31 de outubro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 305

Efemérides 31 de Outubro
H. R. F. Keating (1926 - 2011)
Henry Reymond Fitzwalter Keating nasce em St. Leonards-on-Sea, Sussex, Inglaterra. Escreve o primeiro conto apenas com 8 anos de idade. Jornalista e crítico de literatura de crime, durante 15 anos, no jornal The Times. É presidente do Detection Club, da Society of Authors e da Crime Writers Association. Em 1960 publica o seu primeiro romance policiário Death and the Visiting Firemen. Seguem-se mais de 50 livros: 26 títulos na série Inspector Ghote, 7 títulos na série Harriet Martens; fora das séries Keating escreve 18 romances policiários — 3 deles sob o pseudónimo Evelyn Hervey — 2 colectâneas de contos e ainda 6 livros de não ficção, mas relacionados com a temática policiária, incluindo Writing Crime Fiction (1986) e Crime And Mystery: The 100 Best Books (1987). H. R. F. Keating recebe o Gold Dagger Award, atribuído pela Crime Writers Association em 1964 ao primeiro livro da série Inspector Ghote, The Perfect Murder, mais tarde adaptado ao cinema; em 1980, recebe o 2º Gold Dagger com The Murder of the Maharajah; em 1996 é distinguido com o Diamond Dagger, o mais alto galardão que distingue toda a carreira de um escritor. Em Portugal estão editados
1 – O Assassinato Perfeito (1986), Nº40 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: The Perfect Murder. É o 1º livro da série Inspector Ghote.
2 – O Detective Rico (1998), Nº607 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Rich Detective (1993).
3 – O Bom Detective (1999), Nº618 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Good Detective (1995).
4 – O Suave Detective (2001), Nº642 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Soft Detective (1997).
5 – O Mau Detective (2002), Nº657 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Bad Detective (1996).


TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE H. R. F. KEATING — JUSTA DECISÃO DO INSPECTOR
Este é o primeiro contro do Inspector Ghote do Departamento de Investigação Criminal de Bombaim, personagem criado em 1964 pelo autor, que nesse mesmo ano ganhou o Prémio Inglês de Crítica.
M. Constantino

