29 de maio de 2012

CALEIDOSCÓPIO 150

EFEMÉRIDES – Dia 29 de Maio
Max Brand (1892 -1944)
Frederick Schiller Faust nasce em Seatle, EUA. Autor famoso pelos Westerns, escreve também livros de aventura e de mistério. É considerado um dos escritores mais prolíferos de sempre, publica mais de 500 novelas e de 500 contos nos pulp magazines da época, sob diferentes pseudónimos: Max Brand, George Owen Baxter, George Evans, David Manning, John Frederick, Peter Morland, George Challis e Frederick Frost. Tem vários trabalhos adaptados à rádio e ao pequeno e ao grande ecrã, com personagem conhecidos como Dr Kildare ou Destry. Actualmente continuam a ser publicados livros do autor: inéditos, narrativas dispersas em revistas e ainda reedições.


G. K. Chesterton (1874 – 1936)
Gilbert Keith Chesterton nasce em Campden Hill, Kensington, Londres. Artista, ilustrador, jornalista, editor e escritor tem uma obra vasta que abarca diferentes áreas. No policiário é mais conhecido por ter criado o Padre Brown. Chesterton é considerado um contista exímio e único; alguns dos seus contos, embora encerrem um mistério ou problema, nem sempre se desenvolvem no sentido de uma investigação clássica ou de um percurso de descoberta por métodos dedutivos. Além da série Father Brown, entre os livros do autor destacam-se The Club Of Queer Trades (1905), e The Man Who Knew Too Much (1922), — ambos livros de contos — e The Man Who Was Thursday (1908), um thriller teológico. Em Portugal os livros de G. K. Chesterton têm sido publicados por várias editoras e feito parte de edições especiais dos melhores autores de literatura policiária. Aqui fica a lista das publicações mais recentes disponíveis nas livrarias:
1 – Os Melhores Contos Do Padre Brown (2010), Nº13 Colecção Teofanias, Assírio & Alvim. Título Original: The Father Brown Srories (1929)
2 – O Homem Que Era Quinta Feira (2010), Colecção Crime Imperfeito, Relógio d’Água. Título Original: The Man Who Was Thursday (1908). Reeditado em 2012 pela  Alêtheia Editores com referência no Policiário de Bolso - LIVROS (clicar)
3 – A Inocência Do Padre Brown (2011), Nº1 Série Policial, Alêtheia Editores. Título Original: The Innocence Of Father Brown (1911)



 
Delano Ames (1906 – 1987)
Nasce em Mount Vernon, Ohio, EUA. Vive em Inglaterra e Espanha. Escreve no total 20 romances policiários. Depois dos romances They Journey By Night (1932) também editiado com o título Not in Utter Nakedness, No Traveller Returns (1934), The Cornish Coast Conspiracy (1942) e He Found Himself Murdered (1947), inicia a série Dagobert e Jane Brown, um casal de detectives amadores que surge pela primeira vez em 1948 no livro She Shall Have Murder e tem 12 títulos publicado. Cria Juan Llorca, um sargento da Guardia Civil espanhola que soluciona mistérios locais e é o personagem principal de The Man In The Tricorn Hat (1960), The Man With Three Jaguars (1961), The Man With Three Chins (1965) e The Man With Three Passports (1967).



Willo Davis Roberts (1928 – 2004)
Nasce em Grand Rapids, Michigan, EUA. Paramédica de profissão, começa a escrever nos tempos livres livros de mistério para jovens e romances policiários de suspense. O primeiro livro é editado em 1955, Murder At Grand Bay, e até 1984 publica 45 romances policiários. A escritora é nomeada para o Edgar Award – Best Juvenile em 1981, em 1991, em1995, em 1998 e em 1999, respectivamente com More Minden Curses, To Grandmother’s House We Go, Caugth, Secrets At Hidden Valley e The Kidnappers Em 1989 e 1995 é ganha este mesmo galardão com Megan’s Island e com The Absolutely True Story - How I Visited Yellowstone Park With The Terrible Rubes. Em 1997 vence com Twisted Summer o Edgar Award – Best Yound Adult. A escritora funda o Seattle Chapter of Mystery Writers of America.


