Efemérides 25 de Outubro
R. Barri Flowers (1956)
Ronald Barri Flowers nasce em Detroit, Michigan, EUA. Criminologista e escritor policiário tem duas dezenas de short stories publicadas e mais de 40 livros editados, entre criminologia, crime real, thrillers e police procedural. O escritor utiliza também o pseudónimo literário Devon Vaughn Archer. É o criador dos personagens Leila Kahana e Skye Delaney, é um autor de diversos bestsellers e tem recebido vários prémios ao longo da sua carreira literária.
TEMA — AMORES CONTRARIADOS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL (3) — PEDRO E INÊS
Não têm faltado representações literárias e outras, sobre o drama do Infante D. Pedro, mais tarde El-Rei D. Pedro I de Portugal e D. Inês de Castro. Muito se tem explorado o evento, entrando por caminho de lenda ou cenários irrealistas quase sempre no sentido delineativo dos factos. Poucas vezes se admitiu, frontalmente, que o Infante D. Pedro, filho de D. Afonso IV “o muito poderoso D. Afonso, muito temido e de grande poder”, que reinou em Portugal por 37 anos, tivesse sido uma vítima de excessiva rigidez do poderoso soberano.
Os arranjos políticos que, como ainda hoje sucede, se transformam em comprometimentos e que naqueles tempos começavam invariavelmente por casamentos de interesse, reservou ao Infante uma menina insignificante, doente, pálida e franzina, Branca de Castela, quando ele não completara oito anos e ela sete. Em cerca de quinze anos, por imbecil e sem préstimo foi reexpedida com o seu dote à corte de Castela, sem consumação do casamento. Já desquitado, Pedro vê-se casado com D. Constança, uma esposa repudiada de Afonso XI, que casara igualmente por conveniência e acabara por encerrar a noiva num convento. Estava-se em 1336, ela tinha 23 anos e ele 16; o casamento fez-se por procuração em Évora, mas a noiva só foi autorizada a vir para Portugal quatro anos depois. Qual seria a reacção do Infante D. Pedro perante estas decisões que o tocavam de perto e para as quais não era consultado? É natural que tivesse curiosidade. Não é de crer que houvesse antecipada antipatia, até porque D. Constança era uma mulher de 27 anos, temperada pelo sofrimento e até com certa beleza, que via em Pedro o Príncipe dos seus sonhos alto, desenvolto, larga fronte coroada de anelados cabelos louros, barba sedosa e dourada, faces claras róseas, onde brilhavam olhos negros, profundos e cismáticos mas defendia-se de uma familiaridade que não sentia e se consolidaria, sem saber porquê, numa muralha invisível. Constança amava-o sossegadamente, mas o seu ídolo consome as horas dela esquecida na caça ou na lembrança, cada dia mais activa, de uma certa donzela do séquito da esposa: D. Inês de Castro.
Esta, é uma jovem de dezoito garridas Primaveras que lhe traz recados da ama e cuja voz é música para Pedro, que quando levanta inadvertidamente o olhar cora de embaraço mostrando uns olhos verdes transparentes, cristalinos, em que apetece mergulhar em busca de frescura como que num lago verde em tarde de calmaria. Tudo nela parece perfeito, o rosto oval, epiderme de leite e rosas, mãos flexíveis de lírio, cabelo de ouro puro, corpo ondeante… o Infante começara a descobrir o verdadeiro amor; pela esposa apenas existia a vaga amizade do hábito de convivência — é com amargo sobressalto que o reconhece.
Também Inês sente uma louca atracção pelo Infante e, a ponto tal, que adoece gravemente. Dir-se-ia desejar morrer.
— Dizei-lhe… ouvis? Dizei-lhe que… que eu lhe suplico que sare… que viva… para que eu viva!
Recebida a mensagem, dias depois a febre não volta a apoquentá-la. Reaparece oscilante para uma paixão cega e delirante, sem fim. Nem as chamadas de atenção do Rei, nem as artimanhas postas no caminho para os afastar, nem a clausura no Convento de Santa Clara onde o Infante a descobriu, nem tão pouco a expulsão para Castela onde Pedro a foi buscar sobre o dorso de um cavalo, tão pouco os filhos que D. Constança tenta inutilmente oferecer ao marido e acaba por morrer, com trinta e dois anos, no acto do nascimento de D. Fernando, separa os dois apaixonados.
Para D. Afonso IV as acções do filho são punhaladas violentas nas costas. Através de amigos comuns por várias vezes sugere-lhe o casamento com uma princesa para que assegure a segurança do reino, o “não” é a resposta.
Com trinta anos, quatro vezes mãe, Inês não era menos formosa do que a donzela de dezoito que Pedro conhecera, Continuam a amar-se, ébrios de felicidade, agora instalados em Santa Clara — Coimbra, depois de alguns tempos no Paço da Serra d’El-Rei, próximo de Peniche.
Numa manhã dos inícios de 1355, Afonso IV convocou uma reunião dos principais conselheiros: Diogo Lopes Pacheco, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves. Persuadira-se o Rei ou persuadira os conselheiros da imoralidade da ligação do filho e intranquilidade para o Reino enquanto Inês estivesse junto de Pedro, obcecados pelo amor. Punir o Infante, seria desumana crueldade, mas Inês punha em perigo a independência do Reino… a pena é a degolação, “por ser nobre a ré”. Em 7 de Janeiro daquele mesmo ano, muito cedo, ainda com estrelas pálidas e friorentas, o meirinho de El-Rei e dois guardas de armas, invadem os aposentos de Inês quase desnuda, arrastam-na para o pátio e, diante dos próprios filhos, ajustam-lhe a cabeça no cepo e… de um só golpe o machado do carrasco, Brás, separa a cabeça de cabelos louros.