Desde o princípio, o Inspector Ghote suspeitou de Anil Divekar.
Críquete e Divekar eram coisas que não combinavam. O desporto de Divekar era outro completamente diferente. Era um ás nos assaltos à luz do dia.
Mas, no entanto, ali estava ele, exatamente como Ghote, que naquele raro dia livre, com o seu filho Ved, plantava-se do lado de fora do Estádio Brabourne, observando, sem entradas, a multidão que entrava para assistir à partida daquele dia. Divekar aproximou-se deles, com um sorriso largo:
— Inspector, quer duas entradas?
Ao lado de Gothe, segurando a sua mão, o rosto de Ved iluminou-se como se uma luz interior se tivesse acendido. Ghote quase aceitou a oferta. Ved merecia — era bem comportado e esforçava-se bastante no colégio, mas o Inspector sabia que não podia fazê-lo.
Empurrou Ved para a frente. Ao afastar-se do estádio, não podia deixar de perguntar-se sobre o que Divekar estaria ali a fazer. Claro, quando, de dois em dois anos, uma equipa da Inglaterra, da Austrália ou das Índias Ocidentais vinha jogar em Bombaim, a febre do críquete invadia a cidade, tomando conta das pessoas que menos se esperaria. De qualquer forma…
Cinquenta mil pessoas, prontas assar ao sol durante o dia todo, para verem um jogo aborrecido, que a maior parte não entendia.
Onde é que aquela gente arranjava o dinheiro para as entradas? Ghote sabia. Com os lugares de dezoito rupias vendidos por cem a entrada no estádio estava decididamente fora do seu alcance. O programa do pequeno Ved teria de ser, uma vez mais, uma visita, aos Jardins Suspensos.
Comprou cocos, mas Ved nem quis ver o chimpanzé que de cócoras esmagava os frutos escuros, descascando-os com habilidade.
Afinal Ghote desistiu, com uma explosão de irritação.
— Está bem, se é assim, vamos embora para casa.
Ved nada respondeu.
Puseram-se a caminho, Ghote andando depressa e esfalfando-se desnecessariamente. E enquanto desciam Malabar Hill, com enormes mansões rodeadas de jardins, aproveitando a sombra das grandes árvores, ainda ouviam a voz descansada do comentarista nos transístores dos transeuntes.
Ved andou mais rápido, distanciando-se do pai, com uma expressão de raiva.
Foi então que Ghote o viu. Anil Divekar. Pelo menos, a figura que viu lá na frente, num relance, esgueirando-se por um portão estreito e carregando nos braços um embrulho que parecia pesado, parecia-se particularmente com Divekar. Ghote partiu atrás dele.
Contudo, o som de passos que se aproximavam correndo alertou a figura furtiva que, em poucos instantes, se sumiu completamente.
Ghote voltou rapidamente para a casa por cujo portão vira a figura suspeita sair. Então, as coisas começaram a encaixar. A mansão fora alugada por temporada exactamente ao Rajá de Bolkpur, o mesmo que, jogando na equipa da índia, há pouco suscitara uma decisão errada por parte do juiz da partida, influindo decisivamente no , resultado final.
Uma busca rápida revelou que todas as jóias de uso pessoal do rajá haviam desaparecido.
Ghote entrou em contato com a Central de Polícia e relatou o facto. Depois ele e Ved viram-se obrigados a uma longa espera, até que um carro-patrulha chegasse ao local para se encarregar do caso. Mas conseguiu safar-se a tempo de dar um pulo ao estádio novamente, para que Ved, a postos com seu caderninho de autógrafos, visse se ainda encontrava algum dos jogadores que naquela altura já deviam estar de saída.
Chegaram ao estádio, exactamente no instante em que a multidão começava a sair, deram com Anil Divekar pela frente, ele não fez nenhuma tentativa para fugir. Pelo contrário, abrindo caminho com dificuldade por entre a multidão, dirigiu-se para onde estavam, com um largo sorriso.
Não havia dúvida de que ele julgava possuir um alibi forte. Mas, numa fração de segundo, Ghote percebeu como poderia apanhar Divekar, se este tivesse deixado o estádio durante o tempo necessário para cometer o assalto. Porque, por acaso, Ghote sabia exatamente o que ocorrera no estádio no momento em que o ladrão se esgueirava para fora da mansão de Malabar.
— Um dia de azar, pelo que escutei — disse para Divekar. — Que é que acha de Bolkpur?
Divekar abanou a cabeça tristemente.
— Uma decisão terrivelmente infeliz, inspetor — respondeu o outro. — Estava sentado bem atrás do lance, vi tudo muito bem. O juiz errou.
E ficou olhando para os dois, irradiando inocência.
— Ganhou, — pensou Ghote, enquanto se afastava desesperançado. Porém, a caminho de casa, deteve-se por um instante na Polícia Central para ver se algo novo surgira. O seu chefe estava lá.
— Bem inspector, disseram-me que viu Anil Divekar saindo da mansão.
— Desculpe, senhor, mas não creio que fosse ele, a E relatou o seu encontro com o homem no estádio minutos atrás.
Mas o superintendente não ficou impressionado.
— Tolice, homem, não importa o que ele diz, este é um crime com todas as características de Divekar. Cem por cento. Basta que o identifique como o homem saiu a correr da casa e nós o apanharemos.
Por um instante Ghote sentiu-se tentado. Afinal de contas, Divekar era um ladrão inveterado: de alguma forma, far-se-ia justiça. Contudo, sabia que não tinha a certeza quanto ao homem que vira sair da casa.
— Não, senhor — disse, — Desculpe-me, mas não posso.
Os olhos do superintendente faiscaram, e foi somente o ruído do telefone a tocar ao lado que adiou o momento da explosão da sua ira.
— Sim? Sim? Quem é? Oh, é o senhor, Inspector? Bem? E então? Quê? O jardineiro, hein? Mas… ah está tudo na posse dele? Não falta nada? Muito bem, então prenda-o imediatamente.
Voltou a colocar o telefone no gancho.
— Sim, Inspector — disse, novamente calmo. — O tal sujeito, Divekar. Como lhe dizia, precisa de ser vigiado, compreende, vigiado de perto. Parece que quer alguma coisa. Bom, ele deve voltar a ir ao jogo amanhã e creio que o melhor é que você esteja lá também.
— Sim, senhor — disse Ghote.
Uma ideia passou pela cabeça de Gothe.
— Ah senhor, pensa que para disfarçar um pouco a operação, podia levar também o garoto?
— Boa ideia. Leve-o, Inspector Ghote.


