20 de outubro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 294

Efemérides 20 de Outubro
Frederic Dannay (1905 - 1982)
Daniel Nathan nasce em Brooklin, New York, EUA. Utiliza o pseudónimo Frederic Dannay, é na parceria que forma com o primo, Manfred Bennington Lee que surge o célebre Ellery Queen. Ver CALEIDOSCÓPIO 11 (Clicar). Em Portugal os livros desta dupla têm sido editados por várias editoras, com destaque para:na Colecção Vampiro de Bolso e na Colecção Obras Escolhidas de Ellery Queen, pela Livros do Brasil (Clicar), também pelas Publicações Europa-America (Clicar).


TEMA — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA
Um relato aparecido em 1833 em “La Révue de Paris”, “Ferragus”, de Balzac, oferece todas as possibilidades de poder ser classificado como um thriller se fosse publicado em linguagem actual. Todos os elementos de um romance policial, desde a inquietante Clémence Desmarets, ao investigador por necessidade de afirmação, Auguste de Malincour, associações secretas e assassinatos. Um mecanismo quase perfeito para integração na tutela policiária.

Charles Whitehead (1804 – 1862) e William H. Ainsworth (1805 – 1882), autores ingleses respectivamente de “The Autobiography of Jack Ketch” e “Roockwod”, ambos de 1834, o último igualmente autor de “Jack Sheppard” (1839), renovaram a tradição dos Newgate Calendars, cujos heróis são criminosos. A única inovação é a utilização de numerosas ilustrações que acompanham o texto.
Neste último ano anuncia-se o fim do Newgate Novels.

Pierre François Lacenaire, poeta e dramaturgo francês, dir-se-ia ter-se dedicado ao mal por vocação. Nascido em 1800 na localidade de Francheville (Lyon), morreu no cadafalso em 1836. Segundo as suas “Mémoires et Révélations” (1835), tinha por culto a Morte, por amor o Diabo, por ódio a Moral.
Contestatário, dentro da amargura própria dos indesejáveis, guardava um rancor surdo contra a sociedade, contra as regras de uma moral que cheirava a hipocrisia, praticava crimes sórdidos, viciosos, cioso de chegar à meta -a guilhotina.
Lacenaire foi um contemporâneo de Vidocq e será, ao que se pensa, o inspirador do personagem, François Villon.
Bem pode dar-se apoio total ao historiador francês Louis Chevalier (1911-2001), quando afirma que “o crime foi um dos temas principais de tudo o que se escreveu em Paris e sobre Paris desde os últimos anos da Restauração até aos primeiros anos do Segundo Império, durante os quais cresceu, sobre os escombros da velha cidade, uma Paris monumental. (…) Criminosa, esta Paris, foi-o sobretudo pelo lugar ocupado pelo crime nas preocupações quotidianas das pessoas. O medo suscitado pelo crime era constante, mas atingiu a sua maior intensidade em certos invernos de miséria e frio (…) Mais importante contudo do que o medo do crime foi o interesse por ele e por tudo o que se lhe referia. (…) Com efeito, para além destes fenómenos de terror e de pânico, o interesse pelo crime foi uma das formas de cultura popular deste tempo; das suas ideias, imagens e palavras, das suas crenças e conhecimentos, da sua linguagem e dos seus comportamentos”.
Émulo de Vidocq, mas movimentando-se em níveis de linhagem superiores, como superior é igualmente a sua condição, Coriza é, simultaneamente, um aventureiro de nacionalidade portuguesa, um ladrão-justiceiro, um “gentilhomme”, saído da imaginação de L.T Gilbert (1780 – 1827) em “Fortune et Revers ou L’aventurier Portugais” (1824).
As características quer do personagem, quer da temática perspectivam um estudo que nos levará ao celebérrimo Arsène Lupin. Mas não é o único. Entre outros, Charles Delmar, Robert Macaire, Edouard Dorville, em “La Fille du Commissaire” (1828), de Louis-François Raban (1795 – 1870) e “Les Aventures d'un Gentilhomme Parisien” (1837) de George James Elis, são personagens que, no caminho, deixaram pegadas para se chegar ao gentleman-cambrioleur.
O refinamento da narrativa é visível.