TEMA — PERSONAGEM — PADRE BROWN
G. K. Chesterton conhece em 1903 um padre católico irlandês, padre John O’ Connor, que irá ter uma grande influência sobre a vida do autor, a ponto de determinar a sua conversão ao catolicismo em 1922. É também O'Connor que serve de modelo para o primeiro padre detective da literatura policiária, Father Brown ou Padre Brown, que participa em 52 histórias reunidas em 5 livros: The Innocence of Father Brown (1910), The Wisdom of Father Brown (1913), The Incredulity of Father Brown (1923), The Secret of Father Brown (1927) and The Scandal of Father Brown (1935).
O Padre Brown… é um padre muito humano, fumador de charutos, apreciador de cerveja, baixito, gorducho, sempre com o seu prosaico guarda-chuva, míope e tímido, tolerante e adversário do purismo. Os problemas surgidos ao Padre Brown não são resolvidos por investigações pseudo-científicas, com estojos ou aparelhagem detectivesca e laboratorial; o padre utiliza uma intuição psicológica profunda, um senso comum e humano e o conhecimento do espírito dos criminosos.
Diz o Padre Brown: Tenho de entrar no criminoso… espero até sentir-me dentro de um criminoso, ruminando os seus pensamentos, lutando com as suas paixões… Nessa altura sou realmente um criminoso. E quando tenho a certeza absoluta de me sentir exactamente como o criminoso, é claro que sei quem ele é. (in Ficheiro de “Vampiro”)



 
TEMA — PASTICHE — A CARTA INTERROMPIDA
De Lima Rodrigues
Quando entrou em casa, naquele começo de tarde cinzento e triste, o padre Brown vinha mais corado que o costume. Com movimentos dolentes, pesados, tirou o seu exagerado chapéu da cabeça, livrou-se da grossa capa que trazia pelos ombros e olhou a pequena escrivaninha com ar enfastiado.
Vários papéis saiam dos pequenos cacifos. A sua vista, recordava ao bom padre o muito que tinha por fazer. Talvez por isso não tivesse podido evitar o olhar enfastiado que lhe deitara.
Destacado da outra papelada, amparado no tinteiro para que se mantivesse mais visível, um envelope de avião chamou-lhe a sua particular atenção. Uns selos coloridos, com a palavra Portugal bem destacada, denunciavam a sua origem.
Tirou um lenço do bolso da batina surrada e enxugou a testa larga onde umas rugas teimosas deixavam largos sulcos. Puxou uma cadeira para junto da escrivaninha e sentou-se, Agarrou no envelope e retirou dele duas folhas de papel fino e leve escritas de uma só face. Releu a carta vagarosamente. Depois, tirou de uma gaveta papel, segurou na caneta e começou por escrever no topo:
Londres, 28 de Janeiro de 1964
Hesitou uns momentos e recomeçou a escrever um pouco mais abaixo;
Meu Caro Varatojo:
Porque a vida de um padre muito embora a opinião de muitos, não é na verdade de boa vida, não me tem sido possível responder á sua prezada carta. Mas, porque dever é dever, eis-me hoje diante do papel, de caneta na mão, disposto a escrever-lhe duas linhas nas quais quero testemunhar-lhe o meu muito reconhecimento pelo seu amável convite.
Sensibilizou-me bastante o facto do meu amigo se lembrar de convidar este pobre servidor do Senhor para uma visita ao seu belo e encantador país. De há muito que acalento esse desejo, pois gostaria, antes de Deus me chamar à sua Divina Presença, de visitar o vosso Santuário de Fátima, hoje um dos lugares sagrados da Igreja Católica. Por isso, nada me agradaria Mais, creia, que uma “fuga”até aí.
Quanto aos muitos admiradores que diz eu aí ter — e não estou a duvidar — gostaria sinceramente de os satisfazer a todos, de ter para cada um palavras de incitamento, de alento e até de conforto. A juventude — o meu amigo sabe —  é a minha paixão. Evidentemente que a visita de um padre, depois da visita de um “Santo”, nada representará para a juventude portuguesa, mas, mesmo assim, se Deus quiser que eu vá, eu irei, pois “o futuro é um muro branco em que cada um pode escrever o seu nome em letras do tamanho que quiser”, como diria a meu amigo Chesterton e, se Deus quiser que o meu nome fique gravado no coração da vossa juventude, Ele iluminar-me-á o caminho para que isso suceda.
Não poderei, para já, prever quando irei. Vou tirar o chapéu para o passado, o casaco para o futuro, como diz o provérbio americano e ver se consigo pôr a casa em ordem de forma a que me possam autorizar a minha saída. Depois