30 de outubro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 304

Efemérides 30 de Outubro
Rudolfo Anaya (1937)
Rudolfo Alfonso Anaya nasce em Pastura, New Mexico, EUA. Conceituado romancista, com uma extensa lista de prémios literários é especialmente reconhecido pelo facto inovador de a sua obra de ficção expressar herança mexicana-americana, a tradição do folclore e a transmissão oral de contos. Neste registo o livro do autor Ultima, La Grande é considerado uma obra-prima da Literatura. Rudolfo Anaya tem uma obra vasta: livros de não ficção e de literatura infantil e juvenil. Na área do policiário cria uma série, protagonizada por Sonny Baca, um detective privado em Chicago, natural do Novo México, que busca as raízes culturais do crime. Estão publicados nesta série: Zia Summer (1995), Rio Grande Fall (1996), Shaman Winter (1999), e Jemez Spring (2005).



TEMA — ESTUDOS DE LITERATUTRA — PERFIL DE UM ESCRITOR: MAURICE LEVEL
Por M. Constantino
De nacionalidade francesa, nascido em 29 de Agosto de 1875 e falecido a 15 de Abril de 1925, foi um admirável escritor especializado em contos de terror e fascínio. De fértil imaginação e total mestria, derramou nos seus escritos crueldade, violência e sangue em abundância, ditando finais primitivos de suspense que recordam Maupassant, mas muito mais Edgar Allan Poe do que qualquer outro escritor.
Pouco traduzido em Portugal, onde apareceu quase cem anos depois da sua publicação.

