31 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 366

Efemérides 31 de Dezembro
Helen Eustis (1916)
Nasce em Cincinnati, Ohio, EUA. Estuda literatura e dedica-se à tradução e à escrita. Traduz várias obras de Francês para Inglês, incluindo romances de George Simenon. No campo da literatura policiária e notoriedade de Helen Eustis é dada pelo seu primeiro livro: The Horizontal Man, vencedor do Edgar Award na categoria de best first novel em 1947. Neste ano, recebe também o O. Henry Prize — prémio que distingue short stories — na categoria de Best First-Published Story pelo conto. Em 1954 publica The Fool Killer — mais tarde adaptado a um filme de terror protagonizado por Anthony Perkins — e uma colectânea de contos: The Captains and the Kings Depart. Apesar da escassa produção policiária, Helen Eustis é reconhecida como uma escritora que introduziu na ficção do género não só uma marca moderna de realismo, como o aperfeiçoamento na caracterização dos personagens — vilão /vítima, culpado / inocente — antecipando o desenvolvimento do enredo psicológico. As suas histórias mostram como pessoas que vivem em circunstâncias de risco, reagem de forma estranha, muitas vezes incriminatória. Em Portugal:
1 – O Homem Horizontal (1948), Editorial Minerva. Título Original: The Horizontal Man (1947).




AO VIRAR DA PÁGINA

Iniciámos em 1 de Janeiro de 2012, pouco certos de alcançar o fim do ano: mas cá estamos!
Foram 366 dias, mais de um milhar de páginas, horas e horas de trabalho, sem hora, em buscas e consultas de centenas de papéis, por vezes velhíssimos e esquecidos, momentos de vivo entusiamo, algum desalento pelo que se vai lendo de recordações e conjunturas. Depois apelámos às células cinzentas para construir algo que se quer realizar.
O tempo e os olhos — companheiros inseparáveis de longas jornadas — já com graduação máxima e auxiliados por uma lente, pedem tréguas. E, em consciência, com inteira razão pelo uso e abuso do trabalho forçado — é altura de ceder! Mas o Policiário de Bolso não se extingue, simplesmente a colaboração diária, passa a periódica, sem pensar em desistir.
Devo à Detective Jeremias, a verdadeira alma do blogue, a quem cabe o trabalho de compor, selecionar, por vezes corrigir alguns textos onde uma ou outra palavra ficou no trajecto do cérebro à escrita, um bravo apreço e intenso agradecimento. Reconheço-lhe qualidades, que estava longe de prever: no carácter, na persistência do labor, nos conhecimentos diversificados, na Amizade que muito prezo e a une aos seus amigos. Ela não vai corrigir-me isto. Porque só sei usar a franqueza e só uso, deste modo, para quem a merece.

O Caleidoscópio termina, mas o Policiário de Bolso continua.

Apresentem sugestões, colaborem.

M. Constantino

30 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 365

Efemérides 30 de Dezembro
Jane Langton (1922)
Jane Gillson nasce em Boston, Massachusetts, EUA. Estuda Astronomia e História de Arte. Começa por escrever e ilustrar livros infantis, em 1964 publica o seu primeiro romance policiário, The Transcendental Murder, iniciando a série Homer Kelly — um excêntrico estudioso, advogado e detective — que conta com 19 livros. Em 1984 Jane Gillson recebe o Nero Award e uma nomeação para o Edgar Award com romance Emily Dickinson Is Dead, o 6º da série Homer Kelly.


TEMA — LITERATURA POLICIÁRIA — EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS NARRATIVAS: PORQUE FOI COMETIDO O CRIME?
Este terceiro processo narrativo apoia-se no porquê? Ou porque foi cometido o crime? O que o liga à motivação do delito. Já sabemos quem, como, falta-nos o porquê. Algo tão importante porque a descoberta a razão do crime é meio caminho andado para se encontrar o criminoso. É, de resto, o processo mais escolhido pelos autores actualmente. Em estudos de policiário já tivemos ocasião para referenciar Anthony Berkeley Cox (Clicar), com o pseudónimo Frances Iles, como o pioneiro do sistema que aborda processo psicológico.
No conto que apresentamos, bem se pode dizer que, verdadeiramente, não se pode apontar um “ilícito punido pela lei”, aqui a lei é a lei humana do crime mais banal — a dor íntima.

