26 de maio de 2012

CALEIDOSCÓPIO 147

EFEMÉRIDES – Dia 26 de Maio
Caitlín R. Kiernan (1964)
Caitlín Rebekah Kiernan nasce em Skerries, Dublin, Irlanda. Vive nos EUA desde criança. Paleontologista e escritora de ficção científica e de Dark fantasia. Em 1992 começa a escrever The Five Of Cups, que só seria editado em 2003. Entretanto, em 1998, publica o primeiro romance Silk que vence dois prémios. Seguem-se Threshold (2001), também premiado, Low Red Moon (2003), Murder Of Angels (2004), Daughter Of Hounds (2007), The Red Tree (2009) The The Drowning Girl: A Memoir (2012). A escritora que tem sido distinguida com uma longa lista de prémios e nomeações, é também autora de uma centena de short stories reunidas e 8 livros de colectâneas e de argumentos para Banda Desenhada.



TEMA — ENIGMÍSTICA POLICIÁRIA — AINDA O ENIGMA DE IDENTIFICAÇÃO
A identificação é um elemento importante na área policial e enigmística.
Tomemos um caso real, a realidade de todos os dias:

O ESTRANHO COZINHEIRO
Em 1903 Herman Golchmer andou 150 quilómetros, para se matricular numa famosa escola de medicina, em Viena. Filho de um empregado público de categoria inferior, era mais pobre do que a média dos estudantes do seu tempo. Inteligente e simpático, resolveu o problema financeiro casando-se com Elisa Kruger, viúva de um rico negociante. Dois anos após se ter formado em cirurgia. Golchmer inventou uma modalidade de sutura, a que deu, modestamente, o próprio nome, e que lhe mereceu ser convidado para ensinar a nova técnica num hospital de Boston, onde chegou em 1911 acompanhado da esposa, que envelhecia rapidamente. Os Golchmer divertiam-se muito, e as maneiras continentais e aristocráticas do médico arrancavam suspiros de muitas jovens bonitas que, secretamente, invejavam a loura Elisa. Cansado da mulher, Golchmer decidiu livrar-se dela e, uma noite, degolou-a com a navalha, Depois disso sumiu completamente, sem deixar o menor traço de destino.
Após três anos, as investigações esfriaram. Nunca teria sido descoberto, se um jovem, de nome Patrick Hellman, filho de um ex-detective particular, não se tivesse diplomado em cirurgia, aprendendo, entre outras coisas, a sutura de Golchmer. Certa vez, o jovem cirurgião, que tinha clínica em Nova Iorque, foi jantar, acompanhado do pai, na casa de um dos seus mais ricos clientes. Quando chegou o prato principal, galinha-da-guiné assada, o anfitrião virou-se para o velho, e disse:
— Vou pedir ao seu filho para cortá-la. Deve fazê-lo muito bem, dado que é cirurgião. Rindo-se, o jovem Dr. Hellman ergueu-se, tomou a faca numa das mãos e firmou a escorregadia ave com o garfo de longos dentes. Nisto, reparou nos intrincados e precisos pontos, que seguravam o recheio. O hospedeiro seguiu-lhe o olhar.
— O meu novo cozinheiro tem qualquer coisa de alfaiate — comentou — Talvez gostasse de conhecer.
— Certamente que gostaria de vê-lo! — exclamou o jovem médico. Estas são suturas de Golchmer. É trabalho melhor do que o de qualquer cirurgião que tenha conhecido. — O assassino Dr. Golchmer foi apanhado na cozinha. O ex-detective Hellman reconheceu imediatamente, apesar do cabelo vermelho que deixara desenvolver.
A sua humilhação foi tão grande que um mês mais tarde, enquanto aguardava julgamento, enforcou-se na porta da cela.


TEMA — DESAFIOO PUNHAL MALDITO QUE VEIO DO PASSADO
De M. Constantino 
E porque o exemplo é o melhor mestre, aqui fica um enigma em que é necessário muita pesquisa e alguns conhecimentos históricos.