Maurice Level


UM CONTO DE MAURICE LEVEL — COLHEITA VERMELHA
Com longos golpes, lentos e rítmicos, Jean Madek enfiava a foice no trigo, e ao toque da lâmina as espigas que baloiçavam na ponta das hastes caiam suavemente com um prolongado frufru de seda.
Ele avançava, harmonizando os passos com o ritmo do braço e a terra por detrás mostrava-se escura, pintalgada aqui e ali por grupos de pedras, cobertos de raminhos de palha avermelhada.
A velha mãe seguia-o de perto, toda curvada, a juntar as espigas espalhados, e vendo os pés a arrastar os pesados tamancos, as duas mãos enrugadas e nodosas e o corpo coberto de andrajos, dir-se-ia um animal agachado sobre as quatro patas.
O sol subia no horizonte. Um calor muito forte pesava sobre tudo, envolvendo a campanha num torpor e dando à terá cultivada a aparência de um enorme fruto maduro.
Respigando activamente a velha resmungou:
— O que estará a tua mulher a fazer até estas horas? Quando virá’
— Ela vai trazer o almoço ao meio dia
A velha encolheu os ombros:
— Pelo menos não se mata a trabalhar!
— Esteja ela aqui ou na fazenda, está sempre a trabalhar.
— Ah! Trabalho daquela espécie!
Depois, como que falando consigo mesma, enquanto voltava a colher as espigas do solo:
— O patrão também não veio esta manhã. Quem sabe ficou em casa para lhe dar uma mão?
— Que queres dizer com isso?
— Eu? Nada… palavras… só para dizer alguma coisa.
Jean continuou o seu trabalho. A velha recomeçou, como se falasse para si mesma:
— O meu defunto marido jamais consentiria numa coisa destas. Quando ia para o campo não me deixava em casa a fazer companhia ao patrão.
Pela segunda vez o segador levantou a cabeça.
— Porque me falas disso?
— Dizia cá comigo que o teu pai sempre foi mais desconfiado do que tu. O filho endireitou-se sobressaltado:
— Como? Que queres insinuar? Deves ter alguma razão para falar assim.
— Se queres saber — explodiu a velha sem endireitar o busto — toda a gente fala de Céline… E os comentários não são nada bons!
— Que comentários? Está a falar de quem?
— De ninguém e… de toda a gente… E o que é mais, não se pode culpá-los por isso. Não se pode deixar de ver o que se passa diante dos nossos olhos.
— Mentiras!
Sem parecer ouvi-lo a velha afastou para um lado um torrão de terra com a ponta do pé e continuou:
— Conto-te para o teu próprio bem. Sou tua mãe e nada devo esconder. Podes zangar-te à vontade, mas já está prevenido.
— São tudo mentiras, já te disse. Céline é uma boa dona de casa, nunca se queixa do trabalho; tem tudo o que deseja. Por que me seria infiel? Porquê?
A velha fez um gesto vago:
— Sei lá! — resmungou. E mudando de tom, acrescentou — Além do mais, se falo é pelo bem de ambos. Ela é jovem, gosta de se divertir, de se vestir bem, de ir ao mercado nos sábados. A tentação por vezes assalta-nos de repente.
A voz monótona da velha prosseguiu:
— Não é dela que eu falo, é claro! Mas um marido nem sempre está presente: trabalha no campo e sai uma vez por mês para o serviço militar.
O homem já não a ouvia. Mas tinha as duas mãos cruzadas em cima da foice, os olhos perdidos ao longe; absorvera-se nas lembranças que lhe povoavam a mente. Toda a espécie de pequenos incidentes davam peso às insinuações da velha: o patrão, um conhecido libertino, duro com os que labutavam nas suas terras, mas sempre particularmente amável com ele; a coqueteria da esposa.
E de repente ocorreu-lhe que dentro de uma semana teria de partir para passar um mês inteiro com o seu regimento.
No fundo do campo, sob um conjunto de árvores, uma chamada soou e, endireitando-se, Jean Madek viu a cabeça e os ombros da esposa a emergir do dourado da planície, e alguns passos mais atrás, sacudindo o relho curto e forte por entre o trigo, o patrão de rosto corado e chapéu de abas largas.
Uma voz risonha gritou:
— Olhem o almoço!
Um por um os trabalhadores saíram do trigal e sentaram-se à sombra das árvores, a comer a refeição.
Jean sentou-se em silêncio, cortando lentamente o pão preto em pequenos pedaços.
— Por que estás tão quieto, Madek? — perguntou o patrão.
— Estás doente? — inquiriu á esposa.
— Não, mas o sol está a queimar. Deve estar melhor lá dentro de casa.
O patrão rompeu numa gargalhada.
— Não há dúvida!
Terminado o repasto, todos se estiraram para uma soneca. Recomeçariam. o trabalho quando o sol tivesse perdido um pouco do seu ardor. Madek não dormiu. Deitado de bruços, o queixo apoiado nas mãos, ficou perdido nos seus pensamentos.
Quando bateram as duas, os homens levantaram-se voltando ao campo, e mais uma vez, sobre o dourado das espigas que nenhuma brisa agitava, ouviu-se o ruído do ritmado das foices.
Assim que todos retomaram o trabalho, o patrão estirou-se lentamente e numa voz repassada de sono gritou para a mulher de Madek:
— Escuta, Céline. Por acaso trouxeste uma agulha contigo?
— Sim, patrão.
— Então vem dar uns pontos na minha camisa. As vacas estão no pasto. Há tempo de sobra até a hora de ires buscá-las. O sol vai alto, faz muito calor agora. Vou lá para debaixo da macieira. Vai ter comigo assim que acabares de enfeixar o teu molho. Mas vais pela estrada, a fim de não bater os grãos.
Sorriram dissimuladamente um para o outro. Mas Madek que os observava viu tudo. Fez um movimento como que para falar, mas depois baixou a cabeça e continuou a segar.
A velha fora-se embora. Era agora a esposa quem o seguia. Assim que enfeixou o molho, ele observou sem se voltar:
— Não ouviste o que o patrão te disse?
— Sim, ouvi.
— Que esperas, então?
— Já vou…
Prendeu o cabelo que se soltara enquanto estivera abaixada. As duas mãos apoiadas nas ancas, os seios arfando sob o «corpete de cor viva, lá se foi ela com uma flor apertada entre os dentes.
O. marido ficou a vê-la perder-se entre a verdura como alguém engolido pelo mar, e assim que desapareceu por completo na sombra da macieira, que se interpunha no horizonte, ele voltou outra vez ao trabalho.
Os movimentos haviam perdido o abandono da manhã. Avançava aos arrancos, parando de repente e recomeçando outra vez, cabeça baixa, maxilares apertados, uma ruga feia entre as sobrancelhas.
A princípio guardara certas dúvidas; seguira-se a certeza fortalecida pelo incidente que surpreendera não fazia muito. Ao avançar parecia ver a mulher e o patrão às risadas e aos beijos, à sombra da macieira.
E avançava sempre atirando o peso do corpo nos braços. Atrás dele as espigas amontoavam-se e o campo cultivado que a sua foice devorava diminuía a olhos vistos. Jamais no primeiro vigor da juventude trabalhara daquela maneira.
Lá de longe um companheiro gritou:
— Pretendes cortar tudo hoje?
Sem levantar os olhos, respondeu:
— Talvez. Quando se achava apenas a alguns passos da macieira, parou a ouvir atentamente; um leve murmúrio lhe chegou aos ouvidos. Uma voz, a voz de sua mulher, que dizia:
— Não… ele pode ver-nos.
E outra voz mais forte a replicar:
— Fica quieta! Ele está do outro lado campo. Leva mais de meia hora para chegar aqui. Vem para mais perto!
Durante alguns segundos ele imobilizou-se como que transfigurado, lívido sob o queimado de sol; depois com um vivo gesto de decisão, continuou a segar. Mas diminuíra o ímpeto do avanço. Os golpes da foice eram quase silenciosos. O trigo caía no solo sem um som. Quando se viu quase debaixo da árvore, ouviu o ruído de beijos. Erguendo o corpo inteiramente, num gesto fúria levantou a foice cuja lâmina cintilou muito branca ao sol. Depois desceu-a mergulhando-a às cegas… Dois gritos horríveis cortaram o silêncio, e duas coisas pavorosas, duas cabeças, saltaram no ar e tornaram a cair, separando as hastes douradas que se quebraram com um leve ruído.
A foice saiu do meio do trigal, vermelha de sangue.
Madek atirou-a longe, e sacudindo no ar as mãos ensanguentadas, trovejou:
— Socorro! Um acidente. Eles estavam ali!