CONTO DE PEGGY MORROW — A MÁSCARA
Adaptação de M. Constantino
Dez notas de mil dólares novinhas, livres da tira de plástico, lentamente colocadas soltas sobre o arranhado tampo de vidro da escrivaninha do Dr. Raymond Bennet.
Gotas de suor surgiram na testa e no lábio superior do médico.
Dois minutos esgotaram-se antes do médico falar. Os olhos desviaram-se do dinheiro e fixaram-se nos frios olhos cinzentos do homem no lado oposto da mesa.
— Não, — disse o médico. Não posso fazer isso.
O visitante da meia-noite levantou-se. O seu impassível corpo esguio lembrava o de uma serpente.
— Certo, doutor, se não quer, não faça. Os meus argumentos esgotaram-se e isso é algo que nem mesmo um revólver pode obrigar a fazer.
Ele retirou as mãos enluvadas dos bolsos do sobretudo; à direita segurava uma automática.
— Só por questão de segurança, vou amarrá-lo à cadeira e amordaçá-lo. E cortar os fios do telefone.

Na manhã seguinte, o sono abandonava aos poucos a mente de Myra Bennet.
Virou a cabeça no travesseiro para acordar o marido com alguma palavra amarga. Sentou-se bruscamente. A cama ao lado estava intata! Vestiu o robe.
Procurou pela casa e encontrou o marido como o pistoleiro o tinha deixado. Em pânico, desamarrou as cordas e tirou-lhe a mordaça da boca.
Então ele contou o que acontecera. Como um enviado de Joe Quattrociocci, inimigo público número 2, apareceu de madrugada oferecendo dez mil dólares para fazer uma operação plástica ao rosto e às impressões digitais do chefe da quadrilha.
— Não podia fazer isso. Apesar de precisarmos muito de dinheiro eu não poderia empurrar a minha profissão para esse caminho sujo.
Ela saltou.
— Idiota! — gritou, rouca de ódio. — Idiota, mole e fraco! Céus! E achas que és um homem! Devias ter feito a operação e ninguém saberia. Podias ter aproveitado. Com todas as coisas que quero e que preciso! Tu enterras-me nesta cidade horrível. A mim! E rejeitas mais dinheiro do que já tivemos em dois anos da nossa vida!
— Mas Myra, — protestou ele.
— Mas Myra…— imitou ela — Já chega! Entendeste? Nunca serás ninguém!
Saiu correndo da sala e da vida dele.

Raymond Bennet nunca mais a viu até aquele dia em Viena. Cansado de tanto estudar e pesquisar, entrou num cinema que exibia filmes americanos. A câmara cinematográfica fez coisas estranhas e interessantes com a sua beleza. Ela era hipócrita e agressiva, bonita e má. O tipo perfeito para representar o papel de vamp moderna — a vulgaridade essencial escondida sob a arte dos técnicos de Hollywood. Ela não sabia representar. Poderia vencer utilizando o seu próprio tipo da vida real.
Ele seguiu os seus filmes em Viena e quando voltou a Nova Iorque. Foram dez anos de luta, brilhantes na ascensão carreira de cirurgião. Na biblioteca da sua luxuosa casa em Park Avenue, podiam-se encontrar, além de revistas de medicina, revistas sobre cinema. Uma noite estava na biblioteca, a tomar um conhaque depois do jantar e a fumar charuto com um colega, quando o mordomo entrou na sala trazendo o telefone portátil.
— Chamada de Hollywood, senhor.
— Hollywood? — estranhou o Dr. Bennet. — Quem é?
O mordomo ligou o telefone ao interruptor e conferiu com a telefonista.
— Um Sr. Bernstein, senhor.
— Nunca ouvi falar dele… — disse o Dr. Bennet — mas é melhor atender.
Rápida e excitada a voz soou pelo telefone. Bennet deu um salto.
— Quem foi que disse? — gritou. — Oh, sim… sei. Não se preocupe com o dinheiro. Falaremos sobre isso mais tarde. Sim, sim. Cancelarei tudo. Sim, vou de avião. Fretarei um, se for preciso. Sim, imediatamente.
Desligou o telefone.
— Doutor — disse ao colega, — terá de me substituir por uns tempos. A minha… quero dizer, uma amiga íntima, Myra Bent, a estrela de cinema sofreu um acidente de carro. A cabeça dela chocou com o vidro da frente. Era o produtor dos seus filmes. Eu disse que iria.
— Você é o único homem no país que pode fazer esse trabalho — disse o colega, aprovando.

No dia em que as ligaduras seriam retiradas, ele entrou no quarto. Ficou sozinho a um canto, fumando um cigarro enquanto os assistentes retiravam a gaze. Depois mandou que saíssem e caminhou até a cabeceira de Myra Bent. Sem falar entregou-lhe um espelho.
Ela viu o seu rosto milagrosamente reconstituído na sua beleza original. Mas era o rosto de alguém que ela nunca havia visto antes. Um rosto sereno e adorável, de tanta paz e bondade que olhando para ele fazia lembrar crianças brincando num jardim. Um rosto de Madona, certamente o de um anjo. Qualquer coisa, menos o rosto de Myra Bent, femme fatale da tela Neste papel, ela nunca mais mostraria o seu rosto.
Antes que pudesse falar, ele levantou a mão pedindo silêncio.
— Eu sei — disse. — Mas agora pelo menos vais-te parecer com a mulher que sempre esperei que tu fosses.
Virou as costas e deixou-a com a máscara que faria parte da vida dela para sJane Gillson.