O tocar incessante do telefone, veio interromper o padre Brown. Pousou a caneta na escrivaninha, levantou-se e dirigiu-se à sala ao lado, onde o telefone estava instalado. Por momentos, ouviu o que uma voz, através do aparelho, lhe dizia. Depois, bruscamente, desligou, Com uma energia surpreendente para o seu roliço e atarracado corpo, pegou no chapéu, agarrou a capa e saiu para a rua correndo.
Um homem que passava, mirou o padre com curiosidade e ficou a olhá-lo depois que se cruzaram. Na sua corrida, o sacerdote mais parecia. uma tartaruga a galope. O homem sorriu escarninho e seguiu o seu caminho.
Na esquina da rua, mesmo à frente do padre, um carro surgiu. Em largos gestos, o padre fê-lo dar meia volta e meteu-se nele, O motorista acelerou e o automóvel partiu numa corrida veloz por ruas sinuosas e estreitas, de prédios velhos e carcomidos pelo tempo; os seus tijolos vermelhos, pareciam desfazer-se em pó e a madeira das portas e janelas, desconjuntada e sem cor, parecia manter-se em pé mercê de uma força invisível.
Por fim, o carro parou, e sua frente, um polícia assim o exigia. O padre Brown saiu, lesto na sua corpulência. Revistou os bolsos à procura de moedas para pagar o serviço do táxi; o motorista agradeceu, deu meia volta ao carro e desapareceu.
Na densa neblina que pairava na cidade, podia ouvir-se o apitar constante dos barcos no Tamisa. Algures, uma fábrica apitou também. O rio devia estar muito perto, pois o motor dos barcos ouvia-se distintamente.
Ao fim da rua, havia um grande ajuntamento. Diversas viaturas da polícia encontravam-se estacionadas e uma ambulância apareceu com o seu sinistro uivar. Na sua maioria, eram polícias as pessoas que o eclesiástico avistou.
— Onde está ele? — perguntou ao guarda que mandara parar o carro.
— Lá em cima, no bar junto do cais.
O padre abalou, de novo a correr, em direcção ao ajuntamento ao fim da rua. Alguns polícias quiseram travar-lhe o caminho, mas ele conseguiu chegar junto de um homem de gabardina clara e chapéu na cabeça. O outro estava com os olhos fixos num prédio isolado, junto a um barracão que devia servir de armazém. Entre eles e o prédio, alguns carris de ferro, sobre os quais se movimentavam os enormes guindastes cujas silhuetas se distinguiam na neblina.
— Tenente Harrison? — perguntou.
— Sim, o próprio. — Padre Brown  — apresentou-se estendendo a mão.
O outro apertou-a sem interesse. Os seus olhos não largavam um só momento o prédio.
— Onde está Tom? — inquiriu o padre.
— Naquele bar em frente — indicou o tenente.
— Como foi isto? — quis saber o padre.
— Ora! — respondeu o outro — Como havia de ser? Houve um assalto esta manhã à bomba de gasolina do Joe Peters. Obra de dois rapazes. Dois teddy-boys, como vai sendo costume. Há pouco, recebemos uma chamada anónima informando-nos que um dos assaltantes era a Tom, o filho do próprio Joe Peters, Vim à cata dele, mas assim que me avistou, meteu-se naquele bar. Não corri atrás dele para não lhe dar a entender que era na verdade ele o meu objectivo. Mas poucos minutos depois de ele ter entrado, vi saírem, esbaforidos, alguns frequentadores. Era o nosso amigo Tom que os tinha corrido, bem como ao dono do bar. Depois, quando quis aproximar-me, disparou sobre sim. Isto é o diabo, padre, isto é o diabo!
— Eu vou falar-lhe — disse o padre resoluto.
— Não pense nisso, padre! — contrariou Morrison — Ele tem lá o garoto dos William e ameaçou estoirar-lhe os miolos se nos aproximássemos. Não pense nisso!
— Tom não é um mau rapaz. Não posso acreditar que tenha sido ele quem assaltou a bomba do próprio pai. Não! Tom não podia ter feito uma acção dessas!
— Acha que não? E que me diz do telefonema? E do comportamento dele?
— Um telefonema anónimo, é sempre anónimo… Não devemos dar ouvidos a quem se esconde no anonimato. Quanto ao comportamento dele… — pronunciou pensativo.
— Acha-o natural, padre?
— Não. Não será propriamente natural, mas deve ter uma. explicação.
— Qual? Não me dirá? — insistiu o tenente.
— Não sei… ainda não sei — retorquiu. — Mas vou sabê-lo já — disse dobrando resolutamente a esquina e ficando de frente para o bar.
Um tiro soou e uma bala passou a escassos centímetros do chapéu do padre.
— Não seja louco! Volte para trás — berrou Morrison.
— Tom! — gritou Brown — Sou eu, o padre Brown.
— Volte, padre! — grunhiu o tenente — Volte!
— Vá-se embora, padre! — disse uma voz vinda da bar.
— Não, Tom! Vou ter contigo! — respondeu o padre continuando a avançar.
— Não, padre! Não o quero aqui! Vá-se embora! — implorou Tom. — Olhe que eu disparo, padre, olhe que eu disparo!