29 de outubro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 303

Efemérides 29 de Outubro
Fredric Brown (1906 - 1972)
Ver TEMA
Fredric William Brown nasce em Cincinnati, Ohio, EUA. Autor de ficção científica e policiário, pouco popular em vida, torna-se um escritor de culto quase meio século depois, com redições da sua obra em todo o mundo; é um autor muito popular em França e no Japão. Fredric Brown recebe o Edgar Award para Best First Novel em 1948 com The Fabulous Clipjoint. Em Portugal, o autor está incluído em várias antologias e é possível encontrar o registo da edição dos seguintes livros policiárias:
1 – O Tio Prodigioso (1952) Nº56 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Fabulous Clipjoint (1947). Reeditado em 2005, Nº17 Colecção 9mm, Publico. É o 1º livro da série Ed & Am Hunter.
2 – Um Grito Ao Longe (1958) Nº105 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Far Cry (1951)
3 – Luar Sangrento (1958) Nº129 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Bloody Moonlight (1949). É o 3º livro da série Ed & Am Hunter.
4 – O Prazer De Matar (1958) Nº129 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Deep End (1952).
5 – Dobre A Finados (1959) Nº144 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Dead Ringer (1948). É o 2º livro da série Ed & Am Hunter.
6 – Os Assassinos (1962), Nº120 Colecção Xis, Editorial Minerva. Título Original: The Murderers (1961).
7 – Feira - Crime (1963), Nº9 Colecção Ângulo Negro, Editorial Íbis. Título Original: Mad Ball
8 – Psico (1963), Nº13 Colecção Ângulo Negro, Editorial Íbis. Título Original: Psycho (1959)
9 – O Nome Dele Era Morte (1964), Nº11 Colecção Rififi, Editorial Íbis. Título Original: His Name Was Death (1954)
10 – Ripper (1964), Nº5 Colecção Policial Best-Sellers, Galeria Panorama. Título Original: The Screaming Mimi (1949).
11 – Quem Matou a Avozinha? (1976) Nº353 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: We All Kill Grandma (1952).
12 – A Morte Tem Muitas Portas (1978) Nº370 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Death Has Many Doors (1951). É o 5º livro da série Ed & Am Hunter.


