Efemérides 31 de Outubro
H. R. F. Keating (1926 - 2011)
Henry Reymond Fitzwalter Keating nasce em St. Leonards-on-Sea, Sussex, Inglaterra. Escreve o primeiro conto apenas com 8 anos de idade. Jornalista e crítico de literatura de crime, durante 15 anos, no jornal The Times. É presidente do Detection Club, da Society of Authors e da Crime Writers Association. Em 1960 publica o seu primeiro romance policiário Death and the Visiting Firemen. Seguem-se mais de 50 livros: 26 títulos na série Inspector Ghote, 7 títulos na série Harriet Martens; fora das séries Keating escreve 18 romances policiários — 3 deles sob o pseudónimo Evelyn Hervey — 2 colectâneas de contos e ainda 6 livros de não ficção, mas relacionados com a temática policiária, incluindo Writing Crime Fiction (1986) e Crime And Mystery: The 100 Best Books (1987). H. R. F. Keating recebe o Gold Dagger Award, atribuído pela Crime Writers Association em 1964 ao primeiro livro da série Inspector Ghote, The Perfect Murder, mais tarde adaptado ao cinema; em 1980, recebe o 2º Gold Dagger com The Murder of the Maharajah; em 1996 é distinguido com o Diamond Dagger, o mais alto galardão que distingue toda a carreira de um escritor. Em Portugal estão editados
1 – O Assassinato Perfeito (1986), Nº40 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: The Perfect Murder. É o 1º livro da série Inspector Ghote.
2 – O Detective Rico (1998), Nº607 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Rich Detective (1993).
3 – O Bom Detective (1999), Nº618 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Good Detective (1995).
4 – O Suave Detective (2001), Nº642 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Soft Detective (1997).
5 – O Mau Detective (2002), Nº657 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Bad Detective (1996).
TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE H. R. F. KEATING — JUSTA DECISÃO DO INSPECTOR
Este é o primeiro contro do Inspector Ghote do Departamento de Investigação Criminal de Bombaim, personagem criado em 1964 pelo autor, que nesse mesmo ano ganhou o Prémio Inglês de Crítica.
M. Constantino
Desde o princípio, o Inspector Ghote suspeitou de Anil Divekar.
Críquete e Divekar eram coisas que não combinavam. O desporto de Divekar era outro completamente diferente. Era um ás nos assaltos à luz do dia.
Mas, no entanto, ali estava ele, exatamente como Ghote, que naquele raro dia livre, com o seu filho Ved, plantava-se do lado de fora do Estádio Brabourne, observando, sem entradas, a multidão que entrava para assistir à partida daquele dia. Divekar aproximou-se deles, com um sorriso largo:
— Inspector, quer duas entradas?
Ao lado de Gothe, segurando a sua mão, o rosto de Ved iluminou-se como se uma luz interior se tivesse acendido. Ghote quase aceitou a oferta. Ved merecia — era bem comportado e esforçava-se bastante no colégio, mas o Inspector sabia que não podia fazê-lo.
Empurrou Ved para a frente. Ao afastar-se do estádio, não podia deixar de perguntar-se sobre o que Divekar estaria ali a fazer. Claro, quando, de dois em dois anos, uma equipa da Inglaterra, da Austrália ou das Índias Ocidentais vinha jogar em Bombaim, a febre do críquete invadia a cidade, tomando conta das pessoas que menos se esperaria. De qualquer forma…
Cinquenta mil pessoas, prontas assar ao sol durante o dia todo, para verem um jogo aborrecido, que a maior parte não entendia.
Onde é que aquela gente arranjava o dinheiro para as entradas? Ghote sabia. Com os lugares de dezoito rupias vendidos por cem a entrada no estádio estava decididamente fora do seu alcance. O programa do pequeno Ved teria de ser, uma vez mais, uma visita, aos Jardins Suspensos.
Comprou cocos, mas Ved nem quis ver o chimpanzé que de cócoras esmagava os frutos escuros, descascando-os com habilidade.
Afinal Ghote desistiu, com uma explosão de irritação.
— Está bem, se é assim, vamos embora para casa.
Ved nada respondeu.
Puseram-se a caminho, Ghote andando depressa e esfalfando-se desnecessariamente. E enquanto desciam Malabar Hill, com enormes mansões rodeadas de jardins, aproveitando a sombra das grandes árvores, ainda ouviam a voz descansada do comentarista nos transístores dos transeuntes.