— És capaz de disparar sobre mim? Sobre o teu padre Brown? — inquiriu.
Como resposta, nova bala assobiou aos ouvidos do servo de Deus. Nas suas costas, vários tiros soaram e o padre viu as balas embaterem nas paredes do bar e na porta. Um som de vidros que se quebram, depois, o silêncio. E de novo a voz do padre Brown:
— Não disparem! Isto é comigo e com o Tom! — implorou.
Um polícia, interpretando o silêncio que reinava depois da troca de tiros, arriscou uma corrida para o bar. Mas, alguns metros andados, um tiro susteve-lhe a corrida e o homem caiu nos carris como um fardo.
— Desapareça, padre! — vociferou Tom. — Veja se quer levar uma dose igual!
— Isso é contigo, Tom! Estou a tua mercê. Vamos, dispara! — e o padre Brown meteu a mão ao bolso, segurando o seu crucifixo.
No seu passo miudinho, bamboleante, o padre tinha-se aproximado da porta do bar. Estava agora a poucos metros e podia distinguir perfeitamente o rosto de Tom emergindo por entre um aglomerado de mesa; e cadeiras postas em frente da porta.
O garoto tinha um revólver apontado para o peito do padre e olhava-o desconcertado. Os seus dedos miudinhos envolviam a arma como se a acariciassem, Mas o indicador pousava perigosamente no gatilho.
— Vá-se embora! Vá-se embora! — berrou nervosamente.
— Não, Tom. O meu lugar é junto de ti. Sabes que somos amigos. Amigos de longa data, não é Tom? Somos amigos fixes, não é assim?
— Não, padre. Vá-se embora! Não mereço a sua amizade!
— Porquê, Tom? Tu não és meu inimigo. E ainda que o fosses… Não disse Cristo que devemos perdoar até aos nossos inimigos?
— Eles querem prender-me, padre! Mas eu não roubei!
— Isso agora não importa, Tom. Anda, sai daí — convidou o padre.
— Não… não posso! — disse Tom.
E o padre viu que a arma lhe caía da mão, enquanto o seu corpo desaparecia por detrás daquela improvisada barricada. Ouviu o som produzido pelo corpo do rapaz ao cair. O coração do bom sacerdote bateu mais acelerado com trágico pressentimento que lhe subiu ao cérebro. Num impulso irresistível, correu para o bar, entrando de rompante por cima de mesas e cadeiras. A muito custo, rompeu aquela barreira e pôde debruçar-se sobre o corpo do seu amigo. A um canto do balcão, Os olhos assustados de um garoto apareceram. No rosto, o sinal de choro recente. Ao ver o padre erguendo o corpo de Tom e o polícia que agora entrava também com a farda suja da queda que o pequeno atirador o forçara a dar quando disparara sobre ele, abeirou-se deles.
— Meu Deus! — exclamou o padre — Está ferido!
— Tragam a ambulância! — gritou o polícia para fora.
Num instante, o bar encheu-se de gente. A barricada foi desfeita e o padre, com o corpo do rapaz, nos braços, entrou na ambulância, que partiu com a sirene a uivar como louca.
O padre afagava a cabeça do pequeno amigo, enquanto os seus lábios iam rezando baixinho: Pai nosso, que estais no Céu
De súbito, Tom abriu os olhos. Olhou em redor, como que tentando lembrar-se do que se tinha passado. Depois, fixou-os no padre Brown. Uma lágrima apareceu-lhe ao canto dos olhos.
— Perdoe, padre Brown… perdoe! — murmurou.
— Então, Tom. Que é lá isso? Depois falamos, Meu filho, deixa lá! — tentou consolá-lo.
— Padre… — balbuciou — Padre… Não fui eu… não fui eu quem roubou o meu pai.
— Eu sei, Tom, eu sei… Está calado, sim?
— Eu estava em casa… Telefonaram-me… Não… não sei quem… quem era…
— Depois contas, meu filho, sim? Agora descansa, anda.
E os seus dedos voltaram a acariciar a cabeça do garoto.
— Disseram-me… que o tenente me vinha prender… Que lhe tinham.— que lhe tinham dito que era eu… que era eu quem tinha roubado o pai… Quando vi o tenente aparecer, tive medo, padre… e fugi…
— Precisas de descansar, Tom. Tens tempo de contar.
— Eu tinha medo… que me prendessem. Eu não fiz nada… Como me poderia defender, padre Brown? E o pai? Que pensaria ele disso, padre? Eu tinha medo… eu tinha medo, padre — e os olhos inundaram-se-lhe de lágrimas, que o amigo limpou piedosamente.
— Como é tão bom para mim, padre? — inquiriu.
A pergunta desconcertou o padre. O seu rosto redondo, semi encoberto com a sombra do seu enorme chapéu, esboçou um sorriso, enquanto as lágrimas teimosas lhe afloravam aos olhos.
— Ora, Tom! — disse por fim — Porque Ele disse que nos amassemos uns aos outros…
— Ele? — perguntou — Ah, sim! — disse compreendendo.
Suavemente, fechou os olhos. A seu lado, o sacerdote rezava baixinho: Avé Maria, cheia de Graça, o Senhor é convosco

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