2 de março de 2012

CALEIDOSCÓPIO 62

EFEMÉRIDES – Dia 2 de Março
Jonathan Ross
(1916)
Pseudónimo de John Rossiter, detective chefe reformado que vive em Wiltshire, Inglaterra. Em The Blood Running Cold, cria o Inspector George Rogers, protagonista da série com o mesmo nome, com 21 livros publicados entre 1968 e 1997. Escreve também sob o seu nome 7 livros de espionagem com o herói Roger Tallis.


David Goodis (1917 – 1967)
David Loeb Goodis nasce em Filadélfia, Pensilvânia, EUA. Estuda jornalismo, escreve o primeiro livro em 1939 Retreat from Oblivion, ao qual se segue um número indeterminado de contos (mais de 400) para Pulp magazines, sob diferentes pseudónimos David Crewe, Lance Kermit, Logan Claybourne e Ray P. Shotwell. A partir da década de 40 trabalha como argumentista na rádio e no cinema. Publica 19 livros de mistério/detective, o mais conhecido é Dark Passage devido à sua adaptação ao cinema. Goodis retrata com frequência ambientes marginais, sórdidos e carregados de pessimismo, parecem reflectir o seu próprio percurso, e tornam-no num escritor maldito e um dos mais admirados do romance policial negro do século XX. Em Portugal estão editados alguns livros de David Goodis:
Brigada Nocturna (1964), Nº139 Colecção Xis, Editorial Minerva. Título Original: Night Squad (1961)
Beco Sem Saida (1966), Editorial Minerva.
Obsessão (1968), Nº18 Colecção Clube do Crime, Bertrand Editores. Título Original: Cassidys Girl
Disparem Sobre o Pianista
(1985), Nº14 Colecção Policial de Bolso, Editorial Caminho. Título Original: Down There (1956)
A Lua na Valeta (1986), Nº4 Colecção Estórias, Teorema. Título Original: The Moon In The Gutter (1953)
Detenham Essa Mulher (1988), Círculo de Leitores. Título original: Behold This Woman
O Ladrão
(1992), Nº152 Colecção Policial de Bolso, Editorial Caminho. Título Original: The Burglar (1953)
Uma Loira na Esquina (1993), Círculo de Leitores. Título original: The Blonde On The Street Corner (1954).


Fernando Luso Soares (1924 – 2004)
Fernando Augusto de Freitas Mota Luso Soares, nasce em Alenquer. Advogado, dramaturgo, ensaísta, tradutor, crítico e ficcionista. Na área do policiário dirige a revista Investigação — Revista mensal de ciência e literatura policial (1953-1958) onde publica textos sobre a obra policial de Pessoa. Destaca-se ainda Crime a Três Incógnitas (1953), O Crime de um Fantasma (1954), Crimes e Criminosos na Divina Comédia de Dante (1954) e A Novela Policial-Dedutiva em Fernando Pessoa (1976).