Ved andou mais rápido, distanciando-se do pai, com uma expressão de raiva.
Foi então que Ghote o viu. Anil Divekar. Pelo menos, a figura que viu lá na frente, num relance, esgueirando-se por um portão estreito e carregando nos braços um embrulho que parecia pesado, parecia-se particularmente com Divekar. Ghote partiu atrás dele.
Contudo, o som de passos que se aproximavam correndo alertou a figura furtiva que, em poucos instantes, se sumiu completamente.
Ghote voltou rapidamente para a casa por cujo portão vira a figura suspeita sair. Então, as coisas começaram a encaixar. A mansão fora alugada por temporada exactamente ao Rajá de Bolkpur, o mesmo que, jogando na equipa da índia, há pouco suscitara uma decisão errada por parte do juiz da partida, influindo decisivamente no , resultado final.
Uma busca rápida revelou que todas as jóias de uso pessoal do rajá haviam desaparecido.
Ghote entrou em contato com a Central de Polícia e relatou o facto. Depois ele e Ved viram-se obrigados a uma longa espera, até que um carro-patrulha chegasse ao local para se encarregar do caso. Mas conseguiu safar-se a tempo de dar um pulo ao estádio novamente, para que Ved, a postos com seu caderninho de autógrafos, visse se ainda encontrava algum dos jogadores que naquela altura já deviam estar de saída.
Chegaram ao estádio, exactamente no instante em que a multidão começava a sair, deram com Anil Divekar pela frente, ele não fez nenhuma tentativa para fugir. Pelo contrário, abrindo caminho com dificuldade por entre a multidão, dirigiu-se para onde estavam, com um largo sorriso.
Não havia dúvida de que ele julgava possuir um alibi forte. Mas, numa fração de segundo, Ghote percebeu como poderia apanhar Divekar, se este tivesse deixado o estádio durante o tempo necessário para cometer o assalto. Porque, por acaso, Ghote sabia exatamente o que ocorrera no estádio no momento em que o ladrão se esgueirava para fora da mansão de Malabar.
— Um dia de azar, pelo que escutei — disse para Divekar. — Que é que acha de Bolkpur?
Divekar abanou a cabeça tristemente.
— Uma decisão terrivelmente infeliz, inspetor — respondeu o outro. — Estava sentado bem atrás do lance, vi tudo muito bem. O juiz errou.
E ficou olhando para os dois, irradiando inocência.
— Ganhou, — pensou Ghote, enquanto se afastava desesperançado. Porém, a caminho de casa, deteve-se por um instante na Polícia Central para ver se algo novo surgira. O seu chefe estava lá.
— Bem inspector, disseram-me que viu Anil Divekar saindo da mansão.
— Desculpe, senhor, mas não creio que fosse ele, a E relatou o seu encontro com o homem no estádio minutos atrás.
Mas o superintendente não ficou impressionado.
— Tolice, homem, não importa o que ele diz, este é um crime com todas as características de Divekar. Cem por cento. Basta que o identifique como o homem saiu a correr da casa e nós o apanharemos.
Por um instante Ghote sentiu-se tentado. Afinal de contas, Divekar era um ladrão inveterado: de alguma forma, far-se-ia justiça. Contudo, sabia que não tinha a certeza quanto ao homem que vira sair da casa.
— Não, senhor — disse, — Desculpe-me, mas não posso.
Os olhos do superintendente faiscaram, e foi somente o ruído do telefone a tocar ao lado que adiou o momento da explosão da sua ira.
— Sim? Sim? Quem é? Oh, é o senhor, Inspector? Bem? E então? Quê? O jardineiro, hein? Mas… ah está tudo na posse dele? Não falta nada? Muito bem, então prenda-o imediatamente.
Voltou a colocar o telefone no gancho.
— Sim, Inspector — disse, novamente calmo. — O tal sujeito, Divekar. Como lhe dizia, precisa de ser vigiado, compreende, vigiado de perto. Parece que quer alguma coisa. Bom, ele deve voltar a ir ao jogo amanhã e creio que o melhor é que você esteja lá também.
— Sim, senhor — disse Ghote.
Uma ideia passou pela cabeça de Gothe.
— Ah senhor, pensa que para disfarçar um pouco a operação, podia levar também o garoto?
— Boa ideia. Leve-o, Inspector Ghote.