18 de maio de 2012

CALEIDOSCÓPIO 139

EFEMÉRIDES – Dia 18 de Maio
Phobe Atwood Taylor (1909 – 1976)
Nasce em Boston, Massachusetts, EUA. Entre 1931 e 1976 é uma escritora de policiários, romances e contos — thrillers, mistério e humor. O primeiro livro, The Cape Cod Mystery é protagonizado por Asey Mayo, um detective de Cape Cod, que é a figura central de 25 livros da escritora. A autora utiliza o pseudónimo Alice Tilton para a escrita de 8 livrios da série Leonidas Witherall, mais tarde adaptados à radio. Sob o pseudónimo Freeman Dana publica em 1938 Murder At The New York World’s Fair.


TEMA — DIÁRIO DE UM ADVOGADO — PROVA A MOSTRAR
De C. Araújo
Entrou no escritório transpirando nos gestos, na atitude, a certeza do efeito que causava. A sua beleza, corpo rico de curvas, sugeriam, de imediato, arrebatamentos de cama.
Vítima de uma agressão por parte do amante. Acompanhei-a ao Distrito. No caminho fiquei constrangido, com o efeito que ela causava em terceiros e com o tom de condescendência, quase generosidade, com que me tratava. Prestou declarações da forma que me pareceu mais indicada ao jogo das circunstâncias. Na Delegacia sugeriu que a acompanhasse ao seu apartamento. Tinha uma prova a mostrar. Concordei. Senti de imediato que, pelo simples facto de me dispor a acompanhá-la até sua residência, tomou-se de mais intimidade, segurou-me no braço num à vontade encantador, sugestivo e… constrangedor.
Tomámos um táxi. Saltei, afastei com heróica disposição toda a fermentação lúbrica que corria por antecipação dentro de mim e graças a Deus, com calma profissionalmente deliciosa, olhando-a bem nos olhos, disse:
— A senhora está em casa. Na sua casa. Prefiro não ver essa outra prova. Quanto aos meus honorários, das duas, uma: ou a senhora leva-os ao meu escritório, dentro do: que entre nós ficou combinado ou… então não os levará. Fique certa, minha senhora, de que, mesmo nessa última hipótese, estou ganhando. Muito. Pelo que aprendi hoje. Passe bem.
Engraçado é que recebi, por terceiros e, mais ainda, comecei a ser procurado por certa clientela, donas de pensão, evidentemente encaminhadas pela morena de curvas sedutoras e de fala mansa.