TEMA — ESTUDOS DE LITERATUTRA — PERFIL DE UM ESCRITOR: FEDERIC BROWN
Por M. Constantino
De corrector de provas em periódicos até aos pulps, jornalista, romancista e contista engenhoso e inteligente. No policiário — criador de Am e Ed Hunter — oscilou entre a ficção e o realismo, utilizando a novela negra, o crime psicológico e o terror, considerado o poeta da prosa, deixou uma infinidade de contos breves, além de romances. Escreveu igualmente ficção científica, da qual foi um dos mais admirados e admiráveis cultores.
Este homem pequeno, de rosto franzino e eterno bigodinho, que acabou minado pelo álcool, foi inteiramente definido como tendo “o génio de O. Henry, a graça de Mark Twain e… o talento especial de Fredric Brown…”



TEMA — CONTO DE FICÇÃO CIENTÍFICA— A SENTINELA
De Fredric Brown
Sentia-se pegajoso e sujo, com o suor acumulado dentro do escafandro do espaço. E esfomeado, e cheio de frio…
Há quanto tempo ali estava? E quanto mais teria de estar para cumprir as ordens, para defender os seus camaradas que descansavam, e para evitar a aproximação do perigoso e repelente inimigo, de estranha raça?
E quando acabaria aquela guerra sem esperança? Quando acabaria a luta entre as duas raças tão diferentes? Quando poderia enfim voltar para o seu planeta natal, esse radioso e verde globo que se encontrava agora a mais de 50 mil anos-de-luz de distância?
Sobre ele, um estranho sol amarelo iluminava palidamente as arestas cortantes e ásperas saliências dos montes mais próximos, reflectindo uma claridade irreal na superfície do navio espacial e, mais além, na própria antena de comunicação.
E a gravidade… Essa, duas vezes mais forte do que aquela a que ele estava habituado, tornava-lhe difícil cada movimento, por mais pequeno que fosse, transformando o menor gesto num pesadelo.
O seu mundo, as coisas que se habituara a conhecer desde a infância, parecia-lhe cada vez mais longe, afastando-se para nunca mais voltar.
Ainda se a guerra com esta raça imunda estivesse para acabar… Se o extermínio desses seres repelentes estivessem por pouco…
Mas não! Há dezenas e dezenas de anos que esta guerra se arrastava, sem a mais vaga probabilidade de findar.
E, se ainda da sua acção tirasse algum proveito. Se fosse conhecido o seu sacrifício, se o distinguissem, o promovessem e por fim o enviassem de regresso ao seu planeta de origem… (Ah! Voltar, voltar! Só pensava nisto a todo o instante!).
Mas esta malfadada guerra só servia para enobrecer os outros, os que manejavam as armas mais importantes, os que realizavam as proezas mais vistosas…
Os que voavam no espaço eram sem dúvida competentes e dignos de elogios. Eram eles na verdade que garantiam que a raça não seria derrotada pelo abjecto inimigo. Eram eles que asseguravam os transportes. Eram eles que desferiam os golpes mais hábeis e mais certeiros.
E os seus esguios e elegantes navios do espaço, as suas armas esquisitas mas eficientes, deslumbravam, é certo. Mas, quando se poisavam os pés no solo, quando se tratava de eliminar, uma por uma, as repugnantes criaturas que ameaçavam os seus camaradas, quando se pretendia conquistar terreno à raça inimiga, era ainda o soldado a pé, a infantaria, o combate directo, que tinha de suportar a luta, que tomava as posições e as mantinha, passo a passo, à custa de muito esforço e muito sangue.
Assim acontecia neste maldito planeta de uma estrela cujo nome ele nunca ouvira até que pousara aqui. Era ele, e os seus camaradas que descansavam perto, que tinham de garantir a presença da sua raça ali contra tudo e contra todos.
O sol, de cor amarela cada vez mais esvaída, descia no horizonte. E as sobras adensavam-se. Os contornos tornavam-se mais imprecisos. E o perigo aumentava.
Mas aquele solo, agora, era sagrado. Tinha sido tomado pelos seus, e havia que defendê-lo contra o inimigo, os estranhos que também aqui se encontravam. Para isso ele ali estava de sentinela.
O inimigo… essa estranha raça, a outra única raça inteligente de toda a Galáxia… feita de cruéis, horrorosos e repugnantes monstros!
O primeiro contacto com eles tinha sido estabelecido perto do centro da Galáxia, depois de lenta e difícil colonização de uns doze mil planetas. E a guerra tinha rebentado imediatamente. Eles disparavam sem sequer tentar quaisquer negociações, ou estabelecer a paz.
Agora de planeta em planeta, de amarga luta em duro combate, a guerra travava-se sem tréguas.
Sentia-se pegajoso e sujo, no seu escafandro do espaço. E esfomeado e cheio de frio… e a noite estava negra e áspera, com um vento cortante que lhe fustigava a viseira…
Mas a hora tornava-se cada vez mais perigosa, e eles tentavam infiltrar-se.
Ele apurou os sentidos, mantendo-se alerta, de arma aperrada e pronta.
A mais de cinquenta mil: anos-luz de casa, combatendo num meio hostil e estranho, e pensando se chegaria algum dia a voltar para o seu mundo.
De súbito… viu um deles arrastando-se na sua direcção. Rapidamente, ergueu a arma e disparou. O inimigo fez aquele estranho e horrível som que todos costumavam fazer, e ficou quieto no solo.
Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao ouvir e ver o inimigo ali estirado. Devia já estar habituado a eles ao fim de tanto tempo, mas nunca conseguira vencer a aversão. É que eles eram umas criaturas tão repulsivas só com dois braços e duas pernas, com uma horrível pele branca e… sem escamas!

