23 de outubro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 297

Efemérides 23 de Outubro
Jonathan Latimer (1906 - 1983)
Jonathan Wyatt Latimer nasce em Chicago, Illinois, EUA. Jornalista de crime em Chicago na época de Al Capone inicia a sua carreira como novelista em 1935 com Lady In The Morgue, o primeiro título da série Bill Crane (Ver TEMA). Em 1939 começa a dedicar-se à escrita de argumentos para cinema, de originais e adaptações de grandes mestres do policiário, como Dashiell Hammett e Cornell Woolrich. O escritor , que também assina como Peter Coffin é ainda resposánvel por vários episódios das séries televisivas Perry Mason e Columbo. Em Portugal é possível encontrar registo das seguintes edições:
1 – Rapto Na Morgue (1950), nº 4 Colecção Escaravelho de Ouro, Editorial Édipo. Título Original: Lady In The Morgue (1935). É o 1º livro da série Bill Crane.
2 – Seis Dias De Vida (1960), nº 103 Colecção Xis, Editorial Minerva. Título Original: Headed For A Hearse (1936). É o 3º livro da série Bill Crane.


Helen Nielsen (1918 – 2002)
Helen Berniece Nielsen nasce em Roseville, Illinois, EUA. Engenheira aeronáutica, colabora no desenho do projecto de aviões da 2ª guerra mundial. Escritora prolífica, criadora do detective Simon Drake, localiza habitualmente os seus mistérios na Carolina do Sul e fornece aos leitores pistas suficientes para que eles possam descobrir por eles próprios a solução. Helen Nielsen é também autora de argumentos para televisão em Perry Mason e Alfred Hitchcock Presents. Em Portugal estão editados:
1 – Falsa Testemunha (1960), nº 20 Colecção Enigma, Livraria Ática. Título Original: False Witness (1959).
2 – Michael Crichton (1961), Colecção Enigma, Livraria Ática. Título Original: Sing Me a Murder (1960).

Michael Crichton (1942 – 2008)
John Michael Crichton nasce em Chicago, Illinois, EUA. Produtor cinematográfico, é um conhecido autor bestseller de ficção científica e mistério, com várias obras adaptadas a filme, como Jurassic Park. Michael Crichton usa os pseudónimos Michael Douglas, em colaboração com Douglas Crichton, Jeffery Hudson e John Lange, este último para a escrita de romances policiários. Apesar do reconhecimento deste autor incidir sobre a sua obra de ficção científica, destaca-se a sua produção no campo policiário:
Odds-On (1966) sob o pseudónimo John Lange
Scratch One (1967) sob pseudónimo John Lange
A Case of Need (1968) sob pseudónimo Jeffery Hudson
Easy Go (1968) sob pseudónimo John Lange, editado em 1974 com o título The Last Tomb e assinado por Michael Crichton
The Venom Business (1969) sob o pseudónimo John Lange
Zero Cool (1969) sob o pseudónimo John Lange,
Drug of Choice (1970), também editado com o título Overkill (1972) sob o pseudónimo John Lange
Grave Descend (1970)
Dealing; Or, The Berkely-To-Boston Forty-Brick Lost-Bag Blues (1971), sob pseudónimo Michael Douglas
Binary (1972) sob o pseudónimo John Lange
The Great Train Robbery (1975) como Michael Crichton; recebe o Edgar Award na categoria de Best Motion Film.


TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — WILLIAM CRANE, PERSONAGEM DE LATIMER
Por M. Constantino
Na linha dura dos principais personagens da narrativa policiária, Willian Crane, ou melhor Bill Crane como é conhecido, aparece em 1935 —— criado por Jonathan Latimer. Bill é um detective privado de uma agência de detectives dirigida pelo Coronel Back do escritório de Nova Iorque, de onde dirige as operações e contacta com agentes do todo o país. Crane é um homem de pouco mais de trinta anos, trabalhador e inteligente, com provas confirmadas, e um vício pela bebida, principalmente uísque, que não pode dispensar. Meio embriagado, pensa, raciocina e resolve os seus casos. A bebida não parece alterar a sua acção, conserva-o tranquilo, mesmo movimentando-se num mundo de violência, aparentemente adormecido pela quantidade de álcool ingerido. Dentro da agência é uma espécie de operador destacado com quase plenos poderes e liberdade absoluta para tratar os seus planos de investigação com as faculdades para orientar e dirigir os seus subordinados, mais do que companheiros, Doc Williams e irmãos Burrs e Thomas O’Malley.
Actua normalmente em Nova Iorque e cidades em que existem filiais da agência mãe, como se Bill Crane tivesse obtido o prestígio federal, para descobrir crimes e resolver enigmas. É um detective do velho estilo, se bem que integrado na linha dura não se dedica a limpar a cidade de meliantes, nem a perseguir poderes instituídos, limita-se simplesmente a investigar e procurar assassinos, com um humor algo extravagante, que lhe dá o aspecto de uma pessoa muito normal e esforçada no seu objectivo.