Perfil de Mulher - Picasso (1960)


TEMA — POESIA DO CRIME — A FORÇA DO HOMEM
De Luís Gomes
(Transcrito com a devida vénia das Selecções Mistério)
O Homem evoluiu
e construiu
um mundo para si!
Desbravou florestas, savanas e rios,
disputou aos animais bravios
a sobrevivência em indómita vontade
numa luta de morte, cruel e dura…
Ante a força feroz, infrene e bruta
das mais possantes feras, a veleidade
do homem, fraco ser, tamanha luta
era sonho irreal, era loucura…
Mas das humanas mãos a habilidade
gerou força mais forte que a força bruta!
E vingou a força do mais forte
quando o homem criou armas de morte…

E desde então
quando cresceu em civilização
o Homem triunfante, rei e senhor,
sempre, sempre, empunhando em sua mão
as armas, essa força, ao seu dispor.

Essa força que no homem despertou
quanto de bom e mau lhe rege o coração,
uma força, uma lei que sazonou
no fruto duma atroz contradição
Despotismo e poder, revolta e liberdade,

Senhores e ódio, genocídio e guerra
em nome até da justa Santidade
quanto de sangue se ensopou a terra…
Ó quanto o Homem alongou o braço
desde que a primeira vez ele empunhou
na mão a pedra, a maça, o ferro, o aço
e quanto a ferro e fogo já ceifou
em bárbara e minaz, cruel vindima
que na consciência do homem já ferrou
o estigma horroroso de Hiroxima…

Num mundo em violência, mundo cão,
a arma é a mensagem em que se exprime
a fraqueza da força, a força da fraqueza;
E o homem tem a morte em sua mão
num desafio à própria natureza…

E se servindo a verdade se redime
também serve a traição… o ódio… o crime!

29 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 364

Efemérides 29 de Dezembro
Gilbert Adair (1944 - 2011)
Nasce em Kilmarnock, Escócia. Jornalista, crítico de cinema, argumentista, tradutor, argumentista, poeta e romancista bem conhecido internacionalmente pelas suas obras de ficção. No campo da narrativa policiária destaca-se: The Death Of The Author (1992) — uma sátira negra e um misterioso assassinato, A Closed Book (1999) — um thriller sobre um escritor premiado que fica cego devido a um acidente automóvel, e, principalmente a trilogia Evadne Mount, 3 pastiches de Agatha Christie: The Act Of Roger Murgatroyd (2006), A Mysterious Affair Of Style (2007) e And Then There Was No One (2009).




TEMA — LITERATURA POLICIÁRIA — EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS NARRATIVAS: COMO FOI COMETIDO O CRIME?
O segundo processo da técnica narrativa policiária — para nós a primeira, visto que a primeira já referida não é evolução, pertence a Poe criador do género — está ligado ao modus operandi do ilícito criminal, isto é, Como foi cometido o crime? A pergunta é talvez mais abrangente do que a idealizada pelo autor da inovação. R. Austin Freeman (Clicar) que no prefácio de The Singing Bone (1912), depois de considerar equívoca a sacramental pergunta de “Quem foi?”, normalmente descoberta nas últimas páginas da narração, e não satisfaz tanto o interesse do leitor “Como se chega ao conhecimento do delinquente?” O processo de Freeman ganhou juízes e continuadores, servindo mais tarde para o aparecimento de novos processos narrativos.
Apresentamos um caso deste referenciado processo, que está por coincidência no ambiente de “crime de quarto fechado”, da autoria de Patricia Meadows.

The Singing Bone (1912), published in the USA as The Adventures of Dr. Thorndyke [story collection]