“Mr. Higginbotham's Catastrophe”, publicada em 1837 por Nathaniel Hawthorne (1804-1864) (autor de “The Scarlet Letter” — -a história moral da Nova Inglaterra —-“The Marble Faun” e “The Dolliver Romance”, obras que retratam situações da ficção científica, o regresso do passado e o elixir da vida, respectivamente), e faz parte do volume “Twice-Told Tales”, figura em diversas antologias policiais. Entretanto, após árduo trabalho com a tradução concluímos que pouco adiantaria no presente estudo para encontrar elementos da génese da narrativa policiária. Erro tremendo seria. Ao relermos o conto verificámos que faltava traduzir a última página... a explicação da trama que, a acreditarmos nos peritos da investigação literária, tem merecido rasgados elogios que não regateamos.
Preferíamos um título que nada tem com o original: “o homem que morreu três vezes”. Ou, um bem mais longo: “de como um homem jovem que gosta de contar um conto e aumentar-lhe um ponto, pode impedir a execução de um crime”.

Primeiro foram os “folhetos'” — todos os tipos de “broadsheets”, depois os “folhetins” passados nos jornais diários, semanais ou mensais, como complemento dos mesmos. Em 1840 eram as publicações por entrega — fascículos de livros vendidos de porta em porta, cujas últimas folhas de cada, deixavam uma situação equívoca ou de suspense capazes de manter no leitor a expectativa que o levava à aquisição de cada entrega, até final, por vezes durante anos.
No entanto, a transformação da “novela popular”, que por o ser abrangia também maior área de leitura, em literatura “populista” — de compromisso socio-político — enfraquece-a até à extinção.
De realçar, com moderação embora, pois servem tão só como elementos históricos, os escritos ingleses de James Malcolm Rymer, com “Varney, o Vampiro”, e G.N. Reynolds, com “Anão Azul”, que têm sob as suas ordens exércitos de bandidos de todas as espécies e formas. Não é novo, como sabemos, a elevação do Mal, na figura dos marginais.

Alexandre Dumas (1802-1870), cuja produção é tão vasta que foi acusado de assinar obras alheias ou, mais moderadamente, de escrever com as duas mãos, deixou-nos boa margem de material escrito, por meditação.
Em jeito de fábula, muito próximo do estilo de Zadig, “A Sabedoria de Cádi” reportado a 1840, é uma narrativa de pura dedução.
Para simplificar, dividimo-la em três textos:
Um dia Bou Akas ouviu dizer que o cádi de uma das suas doze tribos se revelara um juiz digno do Rei Salomão. Como um novo Haroun al Raschid, resolveu averiguar a verdade das histórias que lhe tinham contado. Vestido como um tratador de cavalos, sem as armas que em geral o distinguiam, sem qualquer emblema de nobreza e nenhum séquito, montou um animal que ninguém diria pertencer ao grande Chefe.
Quis o acaso que no dia da sua chegada a feliz cidade em que o cádi exercia o seu cargo de juiz, ali houvesse uma feira e, em consequência disso, a corte estava em sessão. Também por obra do acaso — Maomé cuida dos servos em todos as sentidos —às portas da cidade Bou Akas encontrou um aleijado que, agarrando-se ao seu albornoz, como os pobres se agarravam à capa de S. Martinho, Ihe pediu uma esmola. Bou Akas deu-lha a esmola, como seria de esperar de um honesto muçulmano, porém o aleijado continuou agarrado a ele.
— Que queres? — Perguntou Bou Akas. — Pediste uma esmola e eu atendi-te.
— Sim — replicou o aleijado — Mas a lei não diz apenas darás esmola ao teu irmão mas acrescenta farás por ele tudo o que estiver ao teu alcance.
— Bem, que posso fazer por ti? — preguntou Bou Akas.
— Poderás impedir que o pobre desgraçado que sou, seja esmagado sob os pés dos homens, dos mulas e dos camelos, o que não deixará de acontecer se me arriscar a entrar na cidade.
— E como impedir isso?
— Fazendo-me subir para a garupa do teu cavalo e levando-me ao mercado, onde preciso de ir.
— Pois seja — retorquiu Bou Akas; e dando a mão ao aleijado, auxiliou-o a montar às suas costas. A operação foi realizada com certa dificuldade, mas acabou por concluir-se. Os dois homens montados num só cavalo atravessaram a cidade, não sem excitar a curiosidade geral. Finalmente chegaram ao mercado.