As mãos nuas do cavaleiro afastam do rosto os ramos orvalhados. Segue a vibração do martelo sobre a bigorna, na floresta nevoenta. O som torna-se mais audível pela proximidade. O cheiro pestífero das águas da lagoa denuncia o fim da jornada. É hora do afortunado – a condenação à morte do irmão e o suicídio do pai, engrossam-lhe a riqueza – quão inescrupuloso personagem, deixar a montada e dirigir-se a pé ao encontro do exímio armeiro. Acerca-se a passos lentos… Tem dez Legiões, magica Spartacus, cogita no título de Procônsul.
O armeiro curva-se reverente… “Dives pax vosbicum”… O gélido cavaleiro teve um ligeiro arrepio, disfarçado. O armeiro estende-lhe o fruto do trabalho: o punhal longo, bronze e fio de ouro temperados nas águas fétidas da “Lagoa da Morte”, logo inquebrável, punho incrustado de pedras preciosas.
Pega na arma, agradado, toma-lhe o peso… Subitamente, de um só golpe faz rolar a cabeça de quem acaba de o servir… o corpo tomba ao lado. Limpa o punhal, extrai com os dedos, sem tremura, um moeda de ouro, que atira para junto do corpo… “Finis coronat opus”… Regressa à montada, indiferente.
Pouco após, durante a festa de despedida de duas das suas Legiões, que integram o contingente para a Gália, um dos comandantes apropria-se, esquiva e ilegitimamente, da arma. O roubado, consultada a sua estrela, não persegue o ladrão. Certo é que, internado no território gálico sem estorvo, tal comandante, jovem e ambicioso, adianta-se ao grosso da coluna com uma centúria de “infantes” e “velitas” e dez cavaleiros. Caem numa emboscada. Os galeses soltam-se das árvores sobre o inimigo. O punhal de ouro corta e trespassa corpos… Na manhã seguinte, um dos muitos mendigos que acompanhou os exércitos encontra-o numa mão dispersa, cujos dedos foram totalmente decepados… O tempo conta-se por dias, anos, séculos. Do punhal nada se sabia…
Em pleno Renascimento, entre os escombros de um sombrio solar medieval (sem respeito pelos fantasmas do marido e sogro, que perturbavam o sono, tétrico de visões, da formosa diva favorita do Rei, este, em cumprimento da promessa que lhe fizera, ali mandou erguer um monumental castelo), ocasionalmente, um operário descobre o valioso punhal. Levou-o. Foi assassinado antes de alcançar recato. A arma desapareceu de novo… dias, anos, séculos decorreram.
Sensivelmente três séculos depois, um homem alto, forte, de cabelos louros, no período áureo da sua existência, permite-se ostentar à cintura o punhal de ouro e bronze, cabo coberto de pedrarias… Onde o encontrou? Fora o eterno perseguido, parte da vida nas prisões e delas se evadindo graças à arte de disfarce e expedientes loucos. Apreciava o nome de Jules, mas usava Blondel, Lebel, soldado Kaisenky. No Regimento de Bourbon serviu como Jacquelin. Vida espantosa! Mesmo na notoriedade, bateu-se contra polícias ou contra ladrões, por vezes simultaneamente com uns e outros. Já septuagenário, é julgado por fraude, sequestro e escroqueria: sente-se em casa, tal é o seu à-vontade! Mas onde se encontra o punhal, cuja posse parece ser por si só, uma ameaça?
Na louca cavalgada dos anos, por estranho que pareça, entra Portugal. É um punhal maldito com uma história não menos sinistra.
Depois que me foi revelada a sua existência, vejo o refulgir do seu gume de ouro. O brilho das pedras, a adejar-me sobre a cabeça. Na escuridão do quarto, anormalmente silencioso, ouço um som horrível – o do meu coração saltitante! Grito e acordo! Que sonho terrífico! Terrífico, mas real.
Obcecado, recolho elementos, estudo-os, posso garantir: o Cavaleiro existiu, descobri o seu nome (Qual é?) e, a verificar-se o cruel crime na actualidade, o personagem era facilmente identificável (Como?); o Castelo (Qual é?) representa o mais belo protótipo da arquitectura referida; o ás das evasões fora-me fácil de identificar (Quem é?).
São estas as quatro questões que deixo à inteligência dos leitores.


TEMA — CONTOO DERRADEIRO DIA
De Bento Vintém  
São perto de onze horas. Há estrelas no céu, miríades delas, como um bando de pirilampos em confusão. Aqui há luz. Sei que ela está acesa. No entanto, por dentro de mim, tudo é negro. Uma fobia terrível vai-me tomando de assalto. Um terror mais, muito mais que mórbido, do amanhã. Ando a fugir inutilmente, há perto de três anos, procurando adiar o que agora é inevitável. Tudo está perdido. Não posso imaginar-me amanhã, todo vestido de negro, só aquele tom claro á volta do pescoço e sempre apertando… apertando…
A multidão pronta a saltar sobre mim, ao mínimo indício de fuga. E entre ela está a minha família! A minha própria mãe! Também ela me olha, impotente, mas encarando o facto com resignação.
E os amigos? Deixem-me rir! Os meus amigos! Pois não me abandonaram todos, enquanto eu lutava pela salvação? Bem se esforçaram por me convencer de que há outra vida. Teorias ocas, vãs!
Depois, há o fim! Acaba tudo. Liberdade, prazeres, personalidade espírito… e até o próprio corpo se vai desintegrando pouco a pouco. Maldita hora em que olhei para aquilo. Porque teria eu pensado em que seria meu? Porquê? Para agora ir perder tudo. Para agora ser sepultado com o que cobicei. Como que guardado á vista pelo que cobice. Oh vida, que ridícula és!
Manhã. Cá vou neste carro negro, todo negro e todo fechado. Agora tudo está preparado: nem vale a pena tentar na fuga. Lá está aquela multidão ululante, sempre ávida de espectáculos desta natureza.
Devo parecer já um defunto. Já vislumbro, vindo não sei donde, o vulto alvo do fantasma que me vai levar para a outra vida. Ah! Ah! Ah! Já estou com alucinações.
Lá vem o padre. Imponente, severo, sem o mínimo reflexo de compaixão nas pupilas de aço. Pudera, se ele fica do lado de cá. Aproxima-se. Pára. Solene, estático, faz-me genuflectir, e o fantasma sempre colado a mim, sorrindo no antegozo do futuro. Mais um pensa ele, e ri-se discretamente.
Nesse instante o padre estende a mão e …
…aceita para sua legítima esposa…?
— Ssss...im! …
Ah! Ah! Ah! Ah! Outra Vidal Chegou o fim!

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