CONTO  
Delancey, delegado de polícia, enxugou o pescoço com o lenço e soltou uma praga. O seu escritório ficava no edifício central e não tinha ar condicionado. Havia janelas, naturalmente, mas o ar que vinha de fora estava ainda mais quente que o de dentro.
Pensou em Moran, que estava numa cela, sem janelas, quatro andares acima. Mas a cela dele era fresca. Moran, Costeletas, o homem vindo do mundo do crime, estava: confortável e protegido. Pelo menos por enquanto. Brevemente seria levado para uma penitenciária estadual.
Delancey passou os olhos pela transcrição do interrogatório daquela manhã. Pelo menos três dos maiores chefes do mundo do crime, poderiam ser presos com base no depoimento de Costeletas: As acusações teriam que ser provadas, naturalmente, mas metade dos detectives que trabalhavam sob as ordens de Delancey já estavam na rua, a fim de conseguir, as provas.
Delancey pendurou o lenço nas costas de uma cadeira e apanhou o que já estava lá pendurado.
Olhou para o vídeo da TV de circuito fechado que mostrava a cela onde o Costeletas estava protegido de todos aqueles que gostariam de o eliminar antes que ele mencionasse outros nomes: Costeletas andava de um lado para o outro na cela. Tinha o andar arrastado de todos os fracassados, fora ou dentro do mundo do crime. Os ombros pendiam desanimados e, de vez em quando, esfregava as mãos uma na outra.
Delancey achava que aquele marginal de terceira categoria, não tinha nada a temer. A cela era absolutamente segura. Não tinha janelas. A única porta estava trancada e guardada por polícia em quem confiava inteiramente.
Ia começar a ler o interrogatório pela terceira vez. Foi então que Costeletas fez um movimento brusco no ecrã de TV: a cabeça virou-se em direção contrária à porta e olhou para o tecto.
Antes que Delancey tivesse tempo de pressionar o botão do aparelho de intercomunicação, o Costeletas já tinha caído no chão. O corpo sacudiu-se duas vezes em espasmos que foram os movimentos mais decisivos de toda a sua vida. Foram também seus últimos movimentos.
Delancey pressionou o botão ao mesmo tempo que o telefone interno tocava. Com os olhos sempre presos ao aparelho de TV, atendeu o telefone.
— Chefe, aconteceu qualquer coisa…
A voz do outro lado soava nervosa e incrédula.
— Eu vi. O edifício ficará interdito. Nem mesmo o chefe de Polícia poderá sair. Entendeu?
Desligou sem esperar que o outro respondesse.
Não se passaram mais de dois minutos. A porta da, cela foi aberta-e a parte inferior da porta empurrou os joelhos de Costeleta, aproximando-os de seu queixo. Delancey carregou num botão. Alguém atendeu:
— Sim, chefe.
— Costeletas foi assassinado. Não me pergunte como. Pare todos os elevadores e interdite as escadas. Ponha algemas em qualquer pessoa que tente, sair do edifício.
Soltou o botão do aparelho e dirigiu-se às escadas para subir os quatro andares. Olhando sobre o ombro para a televisão, viu que três guardas já estavam curvados sobre o corpo de Costeletas. Enquanto subia a escada de dois em dois degraus, lembrou-se de certo detalhe nas declarações de Costeletas. Tudo estava explicado. Com aproximadamente cinco minutos de atraso, pensou.
Delancey introduziu o seu enorme corpo na pequena cela. Os outros apertaram-se para lhe dar lugar.
— Ácido cianídrico, Chefe. Mas não estava com ele. Ninguém foi tão bem revistado por nós. Isso não podia ter acontecido!
— Não podia ter acontecido, mas o facto é que ele está morto. Mas não foi suicídio, era demasiado cobarde para se suicidar.
— Mas se não foi suicídio…
— Procure o zelador do edifício e leve-o para o meu escritório.
O Detetive Laramy ia dizer qualquer coisa, mas olhando para a expressão do rosto do chefe, achou melhor não dizer nada. Depois de ele ter saído, Delancey perguntou a um outro detective:
— Como são chamados, agora os zeladores dos grandes edifícios?
O pai de Bill Jefferson custeara os estudos do rapaz com seu salário de zelador.
—Técnico de edifícios? — sugeriu Jefferson.
— Certo Bill. Onde estavam vocês quando era mais necessário? — disse Delancey, olhando para os detetives espantados. — Pelo amor de -Deus, homens, eu não estou louco, não! Será que' nenhum de vocês procurou imaginar quem fosse o técnico que Costeletas mencionou essa manhã, dizendo que estava dentro da delegacia? Não, vejo pela vossa cara que ninguém pensou no caso. Aqui eu sou o único que procuro pensar. E penso devagar demais…
Delancey pensou: raciocinei devagar demais e eles tiveram tempo de agir. Praguejou mentalmente e saiu da cela.
O Departamento de Identificação já tinha enviado para o escritório de Delancey a ficha de Ben Carter, que ocupava o posto de técnico de edifício há sete meses.
— Carter, vou fazer a pergunta uma vez apenas, antes de os polícias o levarem para o andar de baixo.
Delancey esperava que a expressão “andar de baixo”, com todo o seu significado de ameaça, produzisse o efeito que desejava… Continuou:
— Quem o contratou para eliminar Costeleta?
A resposta veio, muito conhecida, como se fosse um eco de outras anteriores:
— Não, entendo o que o senhor quer dizer. Quero chamar o meu advogado.
Delancey suspirou e apontou para o, telefone.
— Está aí o telefone, mas não vale a pena fazer a ligação. Sabe tão bem quanto eu que o advogado chegará aqui antes de falar com ele. Em todo caso, chame-o se quiser.
Carter segurou o aparelho.
— Espere um momento.
Carter retirou a mão do telefone.
— É muito difícil conseguir actualmente ácido cianídrico e a quantidade que precisou foi grande. Será muito fácil descobrir procedência. Confesse, Carter. Seria melhor para se se tornasse testemunha de acusação contra os que o contrataram.
Carter pegou no telefone e não respondeu.
Laramy, sentado no canto da mesa de Delancey, disse:
— Chefe, será que o senhor perdeu a cabeça? Carter nem tentou fugir… esteve sempre na cave! Por que é que o senhor acha…
Com a mão esquerda, Delancey fez um gesto para que Laramy saísse de sua mesa. Disse:
— Muito bem, Laramy. Vamos examinar o caso. Carter não tentou fugir porque estava seguro de que ninguém suspeitaria dele. Agora, diga-me. O que é que durante todo o dia entra e sai daquela cela? ~
Com o canto dos olhos, Delancey notou que Carter hesitou um momento enquanto discava o número.
Laramy sacudiu ambas as mãos e disse:
— Nunca soube decifrar enigmas.
— Ar, Laratny, é esta a resposta! Ar novo e refrescante! E de onde vem o ar? Da unidade central de refrigeração, que fica na cave. A cela é nova. A tubagem que chega à cela também é nova e com certeza é completamente separada do antigo sistema de refrigeração. Seria muito fácil colocar Um recipiente contendo ácido cianídrico numa das juntas dos tubos. O ácido só poderia ser levado para a cela e para nenhum outro lugar. Certo, Laramy?
Carter largou o telefone.
— Mas que diabo, chefe, Bill e Jamie entraram na cela logo de seguida. Porque é que eles não sofreram nada?
— Num dia quente como o de hoje, a troca de ar daquela cela é feita com muita rapidez. Se Costeletas tivesse prendido a respiração por dois minutos, ainda estaria vivo. O exaustor que fica, perto do chão chupa o ar da cela e levou o veneno de volta aos filtros. Não é isso mesmo, Carter?
Delancey virou-se bruscamente e ficou a olhar firme para o outro.
Carter tinha na face a expressão da derrota. Estava pronto para falar.
— Muito bem, Detetive Laramy. Que tal ir até à cave e procurar o recipiente do ácido? Por perto deve haver uma máscara contra gases, também. Sugiro que você procure a máscara em primeiro lugar.
— Está na caixa das ferramentas — informou Carter.
Laramy abanou a cabeça é saiu da sala. Delancey percebeu, pela expressão de Carter, que ele queria dizer alguma coisa. Esperou.
— Só lhe peço que não me ponha naquela cela.