TEMA — CONTO POLICIÁRIO — UM CASO SEM SOLUÇÃO
De Helen Nielsen
Timothy Benedict deixara a Força Policial há duas semanas, naquela noite tempestuosa em que o prenderam com uma caixa de flores abarrotada de notas de $100 e uma explicação inaceitável.
Constituía, também, uma excelente oportunidade para carreira de um ambicioso e jovem advogado criminal.
— Você odeia-se — disse Angelina — e por isso castiga-se aceitando casos perdidos.
Angelina era a senhoria; porém era mais do que isso. Os seus arrendamentos eram razoáveis; a localização muito boa; e a sua lasanha, servida na cozinha a um hirsuto cavalheiro de aspecto cadavérico, de 29 anos, era a melhor fora da Bolonha.
O coitado de 29 anos era Simon Ingersoll, advogado criminal.
— Benedict diz que é inocente.
— Inocente! Um homem trabalha na polícia durante doze anos. Porquê? Por que tem probabilidade de enriquecer no posto de sargento? Não! Para garantir uma pensão. Mas Timothy Benedict pede baixa do serviço ao cabo de doze anos, depois casa e compra um luxuoso motel…
— Duas semanas mais tarde — continuou Angelina — Benedict é apanhado na área de estacionamento de um restaurante fino, com uma caixa contendo $50.000, a soma exacta da hipoteca do seu motel! Uma lástima que a patife que lhe entregou o dinheiro tenha escapado com o tal gangster sindicalizado…
— Gangster sindicalizado? — repetiu — Onde foi que ouviu isso?
— Estava nos jornais da tarde. Os dois polícias que prenderam Benedict disseram aos repórteres que reconheceram o motorista do automóvel de fuga como um dos homens do sindicato.
— Óptimo — exclamou Símon.
— Prova que jamais será aceite no tribunal… Lembra-se como chovia naquela noite?
— Há um mês que chove — replicou Angelina.
— Exactamente. Como é que Paley e Flood poderiam fazer uma identificação positiva num dilúvio? Escute, Angelina… Sempre era possível conhecer o mais impoluto dos jurados. A história de Benedict pode ser verdadeira.
— Se fosse casado - disse Angelina — a sua esposa não deixaria que se metesse num caso destes.
— Ele pode ter recebido um convite pelo telefone para jantar no “Coach Fours” naquela noite — insistiu Simon. — E pode ter discutido o assunto com a esposa no balcão do bar do motel, como disse ter feito, chegando à conclusão de que alguns amigos da força policial iam homenageá-los com um jantar, pelo casamento… Angelina sacudiu a cabeça.
— Você não tem testemunhas — disse ela.
— Tenho uma — respondeu Simon.
Angelina parou atónita. Para dar mais força à declaração, Simon levantou o indicador.
— Uma testemunha — repetiu.
E foi até a porta da cozinha. Abriu-a acenando com a mão. Uma porta de automóvel bateu.
Segundos mais tarde entrou na cozinha um homem franzino, protegido por um sobretudo xadrez, de gola levantada. Carregava uma pequena mala de couro com o letreiro: Ace Vending, Inc.
— Mr. Warsaw — disse Simon muito depressa — esta é a maravilhosa senhoria de quem lhe falei.
Mr. Warsaw sorriu vagamente. Cabelos finos e louros cobriam-lhe o crânio. A pele estava bronzeada e a ponta do nariz começava a pelar.
— Simon… — começou Angelina.
Mr. Warsaw é a minha testemunha — disse Simon. -- Quando nenhum dos hóspedes registados no motel de Benedict se incluiu entre os fregueses do bar, coloquei um anúncio no jornal. Mr. Warsaw procurou-me hoje no escritório. Ele ouviu tudo, Angelina. Estava no banco da ponta do balcão, perto da parede do telefone. Porém, eu e Mr. Warsaw temos um problema.
— Simon, qual é o problema? — inquiriu ela.
— Nenhum — respondeu Simon — quando penso no quarto vazio, lá em cima, ao lado do meu.
— Não — protestou Angelina — lá, não.
Benedict está a ser vítima de uma maquinação, Angelina, e as pessoas que o tramaram não gostarão da ideia de alguém pronto a depor, estragando tudo.
Simon não poderia ter agido melhor, tirou a carteira do bolso. Contou cem dólares e largou-os em cima da mesa. Embora relutante, Angelina aceitou o dinheiro.

