIGMA TÉCNICO CIENTÍFICO
São imaginários os vestígios que podem servir de indícios ou provas aos encarregados da investigação relativas a delitos, acidentes ou suicídios, pois, só a partir de determinadas circunstâncias se pode ultrapassar os dois últimos para se fixar no primeiro.
Damos um salto à realidade para comprovar a exposição.
Uma das peças mais curiosas que existem no museu principal de Lyon, e a que mais impressiona os visitantes, é um molde onde se vê um rosto humano, o peito e o ventre e também as mãos, uma das quais segura uma barra de ferro e a outra um revolver. Eis a história dessa famosa peça: um ladrão foi apanhado durante o roubo, pelo meu colega e amigo Godefroy. O homem escapuliu-se, perseguido por três polícias, um dos quais era muito jovem e estava apenas iniciando a sua carreira.
O ladrão ia ganhando dianteira, quando tropeçou num monte de areia que não vira, porque ao correr virara a cabeça para verificar a que distância estavam os seus perseguidores. Caiu ao comprido, mas levantou-se rapidamente e apesar desse percalço desapareceu pela noite dentro. Foi preciso desistir de procurá-lo porque a pista estava perdida. Enquanto os polícias se dispersavam pelas ruas vizinhas sem encontrar o bandido, Godefroy tinha ficado a contemplar a areia fina onde aparecia a marca do corpo do salteador desaparecido.
O molde de um rasto dessa dimensão não é coisa fácil de se obter. Seria necessária uma quantidade considerável de gesso e, sobretudo, seria necessário armar a moldagem para impedir que a mesma se quebrasse no momento em que, depois de endurecida, fosse retirada. Providenciou-se para isso, incorporando ao gesso um pedaço de tecido maior do que o molde.
Alguns dias mais tarde, graças a uma denúncia, trouxeram preso um sujeito que mais parecia um macaco do que um homem. Confrontaram-no com o famoso molde, e é preciso confessar que não foram os traços do rosto que permitiram com certeza a identificação. O homem e o molde são igualmente feios, mas o que havia realmente de insofismável, de comum entre os dois eram as unhas enormes, as ranhuras do revolver, e, coisa curiosa, as pregas do blusão, e os botões fora do comum, formados de anéis duplos de cobre. Foi graças a esses elementos que o homem, confuso, confessou. Ainda há algo mais para aumentar a originalidade já bem estranha desse molde. É que o jovem polícia estreante, vendo o malfeitor fugir, tinha perdido a cabeça, a ponto de alvejá-lo com o revólver, tão desajeitadamente aliás, e tão tarde, que a bala não atingira senão a impressão deixada na areia, quando o homem já se tinha levantado e fugira a correr!

E continuemos o tema.

O exame das impressões de pés calçados ou descalços é tão importante como as impressões digitais deixadas no local investigado. Não têm evidentemente o valor destas, que são únicas, inevitáveis e indisfarçáveis, mas são ajuda preciosa, tais como o são eventuais impressões de bengalas, guarda-chuvas, muletas, pernas de pau e aparelhos ortopédicos, impressões de origem animal, de veículos, etc.
O exame de uma série de impressões de pés calçados ou descalços pode servir para mostrar o sentido da deslocação, a rapidez do andamento e as particularidades prováveis do indivíduo que as produziu. O próprio tipo de calçado e os desgastes nele existentes podem ser identificativos.
A interpretação de pegadas ou de outros vestígios no solo era, em tempos antigos, uma arte inexcedível dos índios — quem o esquece? — a criminalística moderna aprende a apreciar esses valores. A imagem de marcha obtém-se de um complexo de várias pegadas. Encontram-se sob a forma de pó, no sangue caído, na humidade existente, por moldagem em solos menos sólidos, num papel caído no chão, em tapetes e oleados, nas cadeiras a que o criminoso tenha subido, no esmagamento duma erva, etc, etc.
Estudos determinam a altura dum corpo em relação à pegada.

Pegadas (cm)
Altura do corpo (m)
22
1,43
23
1,50
24
1,57
25
1,64

Mesmo aproximadamente, duvidamos da tabela, tudo dependendo do fabricante, do tipo do sapato, factores imponderáveis.
Já a distância entre duas pegadas poderá concorrer para avaliar aproximadamente o comprimento das pernas e a partir daqui o tamanho do corpo, se o suspeito corre, se coxeia, se leva um peso sobre os ombros ou de um dos lados, etc. Pode determinar-se se o caminhar, o passo, é normal, ou se apresenta imagem defeituosa. Aqui o passo é curto e lento:




Nas impressões de pés descalços, releva em primeiro lugar o tipo de pé marcado:


Três tipos de pés: arqueado, intermediário e chato
 
Depois, podem existir sinais (cortes, defeitos e outros) que podem servir como elementos identificativos, mostrando-se quanto à distância das pegadas o referido para o pé calçado.
Para apuramento da estatura de uma pessoa em função do comprimento do pé, distanciando-nos da tabela anterior e colhendo a fórmula de Marchessean, falível, por vezes, como em tudo o que é humano, permite calcular a estatura.
Tendo em conta a fórmula de H. Perville
P = 8,6/30 x (T/2+0,05)
em que P é o comprimento do pé nu e T o talhe, Marchessean organizou o quadro:

Até 219 mm
7,170
De 219 a 229 mm
6,840
De 229 a 239 mm
6,610

Teríamos que para a impressão de 225 mm, multiplicado pelo número do coeficiente de 6,840 resulta a altura de 1,539 m.