28 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 363

Efemérides 28 de Dezembro
Andy McNab (1959)
Nasce em Southwark, Londres, Inglaterra. É um ex-militar britânico, envolvido em operações especiais e um dos oficiais mais medalhados pelo papel que desempenhou durante a guerra do Golfo. Desconhece-se a sua verdadeira identidade por questões de segurança e Andy McNab é o pseudónimo escolhido para assinar os thrillers bestsellers que escreve, alguns com base nas suas experiências. Cria Nick Stone, que surge pela primeira vez em 1997 em Remote Control e protagoniza 15 livros, o mais recente Silencer, publicado em 2012. Andy McNab é considerado o melhor escritor britânico de thriller da actualidade e a sua obra mais conhecida é Bravo Two Zero (1993), que vende 1.7 milhões de cópias, está traduzido em 16 línguas e está adaptado a filme. O autor escreve em parceria com Robert Rigby a série Boy Soldier e com Kym Jordan a série War Torn. Em Portugal estão editados:
1 - Controle Remoto (2002) 47º Volume Colecção Livros Condensados, Selecções do Reader’s Digest. Título Original: Remote Control (1997). É o 1º livro da série Nick Stone.
1 – O Rapaz Soldado (2008) Colecção Romance Jovem, Edições Asa. Título Original: Boy Soldier (2005), também editado com o título Traitor. Escrito em parceria com Robert Rigby, é o 1º livro da série Boy Soldier
2 – O Rapaz Soldado (2007) Colecção Romance Jovem, Edições Asa. Título Original: Boy Soldier (2005), também editado com o título Traitor. Escrito em parceria com Robert Rigby, é o 1º livro da série Boy Soldier.
3 – A Desforra (2008) Colecção Romance Jovem, Edições Asa. Título Original: Payback (2005). Escrito em parceria com Robert Rigby, é o 2º livro da série Boy Soldier.
5 – O Vingador (2009) Colecção Romance Jovem, Edições Asa. Título Original: Avenger (2006). Escrito em parceria com Robert Rigby, é o 3º livro da série Boy Soldier.
4 – O Desfecho (2008) Colecção Romance Jovem, Edições Asa. Título Original: Meltdown (2007). Escrito em parceria com Robert Rigby, é o 4º livro da série Boy Soldier.


