Efemérides 10 de Outubro
Derek Lambert (1929 - 2001)
Derek William Lambert nasce em Londres. Jornalista em vários locais — Inglaterra, Russia, África…— que por vezes utiliza para cenários dos seus livros. Publica o primeiro romance, Angels In The Snow em 1969 e seguem-se mais livros de mistério / detective até 1997. Sob o pseudónimo Richard Falkirk cria a série Edmund Blackstone Mystery (com 6 títulos), passada em ambiente londrino, no inicio do sec IXX e ainda mais dois romances.
TEMA — OS GRANDES TEMAS DA FICÇAO CIENTÍFICA — A “CATÁSTROFE FINAL”
A verdade é que não existe nenhum futuro possível, previsível ou imaginário, que em algum momento não haja sido abordado por um autor de ficção científica, mesmo o futuro último. Aliás, este futuro último, constituído pela visão de catástrofes mundiais de toda a ordem, é um dos temas mais utilizados no referenciado género de ficção.
Tema aliciante, sem dúvida, que remonta aos primeiros passos de revolução industrial, quando o homem começou a compreender que, no planeta em que nascera mais não era do que mero e ínfimo insecto deambulando pela sua superfície repleta de perigos, e sujeito a ser facilmente esmagado a cada momento.
Para J.G. Ballard, o escritor que no género mais cataclismos idealizou da “catástrofe final”, os estudos psiquiátricos levados a efeito pelos especialistas dão por concluído que de entre os fantasmas do mundo humano, O FIM DO MUNDO está latente no inconsciente, o a ficção serve desses medos, explorando-os, como desfruta especulativamente as hipóteses e inquietações que dominam a existência.
Passando pelas “causas cósmicas”, “causas naturais”, “causas humanas” ou “causas extraterrestres”, os quatro grandes grupos da origem do novo apocalipse, não passaria de pura presunção tentar relacionar todas as narrativas entre as várias modalidades da ficção, explorativos do tema, apontando-se, contudo, que todas as formas referenciadas no texto que antecede estão fortemente representadas na ficção científica.
O degelo dos pólos, artífice de um novo dilúvio, é abordado no ano de 1802 por Restif de la Bretonne em “Les Posthumes”, logrando novo e posterior tratamento em “The Second Delugo (1911) de Garrett P. Seviss, “Deluge” (1928) de Sydney Fowler Wright, bestseller no ano da publicação e origem de uma produção cinematográfica da R.K.O. (Radio-Keith-Orpheum) no ano seguinte. Erle Stanley Gardner, um escritor consagrado da narrativa policiária ataca o assunto porém num estilo medíocre que intitulou “Other Words”'. Mais interessantes são a versão apresentada por Nathaniel Salisbury em “The Moon Doom”, Douglas Orgill “The Sixth Winter” (1979), o conto “The Forgotten Enemy” de Arthur C. Clarke, no qual o último homem sobre a Terra desperta uma manhã para descobrir que os glaciares lhe batem à porta e, muito mais convincente é “The Word in Winter”, no qual um duro, prolongado e anormal inverno altera o equilíbrio climatérico, as neves e os gelos incrementam o crescimento dos glaciares, destes resulta um mundo inundado pela água.
Em “The Drowned World” (1963) Ballard cria uma Terra que se tornou tropical e a maior parte da civilização está debaixo de água…
… sucessivas convulsões geofísicas que haviam assim transformado o clima da terra tinham tido o seu início sessenta ou setenta anos atrás. Uma série de violentas e demoradas tempestades, com a duração de vários anos, causadas por uma súbita instabilidade no sol, haviam tornado mais extensos os círculos Van Allen e diminuído a força gravitacional da Terra sobre as camadas exteriores da ionosfera. À medida que estes se diluíam no espaço, destruindo assim as defesas da Terra contra o choque da radiação solar, a temperatura começou a subir ininterruptamente e a atmosfera aquecida passou a expandir-se na ionosfera onde se completava o ciclo.
O surto destes estranhos fenómenos foi abafado pela segunda convulsão geofísica. O contínuo aquecimento da atmosfera principiara a enfraquecer a crosta polar. Os mares interiores do planalto antárctico quebraram os gelos que começaram a derreter-se; inúmeros glaciares do redor do Circulo Antárctico, desde a Groenlândia até ao Norte da Europa, à Rússia e à América do Norte, vieram desaguar no mar.