TEMA — SONHOS — O HOMEM QUE NÃO TINHA SONHOS
De M. Constantino
Baixo, meio calvo, rosto corado, ventre nutrido mas disfarçado o senhor Ambrósio Carriço, abastado comerciante de frescos e molhados, posteriormente de um moderno Super Mercado de razoáveis dimensões, convenientemente encarreirado, situado numa rua movimentada da capital era o aspecto dum homem bem fadado.
Requintadamente encadernado num fato azul, feito por medida num dos melhores alfaiates da baixa, optimamente calçado, senhor de uma casa nas redondezas, bem situada e mobilada, proprietário de luxuoso Mercedes, considerável conta a prazo num Banco de renome, e depósito alentado na Suíça, olhado pelas mulheres de meia idade como excelente partido e pelas jovens com tentadora e pingue carteira tinha todas as condições para ser feliz.
Não o era.
Subira na vida. De jovem pastor nas encostas da serra a marçano da loja do Sr. Júlio das Picoas, de segundo a primeiro caixeiro, deste a genro animado do endinheirado patrão e logo herdeiro, perfeitamente implantado na vida, realizara e possuía todos os condimentos convenientes para ser um homem afortunado.
Não o era.
A pálida e inválida Julieta das Picoas a extinta esposa, não lhe causara nem preocupações, nem arrelias, nem lhe dera filhos, finara-se serodiamente, sem confusão, frouxa como vivera. Não foi um contratempo inquietante
Viúvo próspero, poderia considerar-se a imagem de um homem ditoso.
Não o era.
O Sr. Ambrósio Carriço, abastado comerciante com estabelecimento próprio numa rua movimentada da capital, era pura e simplesmente incapaz de sonhar!
Um homem que não tinha sonhos.
Sonhos, sim — devaneios, fantasias, ficções, idealidades, ilusões, quimeras, utopias, visões… como queiram!
Não tinha capacidade para sentir aquela comum operação inconsciente das faculdades intelectuais, imperfeitamente despertadas a quem dorme.
Não tinha sonhos.
Expressões, habitualmente ouvidas como:
parece sonho,
horas de sonho
fantasia do sonho
ver em sonhos
sonhos eternos
sonhos dourados
sonhos de ouro
sonhos cor de rosa
não passavam de frases ideais para si impraticáveis. Não tinha sonhos.
Ter sonhos tornar-se-ia uma obsessão, constante, premente, necessária.
Quando ocasionalmente, na sua presença se tagarelava sobre sonhos, sabido e certo, o Sr. Ambrósio, amuava, reagia violentamente, ameaçava ou quedava-se desanimado.
Simplesmente insólito, frustrante.
Não tinha sonhos.
Experimentara deitar-se de barriga para baixo, ventre para cima, para o lado direito, para o lado esquerdo, em cima e em baixo da cama, suspenso no ar, de pernas para o ar, dormir em pé sempre com mesmo 'resultado.
Não tinha sonhos.
Ousou dormir no campo, na cidade, na aldeia, na serra, na praia, num barco, num avião, no barbeiro, na retrete, na banheira… sem êxito.
Não tinha sonhos.
Consultou experimentados enfermeiros, massagistas dentistas dietistas, médicos afamados… em vão.
Não tinha sonhos.
Deixou-se examinar por série interminável de avalistas, cirurgiões estomatologistas, fisioterapeutas, gastrenterologistas, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, radiologistas, veterinários, psicólogos e parapsicólogos… sem sucesso.
Não tinha sonhos.
Submeteu-se à oração, à hipnose, ao cautério, ao magnetismo, à hemopatia, à radiostesia… sem proveito.
Não tinha sonhos.
Praticou o ioga, djena, o caruca, o rajá, a prana, o Keiku… inutilmente.
Não tinha sonhos.
Tomou remédios filtros, fórmulas mágicas, usou filatérios, medalhas, talismãs, amuletos de todas as origens e credos, formas e contextos… frustradamente.
Não tinha sonhos.
Ouviu benzilhonas sábios, charlatães, curandeiros, feiticeiros, magos, mestres, médiuns… com resultados negativos.
Não tinha sonhos.
Certo dia — há sempre um dia! — enquanto diante do espelho, do amplo guarda fatos ajeitava a gravata de pintinhas azuis e vermelhas à camisa de seda branca, teve um gesto de revolta e exclamou:
— Raios! Daria a alma pelo poder de fazer sonhos, de ter sonhos! Prometo…
Instantaneamente houve uma chama de luz brilhante, avermelhada, um forte cheiro a enxofre, e surgiu orna coluna de fumo, da qual apareceu o demónio.
— Quem és tu? — Perguntou o Sr. Ambrósio Carriço, tentando manter a voz firme.
O diabo lançou-lhe um meio sorriso de dentes negros, levou as mãos avermelhadas aos chifres numa identificação muda, e exclamou:
— Sou o génio capaz de corresponder ao teu apelo; cumpre a tua promessa: A tua alma em troca de sonhos!
Espantado, entre a dúvida e a tentaçao, o Sr. Ambrósio Carriço procurava ganhar tempo.
Entretanto o diabo recitava melodiosamente:
— Do sonho, que parece um sonho que faz fantasiar, que, extasia.
— Que tenho que fazer? — perguntou, decidido por fim, o Sr. Ambrósio Carriço.
O diabo estendeu a mão de gelo na qual surgiu instantaneamente um alfinete, tocou o pulso inerte do vencido Sr. Ambrósio Carriço, e uma gota de sangue vivo apareceu. — Apenas a assinatura de um contrato com o teu sangue — gargalhou o demónio.
Incapaz de reagir, o homem assinou.
Tão rápido como fora a sua revelação a maligna criatura eclipsou-se no espaço de fumo ainda mais acre e negro. Na mão agora trémula do Sr. Ambrósio Carriço, abastado comerciante com estabelecimento próprio numa rua movimentada da capital, ficou um papel que ele leu avidamente:
Leve uma caçarola ao lume com um litro de água e 200 g de manteiga e tempere com 1 g de sal. Quando ferver bem, junte 600 g de farinha, mexendo rapidamente com uma colher de pau. Logo que a massa adquira o aspecto de uma bola retire-a para um alguidar. Deixe arrefecer um pouco, adicione gradualmente 13 ovos e amasse até obter um preparado bem ligado. Faca bolinhas e frite-as. Entretanto ferva 500g de açúcar em 2 dl de água até obter o ponto de pérola, junte um pau de canela e casca de meio limão. Regue os “sonhos” com a calda quente!

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