TEMA — DIÁRIO DE UM ADVOGADO — LEMBRAR CHESSEMAN
Fala-se muito e muito mais ainda se deverá falar, sobre Caryl Chessman, o delinquente que se recuperou na dupla função de advogados de escritor. É ele, hoje, um valor espiritual que pertence ao mundo. Já o mestre Nelson Hungria com a autoridade da sua vibração cultural: Chessman não se pertence mais, nem mesmo é um escritor norte-americano. Chessman é um cidadão do mundo.
O pior da pena de morte é que antes dela se efetivar, na verdade e no campo espiritual, ela já está matando.
Antes da morte de Chessman, quanta coisa pura, simples, indispensável à Vida, já está sendo electrocutada, não é?
Se ao acordar amanhã os jornais me informarem terem as autoridades americanas atendido ao apelo do mundo, mesmo assim, confesso, no íntimo da minha sensibilidade e da minha convicção, continuará fermentado uma frustração e uma incontrolável vergonha…
Muita coisa já estará “legalmente assassinada”.
A morte é algo de tão absoluto, como a Vida, como a Vida, como o Espírito, como a Fratrenidade Humana, que não é impunemente que a gente se aproxima dela.


TEMA — LITERATURA POLICIÁRIA — EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS NARRATIVAS: QUEM COMETEU O CRIME?
É a narrativa policiária literatura ou jogo? A forma romanceada como nasceu na segunda metade do século XIX não dá lugar a dúvidas. Manifestamente literatura — e literatura de alto nível, como o tempo e os autores consagrados se encarregaram de mostrar — lida e apreciada sob o ponto de vista lúdico e exercício de raciocínio e saber. Naturalmente que se verificaram temporalmente alterações à técnica narrativa, essencialmente três divisões capitais, que acompanham as sistemáticas perguntas ante o crime: Quem? Como? Porquê?
A primeira palavra que se aplica à identidade do criminoso, pergunta: Quem foi? Isto é, quem cometeu o crime? È a mais antiga , a mesma proposta pelo fundador inicial Edgar Allan Poe.
Eis um conto ilustrativo de Edward D. Hoch…



TEMA — CONTO DE EDWARD D. HOCH
— Não há outra saída — disse Garrison Smith, enunciando o problema em palavras, pela primeira vez — Um de nós vai ter de matá-lo.
Paul Drayer percorreu os olhos pelos outros a fim de registar-lhes a reacção. Como esperava Cliff Contrell já concordava com um gesto de cabeça; e o mais surpreendente é que Aster Martin não levantava objecções. Ocupava a cabeceira da mesa, numa espécie de imperiosa indiferença, como se a decisão não lhe dissesse respeito, como se não estivessem prestes a cometer um homicídio para defender o bom nome de todos.
— Que é que você acha, Aster? — perguntou Paul, fixando-a com os seus olhos profundamente encravados nas órbitas.
— Creio que não há mesmo mais nada a fazer — respondeu ela, com pose estudada.— Vocês todos estão naquele retrato comigo. Não discutimos apenas a minha reputação.
— Então está decidido! — disse Garrison Smith, sempre na liderança — A qual de nós tocará?
Cliff Contrell limpou a garganta:
— Quais são as horas dos encontros?
Smith consultou as notas feitas na mesa à sua frente.
— Contrell às duas horas, Drayer às duas e meia, e eu às três horas. Ele quer 12500 dólares pelos negativos de cada um de nós, em dinheiro sonante.
— Eu sou o primeiro — disse Contrell — de modo que com toda a certeza vai calhar-me a mim.
Mas Paul trouxe uma palavra de cautela.
— Como saberá se ele tem mesmo os negativos no escritório? Pode matá-lo sem proveito nenhum, e aí onde ficaremos? O que será de Aster?
— Estará na primeira página de todos os jornais do país! — respondeu a própria Aster — Não creio que algum de vocês tenha coragem bastante para o matar, porém nenhum dos três está em condições de pagar uma chantagem para o resto da vida.
— Está bem, está bem! — Garrison Smith voltara a assumir as rédeas mais uma vez. — Que acham disto? Contrell vai ao escritório dele às duas horas, esta tarde e paga os 12.500 dólares. Paul, depois, encontra-o lá fora para saber se os negativos estão mesmo no escritório. Em caso afirmativo, Paul sobe as duas e meia, mata o nosso amigo chantagista e retira os dois negativos e o dinheiro de Cliff.
Ao cabo de alguns minutos de discussão chegaram a um acordo.
— E eu? — perguntou Aster Martin.
— Você fica aqui, aguardando o resultado — respondeu Smith — Já nos causou problemas de sobra