TEMA — FICÇÃO CIENTÍFICA – OS OUTROS
Conto de Hélia Sotta

E os outros? Também seriam?
As interrogações eram tremendas e agoniavam-na na sua persistência…
Ele…, era-o de certeza. Não tinha provas reais e concretas mas vira o suficiente e adivinhara o resto.
Continuou maquinalmente a mudar a fralda ao bebé. Que seria dela…, das filhas… e do resto da aldeia… talvez até do resto do mundo?
Aconchegou a criança e suspirou.
Mas porquê, Santo Deus, porquê?
Tudo começara naquela manhã em que o carro avariara e de dento da floresta lhe surgira um jovem atraente e de aspecto trocista que em minutos lhe resolvera o problema mecânico.
Tinham conversado, trocado cartões, e tinham acabado por ir tomar uma bebida à aldeia mais próxima… aquela mesma onde agora, passados quatro anos se encontrava. Houvera encontros, ideias trocadas e o amor irrompera. Tinham casado e tinham duas filhas. Naquele ano ela insistira para irem passar férias na aldeia onde se tinham conhecido. Ele esquivara-se mas a suave teimosia dela prevalecera.
Nos primeiros dias tinha sido maravilhoso, porém… houve o piquenique.
Ela organizara-o para o local onde tivera a avaria no carro e foi com surpresa e desgosto que ao chegar lá o marido não teve senão um encolher de ombros aborrecido. Comeram e ela estendendo-se na caruma perfumada deixou-se adormecer. Acordou de repente com a assustadora sensação de um silêncio pesado e absoluto. O ruído do bosque cessara e a vida parecia ter parado. Levantou-se e chamou o marido. Correu hesitante por entre as árvores, pro-curando vê-lo. O medo começou a crescer dentro dela.
De repente, estacou. Uma cena arrepiante saltou aos seus olhos. E em segundos todo um conjunto de pormenores estranhos acerca dele que deliberadamente tentara sempre abstrair, envolveram-lhe o cérebro num turbilhão de loucura…
Aqueles olhos estranhos e dourados que fitavam e pareciam emitir luz, aquela língua estranha e de sons incríveis que ele falava enquanto dormia, aquelas mãos que tinham passado num esfolão e o tinham sarado instantaneamente, aquele gato que sempre que o via se eriçava e miava de modo arrepiante…
Santo Deus! O que via ultrapassava tudo quanto a sua mente podia conceber. Ele encontrava-se no centro de uma clareira com dois homens vestidos de fatos brilhantes. Falavam mas a tal língua estranha, absolutamente impossível de ser reproduzida por gargantas humanas. E junto a eles um objecto esférico pousado aguardava. O suor escorria-lhe pelas faces. Apeteceu-lhe gritar, correr para o marido e suplicar-lhe que desmentisse todo aquele pesadelo. Porém não conseguiu mover-se. De súbito voltaram-se na sua direcção e viram-na. Trocaram sons excitados e os dois homens estranhos e diferentes entraram apressados para o esquisito veículo e numa nuvem escaldante elevaram-se, desaparecendo vertiginosamente.
O marido encaminhou-se para ela. Calmo e seguro. Ela retrocedeu. Ela sabia que o horror ainda não terminara. Ele fitou-a intensamente e uma paz quente envolveu-a. Deixou de ter medo. Ele sorriu-lhe. Estendeu-lhe a mão. Uma mão que curava, que irradiava amor…
Ele não era humano… sabia-o agora. Qual seria a sua missão?
Qual seria o seu futuro? E das filhas? E do mundo?
Teria que se calar. Amava-o muito mas a maior razão, aquela que a emudeceria para sempre é que as suas filhas tinham os olhos dourados… e algumas crianças da aldeia também.


TEMA — O CRIME NA LITERATURA POLICIÁRIA – O ROUBO
Extracto de Novelas do Minho de Camilo Castelo Branco

Em uma dessas noites, o chefe, com uma dúzia de escolhidos, entrou na Congosta de Enxiras, onde morava Bento de Araújo. Ele, com mais dois, acercaram-se da porta; os outros postaram-se de atalaia nas extremidades da viela. ~
O pedreiro estava ainda sentado à lareira. Desde que lhe disseram que o filho pernoitava às vezes em casa do Meirinho, velava até ser dia claro. O receio de ser assaltado era tamanho que já três vezes, em noites tempestuosas, gritara à d'el-rei. Os vizinhos, à primeira, acudiram vozeando das janelas com invulnerável intrepidez, e viram dessa feita que um porco vadio, atraído talvez pelo cheiro de pocilga, foçava contra a porta de Bento. Depois, ainda que ele gritasse ninguém se mexia, atribuindo ao porco as agressões incómodas ao avarento.
Foi o que aconteceu naquela noite de novembro. O pedreiro sentiu o abeirar-se gente da sua porta, e deu tento do raspar de ferro entre a ombreira e o batente. Gritou: mas parecia gritar já com os colmilhos apertados. A língua da fechadura estalou, e a porta foi diante de dois possantes ombros tão rapidamente que os homens, como duas catapultas, entraram de roldão, e só pararam filando-se à garganta do velho empedrado. Por entre eles, e à luz do canhoto que flamejava, o pedreiro viu lampejar o aço de uma navalha e ouviu, através dos lenços com que os hóspedes cobriram as caras, uma voz disfarçada:
— Se grita, você morre aqui já. Se quer viver, entregue as três mil peças que herdou, e ande depressa. Não nos conte lérias, nem faça lamúrias. É decidir: o dinheiro ou a vida.

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