Timothy Benedict tinha 34 anos e uma bela figura, mas sentia-se constrangido numa cela. Pegou no objecto que Simon lhe estendia e estudou-o cuidadosamente. Era uma carta de motorista com uma fotografia.
— John Warsaw — leu.
— O rosto — insistiu Simon. Reconhece esse rosto?
— Já vi esse homem — admitiu lentamente — mas não me lembro onde nem quando. — No balcão perto do telefone?
— Não me lembro disso… Foi logo no início… uns dois ou três dias depois de tornarmos conta do negócio. Este homem procurou-me para tratar de uma máquina de vendas, porém eu estava ocupado mais para conversar.
— E por isso ele voltou.
— Prometeu que voltaria. Talvez tenha voltado sem que eu o tenha visto. Como já lhe disse, Lita e eu discutimos a chamada atrás do balcão durante alguns minutos, depois eu tive de voltar a correr para a cozinha porque havia uma gordura queimada no fogão. — Benedíct sorriu. — Agora não sei o que vai acontecer. Se eu não me safar desta, perderei tudo. Lita não pode tomar conta daquilo sozinha.
— Não tem nenhuma poupança para os maus dias? — perguntou Simon.
— Pouca coisa. Lita recebeu uma pequena herança e eu tinha as minhas economias. Bastou para se conseguir um empréstimo no banco. Poderá falar nisso no processo? Será que essa gente não vê que não recebi dinheiro de nenhuma quadrilha?
— Talvez pensem que foi suficientemente inteligente para esconder a sua participação no caso. E quanto ao suborno, Benedict, tem certeza de que nunca ouviu nenhum zunzum?
O rosto de Timothy Benedict escureceu e deixou de ser bonito. Simon congratulou-se por não ser o polícia uniformizado no fim do corredor. Já controlado, Benedict devolveu a carteira de motorista que ainda segurava. ~
— Se não acredita em mim, pode largar a defesa — disse ele. — Mas a cidade em peso comenta a história à boca pequena.
— Pois bem! Os gangsters estão a actuar, mas não com o meu auxílio. Sempre fui um guarda honesto, Ingersoll. Não se esqueça disso!
— Estou apenas a verificar um palpite — disse ele — Temos ainda uma coisa. Quando recebeu ordem de prisão, descreveu os detalhes daquela chamada telefónica anónima. Quem estava presente na ocasião?
— O Comissário Chance. O Promotor. Paley e Flood. O estenógrafo da polícia — um homem chamado Anders.
— Alguém mais?
— A minha mulher.
Simon ficou em silêncio a reflectir.

O Comissário Chance não estava sozinho no escritório.
— Ingersoll — cumprimentou ele, muito alegre ao ver Simon entrar no escritório — ouvi dizer que você se encarregou de Benedict.
— Sim, encarreguei-me de Benedict, e é por isso que estou aqui. Que história é esta de Paley e Flood terem reconhecido o motorista do automóvel de fuga? Gostaria de saber como se deu a identificação. Segundo me disseram, Paley e Flood estavam no estacionamento do restaurante “Coach Fours” chamados por um telefonema anónimo…
— Movimentos suspeitos — disse Char — Identificaram o camarada como um tal Malone ou Maloney, com ficha em meia dúzia de Estados.
Simon pediu Para ver uma cópia das declarações de Benedict no momento da prisão. Não houve objecções. Chance premiu um botão e deu ordens a um detective. Momentos depois um terceiro homem entrou na sala com uma pasta de cartolina nas mãos.
— Dê cá, Anders — disse Chance. Passou os olhos pelo conteúdo e depois passou a pasta para Simon.
Não tinha havido apresentações, mas pelo que constava nas declarações de Benedict, Simon sabia que o terceiro homem era Anders, o estenógrafo da polícia.