Desta vez ainda a subida total do nível das águas não excederia alguns escassos metros, se não fosse a enorme quantidade de húmus descarregada pelos canais. Na foz de cada um deles formou-se imediatamente um gigantesco delta, prolongando assim as costas dos continentes e assoreando os oceanos. A área destes, de três quartas partes da superfície da Terra, passou a ocupar pouco mais de metade.
Arrastando consigo o lodo do fundo, estes novos mares transformaram-se por completo o aspecto e o contorno dos continentes. O Mediterrâneo contraiu-se formando um sistema de lagos internos; as ilhas Britânicas ficaram novamente ligadas ao Norte da França. O médio Oeste dos Estados Unidos, alagado, pelo Mississípi que descia das Montanhas Rochosas, tornara se num enorme golfo que dava para a Baía de Hudson, ao passo que o mar das Caraíbas ficava transformado num deserto de charcos lodosos e salgados. A Europa reduziu-se a uma sucessão de lagoas gigantescas, com o centro nas principais cidades situadas a pequenas altitudes, inundada pelo lodo trazido para o Sul pelos rios recentemente formados.
A imaginação destrutiva dos escritores de ficção científica é fecunda. Em “The Great Wash” (1953) de Gerald Kersh, gigantescas armas nucleares são disparadas no fundo do oceano para desviar as correntes do Golfo, aparentemente por pura malvadez, o que origina o degelo e a ruína para o mundo; em “Válka s mloky” (1936) o clássico “Guerra das Salamandras” de Karel Capet (Clicar) verifica-se o contrário, os explosivos de alta potência destinam-se a nivelar a terra firme; John Wyndham serve-se em “The Kraken Wakes” (1955) de uns implacáveis alienígenas submarinos que aquecem atomicamente os mares gelados provocando a derrocada da Terra…
“… um ruído vindo da parte superior do curso do rio: um ruído composto das vozes da multidão. O povo à nossa volta debruçou-se e murmurou. Um momento depois vimos a água a chegar. Saltou sobre as muralhas numa inundação larga e lamacenta, arrastando o lixo os arbustos, e passou para além de nós. A multidão como que gemeu. De repente ouviu-se o estrondo de qualquer coisa que estoirava e logo em seguida o ruído de paredes que se desmoronavam…”
Terrificante, simplesmente terrificante, é “La Peur Géante” (1957) do escritor francês Stefan Wul…
“ A vaga tinha-se formado de chofre, concentricamente ao pólo, sob o efeito da fusão brutal dos gelos árcticos. Depois, circular alargara a circunferência e deslizara em direcção ao Equador. A mil quilómetros por hora!
No mundo inteiro, as pessoas tinham ouvido um rumor de fim mundo e presenciado o céu a obscurecer-se. Haviam-se entreolhado numa interrogação, encolhido os ombros, posto o nariz no ar e tinham sido riscados, num ápice, da existência, sem tempo de compreender por que razão.”
(Continua)
TEMA — CONTO POLICIÁRIO NACIONAL — O ÚLTIMO VOO DO HOMEM PÁSSARO
De Fernando Chambel
— Sejam, bem-vindos ao maior espectáculo do Mundo!
Imaginem! … A pista emergia, vagarosamente, numa escuridão que fazia lembrar uma noite amaldiçoada pelos deuses das trevas, sem uma réstia de luar. Rufavam os tambores… fecundavam-se ecos estridentes! As mentes do público, dilaceradas pelo “suspense” e ávidas de emoções fortes, apelavam: Violem a escuridão! Violem a escuridão!
Silêncio! Eis chegada a minha hora. Mil luzes se acendiam e outras tantas se projectavam para o ar. Agora, o espectáculo era eu! Navegava, caprichosamente, pelos ares daquele majestoso recinto. Era senhor, incontestado, de mil e um trapézios, sabedor das mais grandiosas técnicas de saltos mortais e outras habilidades.
A assistência deixava esvoaçar da sua boca, entreaberta, interjeições de admiração e de espanto.
O meu nome dava energia a um vasto número de néons:
“O maior trapezista do mundo! Ícaro, o homem-pássaro!”
Era assim o meu sonho! …
Um sonho de papel! Rasgava-o, sem consideração pelos mortais nascidos do ventre de um deus menor, a masoquista realidade, que constantemente nos rodeia.
A sociedade pressiona-nos; a nós, que somos meros vagabundos do limbo, proíbe-nos o pão!