Pode-se, igualmente, pelo comprimento do pé, conhecer a dimensão do calçado fazendo o cálculo:
adiciona-se o comprimento a metade deste mais 2, do que resulta que um pé de 24 cm terá 38 de medida de calçado (24 +12+2 =38).

Pela impressão isolada, produzida por um pé calçado, pode concluir-se:
1 - Num indivíduo parado, toda a sola fica impressa no solo;
2 - Na marcha, em regra, a parte nítida é a parte anterior da sola e o tacão;
3 - Naquele que corre, apenas apoia no chão a parte anterior do pé;
4 - Se a fuga for desesperada é o tacão que deixa a marca.

As marcas pontuadas das pontas das bengalas, guarda-chuvas, muletas, pernas, de pau, varapaus ou quaisquer objectos que sirvam de apoio são identificáveis mercê de pequenas particularidades que possam conter. Quanto aos rodados, principalmente os deixados por pneus examinados por um técnico da especialidade são facilmente identificáveis.

Um vidro partido prova com relativa facilidade o lado por onde entrou uma bala, mas já é mais difícil se foi partido com uma pedra ou outro corpo idêntico. Ainda que se tenha como verdadeira a experiência da vida cair do lado oposto à pancada, há meios para segurar o vidro e deixá-lo cair do lado dessa pancada.
O mesmo não sucede com um vidro partido em razão de uma bola que o atravessou. Neste caso, do lado do embate, o buraco produzido é menor que o da saída e as estilhas do vidro estão deste lado.
Particularmente feliz nesta matéria é o problema seguinte:


ENIGMA PRÁTICO — O VIDRO QUEBRADO
De Edmundo de Macedo
Estiraçado na cama, Pierre Auclair, o conhecido detective particular, mascava, impiedosamente, o seu inseparável chewing-gum. Maquinalmente, estendeu um braço para a mesa de cabeceira e retirou de cima desta uma fotografia, que representava uma janela, com um dos seus quatro vidros, varado por duas balas. Notava-se, também, o vidro estalado em várias direcções.
Pierre já examinara aquela foto colhida no local da ocorrência frequentes vezes. A princípio, nada lhe dissera, mas agora, ao observá-la atentamente, foi como se mil luzes se tivessem acendido no seu cérebro, até então completamente às escuras. Saltou da cama, abotoou o colarinho, ajustou o nó da gravata, alisou a madeixa loura que lhe tombara para a testa, vestiu o casaco e saiu, batendo com a porta estrondosamente.
“O inspector Herriot enganara-se uma vez mais”, e lá tinha ele de lhe ir mostrar como, onde e porquê.
Ao ser introduzido no gabinete de trabalho do inspector, um ambiente característico e muito seu conhecido, se lhe deparou: o inspector conversava amenamente com as suas dezenas de periquitos encarcerados num enorme viveiro, construído a primor, que ocupava quase toda a parede do fundo da espaçosa sala com comunicação para o parque que circundava a bela moradia do inspector Herriot. Pierre quase gritou para ser ouvido no meio do ensurdecedor chilrear das aves. Realmente, concluiu Pierre, os periquitos, embora fossem o melhor estimulante, os melhores companheiros de trabalho do inspector, para ele, Pierre, tiravam-lhe a ideia de ter de raciocinar ali.
Herriot voltou-se para acudir ao chamamento, e ao ver Pierre empalideceu.
Já sabia que se enganara uma vez mais. Pierre só o visitava quando era preciso “emendar” algum “falhanço” do inspector.
Pierre correspondeu ao bonjour resmungão do inspector, e em breve se estabeleceu o diálogo. Em breve, também, Herriot se convenceu de que tinha detido um inocente, e, ao despedirem-se, o inspector ainda segredou, como de costume aos ouvidos do jovem:
“Se tu quiseres, Pierre, serias o mais brilhante detective dos quadros da Polícia Francesa…”
Pierre sorriu, despediu-se com um aceno de mão, e saiu. Agora ia descansar tranquilo. Merecia-o, sem dúvida.

 
Notas várias:
1 - A nossa gravura representa uma fotografia tirada a uma janela da frente dum edifício. Um dos vidros mostra os orifícios de duas balas.
2 - Dispararam esses tiros A e B.
3 - A, morreu, provando-se que a bala que lhe provocou a morte foi disparada por B. 4 - B, no seu depoimento, afirmou que estava trabalhando no seu gabinete, de costas voltadas para a rua, uma artéria pouco movimentada àquela hora da tarde, quando ouviu uma detonação, ao mesmo tempo que era atingido num ombro por uma bala que atravessara um vidro da janela do seu gabinete. Voltara-se a tempo de ver quem o agredira, e que só milagrosamente não o matara, a correr pela rua fora. Disparou também. Tinha um revolver em cima da escrivaninha onde trabalhava.
5 - A, faleceu um dia depois de chegar ao hospital O tiro fora mortal.
6 - B era cobrador duma companhia bancária.
7 - A nada dissera aos investigadores. Cedo entrou no estado de coma, portanto impossibilitado de falar. Um dia depois sucumbira.
8 - B afirmou não conhecer de lado algum a pessoa que o agredira, ao visitá-lo no hospital. Não conhecia aquela cara.

Pergunta-se:
1 – Quem esteve sobre prisão; A ou B?
Sabe-se que o inspector Herriot, ao ouvir Pierre Auclair, levantou a de um dos suspeitos. Provou-se que estava inocente.
2 – Porquê?
Deve-se considerar inocente aquele que atirou em legítima defesa.
3 – Quem foi esse?