Chegado ali o aleijado não quis descer do cavalo, alegando que o cavalo lhe pertencia e, porque Bou Akas, ameaçou levá-lo à presença do justo cádi, retorquiu:

— E pensas que ao ver os dois, tu com as tuas fortes pernas que Deus destinou aos caminhos e à fadiga, e eu com as minhas quebradas, pensas realmente que ele não decidirá que o cavalo pertence àquele que mais necessidade tem dele?

Levado o caso à presença do cádi, este decidiu que o cavalo ficasse na sua posse e na manhã seguinte daria a sentença. Esta foi favorável a Bou Akas que quis saber a razão da decisão.


— Ah, isso e outra coisa, e até hoje de manhã eu continuava intrigado.
— Então o aleijado conseguiu reconhecer o cavalo — sugeriu Bou Akas.
— Reconheceu-o, sim.
— E então?
— Levando cada um de vós ao estábulo, não o fiz para ver qual dos dois reconheceria o cavalo e sim para ver a qual dos dois o cavalo reconheceria! Ora, quando te aproximaste dele, o animal relinchou; quando o aleijado se aproximou, a animal escoiceou. Por isso disse comigo mesmo: o cavalo pertence ao homem de pernas sãs e não ao aleijado. E entreguei-o a ti.
Bou Akas reflectiu um instante e depois exclamou:
— O Senhor é contigo; tu é que devias estar no meu lugar, pois estou certo de que saberias ser Xeque, mas não sei se eu estaria a altura de te substituir.



TEMA — ALGO DE SOBRENATURAL — O ORGANISTA INVISÍVEL
Autor desconhecido
O Reverendo H. J. Skynner, da Catedral Anglicano de São João, em Winnipeg, no Canadá, tinha precisamente começado a ler uma passagem do Novo Testamento, naquela manhã de Domingo, em Dezembro de 1953, quando soou uma nota no órgão.
As cabeças de toda a congregação voltaram-se na direcção do órgão, esperando ver um organista embaraçado por ter acidentalmente pressionado uma tecla. No entanto, não havia ninguém junto ao órgão. A organista já tinha tomado o seu lugar entre a assistência, para ouvir o sermão.
Mas o órgão continuou a tocar, em tom alto e claro, e o organista “invisível” acompanhou o Reverendo Skynner durante mais de vinte minutos. Segundo os membros atónitos da congregação, as notas formavam uma melodia desconhecida, mas muito agradável.
Uma partida de mau gosto estava fora de questão. Durante todo o tempo em que o órgão tocou, o único lugar em que o instrumento podia ser tocado era totalmente visível para os que se encontravam na catedral.
Os peritos da companhia construtora do órgão tentaram explicar o facto dizendo que os ventos fora da catedral podiam, de algum modo, ser responsáveis pelo invulgar concerto.
Mas a organista repudiou esta teoria, insistindo que o órgão tinha sido completamente fechado, e todas as válvulas fechadas antes de ela sair. O seu depoimento foi confirmado por aqueles que foram investigar o órgão, logo que terminou o serviço religioso.

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