Leonardo Flood era um ídolo das matinés, a caminho da velhice, o querido dos colunistas sociais e um chantagista. Era neste último papel que Paul Drayer e os outros melhor o conheciam. Quando a peça Morning Five estreou na Broadway projectando Aster Martin da noite para o dia, não sobrara tempo a nenhum deles para pensar nas fotos, uma inofensiva indiscrição rapidamente esquecida. Esquecida por todos, sim, excepto por Leonardo Flood.
Ele obtivera os negativos — roubara-os, para ser mais exacto, e telefonara aos três homens envolvidos. As suas exigências eram muito simples cada um deles pagaria 12500 dólares e os negativos seriam devolvidos. Do contrário, a mais nova namoradinha da Broadway seria apresentada aos colunistas — e ela sabia que todos possuíam uma profunda lealdade para com Aster.
Levando no bolso uma pequena automática calibre 22, Paul Drayer apanhou o elevador e entrou no Reservado sem bater. Encontrou o homem grisalho sentado numa cadeira giratória atrás da mesa simples de madeira. Havia um arquivo num canto da sala, ao lado da única janela fechada. Um ventilador elétrico girava lentamente junto ao tecto. Excetuando-se isto, a sala se achava tão nua e delapidada quanto o próprio prédio.
— Ah! — Saudou-o o actor. — O segundo componente do fã clube de Aster Martin! Ainda bem que é pontual. Gosto de receber os meus visitantes na devida ordem.
— Vim em busca dos outros negativos, Flood — disse-lhe Paul.
— Mas claro! O preço é 12500 dólares por unidade. O actor sorriu e ajustou a gravata enxovalhada.
Paul apontou-lhe a arma.
— Os negativos, Flood. Quero todos, senão é um homem morto. Como estou na massa, aproveito para levar o dinheiro de Contrell.
Leonardo Flood continuou a sorrir.
— Ah, quer dizer que o fã do clube seria capaz de me matar para proteger nossa caríssima Aster? Chegaria a tanto?
— Os negativos!
— E se eu lhe disser que não estão aqui?
— Falei com Contrell lá em baixo. Sei que fê-lo esperar no hall e que lhe entregou um dos negativos. Sei que estão nesta sala e quero-os todos.
— De nada adiantará matar-me. Jamais os encontrará.
— Veremos — replicou Paul e virou a pequena arma para a testa de Flood, dando um golpe seco que deixou o actor inconsciente no chão encardido.
Agora precisava de agir depressa. Os negativos eram partes de um de filme de 35 mm — fáceis de esconder e não muito difíceis de encontrar. Primeiro o corpo, pedacinho por pedacinho, e as roupas, que devolveram o dinheiro de Contrell, nada mais. Paul revistou a gravata de Flood, bem como as solas dos seus sapatos, não excluindo um só detalhe do vestuário. Repassou cada ponto da costura por duas vezes, sem o menor sucesso.
Atirou-se, então, à escrivaninha, revistando gavetas, tacteando nas pernas de madeira, nos lados e fundo da mesa, prevendo a possibilidade de algum esconderijo secreto.
Revistou o magro conteúdo do arquivo e até levantou com cuidado O rodopiante ventilador preto, para olhar para a parte de baixo. Abriu a janela para tactear ao longo do peitoril. Que mais faltava?
Ao cabo de vinte minutos, Paul desistiu. Flood começava a recuperar a consciência e nada havia a ganhar ali — nada, a menos que Paul se dispusesse a ir a extremos e matasse o homem.
Saiu e fechou a porta atrás de si.
Às três e dez, pelo seu relógio, resolveu telefonar para Smith e comunicar o seu fracasso. Mas ao entrar na cabina telefónica não ouviu o zumbido habitual antes de discar.
— O que aconteceu aqui? — perguntou ao empregado do balcão.
Houve uma avaria na luz e toda a área ficou afectada. Não funcionam nem mesmo os amaldiçoados aparelhos de ar condicionado!
Paul suspirou e sentou-se para esperar. As comunicações telefónicas foram restabelecidas e pode ligar pare o escritório de Simth. Ninguém respondeu. Evidentemente Simth fora ao encontro de Flood, marcado para às três e meia.
Paul atravessou a cidade de carro e estacionou ao lado do teatro. Aster e Cliff estavam no escritório do director, à sua espera, mas não havia sinal de Garrison Smith.
— Encontrou os negativos? — perguntou Aster.
— Não. Demoli o pequeno escritório e não encontrei nada.
— Mas eu sei que estavam com Flood — insistiu Contrell.