Vivemos do sangue das nossas vítimas?!
Fui mercenário, e minha educação teve lugar no seio dos horrores da guerra. Aprendíamos a sobreviver e a executar a única ordem que nos era dada: — Morte ao inimigo!
Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste? Nestes caminhos que percorro já só encontro a morte. Nesta faca, que possuo, já não há lugar para mais sangue. Estou farto de matar… sem saber porquê! Mesmo no final do meu sonho, encontro o inferno à minha espera.
Ousei desafiar o destino! …
Resolvi suicidar-me! Encontrei-me perante um abismo, pronto a voar sobre ele e a realizar, por fim, a minha fantasia, mas agora sem trapézio.
Levantou-se uma brisa meiga e serena, cheia de doces prazeres. Oh, deuses; Mesmo ante a minha morte tentais dissuadir-me de tal acção, envolvendo-me em deleitosas sensações terrestres? Pelo menos, uma vez na vida, eu seria útil à sociedade… matar-me-ia.
Absorto em tais reflexões, não reparei na presença de um rapaz de tenra idade — com os seus dez anos — mesmo junto a mim. Assim que o vi, tive vontade, de… de… não sei do que tive vontade. Ali, havia algo de diferente? A sua imagem impunha-se de forma imponente. Tinha um sentido espiritual; o olhar era mágico, cativante.
Falou-me do lado bom da vida; tentava salvar-me. Empregou uma filosofia pura, sem rodeios. Falei-lhe das minhas culpas e mesmo assim absolveu-me.
— Obrigado, rapaz! — disse-lhe.
Obrigado? Mostrei, pela primeira vez, um grande afecto por um meu semelhante. Agradecera-lhe por me ter salvo a vida! Quis dar-lhe um forte abraço, mas não pude. Raios! Jamais poderia tirar as mãos dos bolsos. Deles corria um aterrador fio de sangue. Era a maldição!
Fiquei confuso, fora de mim. Fugi daquele sítio, pertencente aos domínios do Demónio, e alberguei-me num bar dos arredores. Iria afogar o meu desespero na bebida, namorar-me-ia da embriaguez. Eu, o vinho e mais ninguém!
Mergulhei, durante longas horas, o meu espírito no álcool fantasma que já dava mostras de me assombrar.'Foi então que vislumbrei, de entre a atmosfera viciada, um vulto familiar. Eis chegado um amigo… um mercenário, como eu. Aquele maldito momento — na altura, bendito — levara--me a pedir mais vinho para o devido festejo. O meu amigo recusou-se a beber tudo o que fosse alcoólico. Muito bem, beberia e minha parte e a dele também.
Apesar do meu estado, de incoerência mental, senti necessidade de falar-lhe das minhas dificuldades. Ouviu-me e aconselhou-me, dando como exemplo a vida que levara até ao momento: casara, tinha uma mulher, um lar e um puto. Era um homem feliz!
Senti, então, um ódio, crescente, avassalador, sinónimo de inveja pelo meu companheiro de guerra. Ele nada compreendera e disse-me:
— Anda, sentir-te-ás melhor lá fora.
— Desaparece! — retorqui-lhe. Este bar será a minha sepultura.
Não fez caso do que eu lhe dissera e arrastou-me para fora do estabelecimento. Irado, perdi o controlo dos meus sentidos, puxei da faca e matei-o. Sim, matei-o! Perdeu-se-me a razão, guiou-me instinto. As testemunhas do sucedido não ousavam reter-me. Estavam horrorizadas com a visão cruel provinda das minhas mãos, o sangue.
Pensei: “Ao meu amigo de nada servem já os seus pertences de maior valor — está morto — ficarei com eles.” Pus em prática tal pensamento e encontrei, num dos bolsos, a fotografia do filho.
— Meu Deus! Era o retrato do rapaz que me salvara das garras daquele abismo.
Eis-me de novo perante precipício. Morrerei aqui, e maldição que carrego irá comigo. Eis o segredo: das minhas mãos escorre, continuamente, o sangue das minhas vítimas, incluindo o deste meu amigo. Tal fenómeno não tem explicação…
E mergulhou, silenciosa mente, no infinito. Concretizara o seu sonho, mas sem trapézio.
O vento sussurrou por entre as vertentes e trouxe consigo os aplausos e ovações da sociedade…
Naquele abismo ficara a poesia da morte: “Aqui curar-te-ás a ti próprio!”
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