Havia três jornais da cidade Simon procurou cada um deles. Percorreu as notícias da prisão de Benedict e estudou os complexos textos. Feito isso, telefonou para Angelina.

O cainhá° de entrega da pa- 7daria m passou 'três vêzes. -- Caminhão .da padaria? — Em geral aparece só uma vez por dia. Simon ficou preocupado.

Deixou a cabina telefónica e levantou a gola do sobretudo. A carta de motorista que Warsaw lhe dera tinha a morada.
— Sim, já avisei todos. Johnny Warsaw já não mora mais! Quando é que acreditarão no que digo?
Havia ainda uma paragem a fazer. Assim que chegou à pensão, subiu ao primeiro andar.
Simon descreveu detalhadamente as suas actividades a Warsaw, culminando com a estranha conduta do gerente do apartamento dele. Warsaw riu:
— O velhote está a cooperar de verdade. Eu ensinei-lhe o que dizer se alguém aparecesse à minha procura.
Ao deixar Warsaw, Simon desceu até a cozinha e teve uma conversa séria com Angelina, depois subiu para o seu quarto, meteu algumas coisas numa mala. Rumou para os escritórios da companhia de navegação aérea e comprou passagem de ida e volta para Miami. Telefonou, o comissário tinha ido para casa, porém um substituto recebeu o recado: “que informassem Timothy Benedict que o seu advogado, Sirnon  Ingersoll, não iria visitá-lo nos próximos dias porque um assunto de interesse para o caso o levara a Miami”.
Feito isso, Simon esperou que a limusina rumasse para o aeroporto e assim que ela desapareceu de vista, regressou.
Simon apertou o passo, atravessou a rua e entrou pela porta dos fundos. Angelina estava na cozinha, os olhos arregalados de excitação.
— Fiz o que me pediu — começou ela. — Deixei-o subir.
Simon lhe impôs silêncio e subiu.

 — Eu lhe disse desde o começo que não podíamos correr o risco de Benedict não ser condenado. E você foi mandado em resposta ao anúncio de Ingersoll para termos certeza de que ele basearia o caso numa testemunha que pudesse ser desacreditada no tribunal. Que acontecerá quando Ingersoll descobrir que você estava registado num hotel de Miami, no dia em que devia estar no café de Benedict?
Warsaw ficou assustado.
— Não acredito no que está a dizer. Falei com Ingersoll Há pouco.
— Nós sabemos que falou com Ingersoll — replicou o homem da pasta. — Você tem sido vigiado, Warsaw. Não confiamos em maus perdedores. Ingersoll passou o dia fora. Comprou passagem para Miami e depois telefonou para avisar Benedict onde poderia -ser encontrado. Para mim isso significa apenas uma coisa. Você falou.
Os olhos aterrados de Warsaw arregalaram-se.
— Olhe aí atrás — disse ele.
— Essa é velha — disse o homem da pasta.
— É mesmo, não é? — observou Simon.
Quando Anders, o estenógrafo da polícia, se voltou, Simon estava preparado para o enfrentar. Tirar-lhe a arma foi uma brincadeira de crianças.

Algumas noites mais tarde, na cozinha de Angelina, Simon explicou tudo.
— Suspeitei de Warsaw no instante em que entrou no meu escritório — disse ele.
Os Benedict tinham vindo travar relações com a lasanha de Angelina. Todo a gente perdoa um ex-polícia que afinal de contas nada tem de patife.
Simon continuou:
— Recolhendo informações na “Ace Vending” descobri que ele podia ter estado uma semana fora da cidade antes do dia em que supostamente ouvira a conversa pelo telefone. Isso combinava com o bronzeado fora de estação que ele mosttrava.
— Miami! — exclamou Lita Benedíct. — Como adivinhou?
— Não adivinhei — respondeu Simon. — Foi Angelina quem me deu a chave do problema de Warsaw.
Seis pessoas estavam presentes quando Benedict prestou declarações: O Comissário Chance, o promotor Nelson, Paley e Flood, os polícias que tinham feito a prisão, Anders e sua mulher. Quando telefonei para o escritório de Chance para verificar a exactidão das suas declarações, Anders cometeu o erro de me chamar pelo nome, embora não nos tivéssemos avistado até então e nem tivéssemos sido apresentados no escritório. Concluí que, se sabia tanto a meu respeito, é porque sabia mais a respeito do meu cliente. Foi esse o palpite que segui ao fingir que embarcava para Miami.

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