— Aqui tem o seu dinheiro. Pelo menos encontrei-o. — Atirou o grosso rolo de notas sobre a mesa, no instante em que Garrison Smith entrava.
Smith sorria de leve.
— Você fez um excelente trabalho, Paul. Não sabia que era capaz de tanto.
— Não entendo o que está a dizer — replicou Paul, sentindo o pânico a apertar-lhe o estômago.
— Flood está morto, é claro. Você atingiu-o bem no meio dos olhos.
Paul Drayer encarou Smith com os olhos cheios de incredulidade.
— Eu não o matei — disse — Derrubei-o, sim, e revistei a sala toda, mas nada encontrei. Estava vivo quando o deixei.
— Pois agora está morto,— replicou Smith, e ninguém duvidou da sua palavra.
— Então outra pessoa matou-o. Um de nós.
Garrison Smith encolheu os ombros.
— Isso importa? Estamos todos metidos nesta história, afinal de contas.
— Talvez importe, sim — insistiu Paul. — Talvez importe e muito. Um de nós matou Flood e isso significa que um de nós está com os negativos. Enquanto esta pessoa mantiver o seu segredo, pode continuar a chantagem fazendo-se passar por uma das vítimas.
— Se julga que o matei… — começou Smith.
E Cliff Contrell tossiu nervosamente.
— Eu é que não fui, Paul. Você sabe que ele estava vivo quando o deixei.
— Isso não faz sentido — disse Aster Martin, afastando os cabelos dos olhos. — Como teria o assassino encontrado os negativos quando você não conseguiu descobrir onde estavam, Paul?
— Não sei — -admitiu ele falando devagar. Havia algo na sua mente, algo que procurava manifestar-se… — Deixei FIood, ainda vivo, pouco antes das três. O encontro de Smith estava marcado para as três e meia. Isso deixa-nos com meia hora de intervalo pelo qual ninguém responde. Se…
Paul Drayer parou de falar. As peças ajustavam-se no lugar.
— Bem…? — insistiu Smith. Veja, um homem dotado de uma mente ordenada como Leonardo Flood iria fazer chantagem com três pessoas, exigindo 12500 dólares de cada uma, num total de 37500 dólares? Estranha soma para extorsão.
Não é muito mais provável que existisse uma quarta vítima a completar o total de 50000 dólares? -Uma bela soma redonda… Esta quarta pessoa só poderia ter sido você, Aster.
Ela teve um pequeno sobressalto.
— Eu!
Paul concordou com um gesto de cabeça. Estava seguro de si, agora.
— Você não queria que a gente soubesse, primeiro por causa do seu orgulho, e segundo por temer que nós exigíssemos que pagasse os cinquenta mil sozinha.
Mas teve também um encontro com Leonardo Flood esta tarde.
— Às três horas — sussurrou Contrell.
— Exactamente — respondeu Paul. — Comecei a pensar por que motivo. Flood teria saltado meia hora no plano geral. Havia quatro meias horas e nós os quatro envolvidos no caso. E o próprio Flood disse-me que gostava de receber os seus visitantes na devida ordem. Que ordem? Alfabética, á claro: Contrell às duas, Drayer às duas e meia, Aster Martin às três e Smith às três e meia. Você tinha ficado de esperar aqui, Aster, mas quando telefonei às três e vinte e cinco ninguém respondeu. Estava a caminho do escritório de Flood com o dinheiro da chantagem.
Ela sorriu-lhe por cima da mesa sem deixar e papel de leading-lady.
— Pois bem, suponhamos que eu tenha ido lá. Sabia que vocês não teriam coragem de matar Flood, e assim fui pagar a minha parte. Isso não prova que o tenha assassinado.
— Eu creio que prova, sim Aster — disse ele em tom calmo. — Flood sempre se referiu a nós como fãs do seu clube e eu devia ter compreendido a insinuação há muito tempo. Os negativos estavam presos às pás do ventilador, mesmo à vista, mas invisíveis por causa de velocidade com que giravam. Você esteve no escritório às três horas, quando houve um corte momentâneo na electricidade em toda aquela área. O ventilador deixou de girar e você viu os negativos. Disparou contra Flood e tirou-os. Naturalmente não nos disse nada, uma vez que já estávamos destinados a arcar com as culpas.
— Está bem — disse ela, humedecendo os lábios com a ponta da língua — Pretendem denunciar-me à Polícia?
Paul Drayer lançou um olhar aos dois homens e depois voltou-se para Aster. Sorria.
— Quanto vale para si o nosso silêncio?

Comentário: o conto transcrito é um magnífico teste de raciocínio.