Capa de Cândido Costa Pinto 

  
TEMA — CONTO POLICIÁRIO — CRIME PLANEADO
De Fredric Brown
Walter Baxter sempre foi um ávido leitor de histórias de crime e novelas policiais. Por isso quando decidiu assassinar o tio sabia que não deveria cometer erro nenhum, e que, para evitar tal possibilidade, a “simplicidade” devia ser- o princípio fundamental do plano. Simplicidade absoluta. Nada de álibis que pudessem ser desfeitos. Nada de modus operandi complicados: nada de despistes.
Isto é, apenas um, e dos mais simples. Teria de roubar a casa do tio, levando todo o dinheiro que encontrasse, a fim de que o assassinato aparecesse como resultado de um roubo. De outra forma, como o único herdeiro de seu tio, seria o primeiro suspeito.
Escolheu com cuidado um bom pé-de-cabra, mas de maneira: que não ligassem o instrumento à sua pessoa. Serviria tanto de instrumento como de arma. Planeou todos os detalhes e escolheu a noite e a hora, depois de inúmeras deliberações cautelosas.
O bom pé-de-cabra abriu a janela do rés-do -chão com facilidade e sem ruído. E entrou na sala sem o menor contratempo. A porta que dava para quarto de dormir estava aberta mas nenhum som partia dali, de modo que resolveu liquidar primeiro a parte do roubo. Sabia onde o tio guardava o dinheiro, mas era preciso dar a impressão de que haviam dado uma busca pela sala. Havia luar suficiente para lhe iluminar o caminho, mas ele movia-se silenciosamente
Em casa, duas horas mais tarde, despiu-se com rapidez e meteu-se na cama. Não havia- possibilidade da polícia descobrir o crime antes da manhã seguinte, mas queria estar preparado, caso aparecesse antes disso O dinheiro e o pé-de-cabra tinham desaparecido. Doera-lhe destruir algumas centenas de dólares, mas assim era mais seguro e tal quantia nada representava diante dos quarenta ou cinquenta mil que iria herdar.
Ouviu-se bater à porta. Já… Procurou acalmar-se Foi até à porta e abriu-a. O xerife e um polícia entraram no quarto.
— Walter Baxter? Temos uma ordem de prisão contra o senhor. Vista-se e acompanhe-nos.
— Uma ordem de prisão contra mim? Porquê?
— Por crime de roubo. O seu tio viu-o e reconheceu-o através da frincha da porta do quarto de dormir. Ficou em silêncio até o senhor sair e depois nos comunicou o facto. Walter Baxter ficou de queixo caído. Sempre cometera um erro no fim de contas. Planeara o crime perfeito, mas deixara-se absorver de tal forma pelo mecanismo do roubo que se esquecera por completo de cometer o crime.