Horas depois, apressadamente, Afonso e os seus conselheiros e demais homens de armas saem de Coimbra. Quando o infante regressa e chama por Inês esta já fora sepultada na Igreja do Convento… alucinado pela dor, desvairado pelo desespero, gritando, clamando, procura arrancar com as unhas a terra que esconde o corpo.
— Inês! Minha Inês! Ouve-me. Não posso viver sem ti, minha Inês!
Desvairado de Amor por Inês, torna-se desvairado de ódio contra o pai e Rei.
— Não é pai, é carrasco! Não é Rei, é assassino!
Não nos alongaremos em conceitos até à morte do Rei Afonso, carregado de anos e mágoas em 1357.
Sucede-lhe no trono o Infante, agora El-Rei D. Pedro I. Foi um rei correcto, amigo do povo e de boa civilidade, um justiceiro à moda do seu tempo. Ilusoriamente parecera esquecer Inês, adormecida carinhosamente dentro de si.
Um pedido do Rei de Castela, seu sobrinho, para permuta de foragidos nos dois reinos, veio reavivar os agravos. Convenhamos que o ódio é tão fértil na justificação dos seus argumentos como o Amor… D. Pedro de Portugal levou o assunto ao Tribunal da Corte para conhecer se os argumentos dos conselheiros que condenaram Inês à morte tinham relevância. O Tribunal entendeu que não, condenando esses homens à morte e perda dos seus bens. Os refugiados castelhanos foram entregues, porém, dos portugueses apenas Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves figuram na troca, Diogo Lopes Pacheco, por milagre da sorte não foi encontrado e foge para Aragão.
Muitas lendas se teceram em volta do suplício ordenado aos prisioneiros entregues à justiça de D. Pedro I que, ao tempo pousava no seu Paço da Porta de Leiria, em Santarém. Não passaram realmente de lendas, tais suplícios, pois, se necessários fossem ocorreriam antes da sentença lavrada. De concreto sabe-se que a Lei Real foi cumprida — a um foi-lhe arrancado o coração pelas costas, ao outro pelo peito, os quais foram queimados e as cinzas atiradas ao rio.
D. Pedro não ficou por aqui. Fez construir dois formosos túmulos no mosteiro de Alcobaça, num dos quais a estátua jacente de Inês de Castro ostenta a coroa de Rainha, e fez para ali trasladar com honras de Soberana, a urna levantada do túmulo de Santa Clara. Ele não tardou a fazer-lhe companhia; morre aos 47 anos, com apenas dez anos de reinado.
O Amor e a Dor são dois grandes mestres da vida - mestre de um rigor inexorável, exigente. E quem não tiver para lhe obedecer, sucumbe sem atingir a plenitude de viver. Foi o Amor o grande mestre que levou D. Pedro I ao encontro da sua personalidade. Foi a Dor que facultou com essa personalidade todos os recursos para a luta do seu querer, sem desfalecimento. O Amor desperta as faculdades, a Dor estimulou-as para a acção. Pedro, Rei de Portugal, sofreu, mas amou da única forma que se pode amar: plenamente!
Inês de Castro - Lima de Freitas |
TEMA — CONTO DE FANTASIA— SONHO DE UM ESPELHO
De Marcia Souto
Tradução de M. Constantino
Uma casa velha, abandonada, escura. Nas janelas abandonadas os vidros haviam caído lá dentro. Está em silêncio. De vez em quando uma folha atirada pelo vento, entra e é duplicada pelo espelho. Cai e fica por ali, esperando outras. O espelho, no centro da parede, é o único objecto vivo na casa. É grande e quase esqueceu como são os homens. O fio que o sustenta está cada vez mais débil…
Houve tempos em que os homens e as mulheres se detinham na sua frente e nele os reflectia com avidez. De noite, quando todos dormiam, sonhava ensaiando formas de quem nele se havia mirado. Caminhava pelo quarto nas suas pernas copiadas e, por vezes, espreitava pela janela e as árvores e casas mais além. Nunca se atrevia a sair, e ao ouvir o menor ruído corria para a parede e colocava-se no seu lugar até à próxima oportunidade.
Agora já não pode fazê-lo. As suas recordações são vagas e não poderia reproduzi-las correctamente. A última vez que o tentou, as pernas e a forma do corpo foram tão imperfeitas que caiu no solo. Teve de rebuscar na memória a imagem de um gato para chegar, ajudado pelas suas quatro patas, até à parede.
Homens. Homens. Homens! Já não vos poderei copiar. Estou a esquecer tudo, esquecer…quem sou?
O fio rompeu-se.
Uma volta pelo ar. Caiu de frente: vinte e três pedaços! Uma morte … e vinte e três vidas novas… sem recordações!
Chegou o Outono e o vento secou os troncos, deixando poucas folhas nas árvores.
Um dia o sol levou uma borboleta à janela. Entrou na sombra e deu várias voltas. Torpemente, sobrevoando por fim os meus restos.
Pela janela saíram então, uma, três, oito, vinte e três borboletas.
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