11 de maio de 2012

CALEIDOSCÓPIO 132

EFEMÉRIDES – Dia 11 de Maio
Achmed Abdullah (1881 – 1945)
Alexander Nicholayevitch Romanoff nasce em Yalta, Crimeia. Em criança vive no Afeganistão, na Índia e em França. Com 12 anos é enviado para Inglaterra para prosseguir os estudos, depois de passar por Eton, Oxford e pela Universidade de Paris, entra no Exército Britânico onde se mantém durante quase 20 anos. A sua experiência militar em África, Afeganistão, Turquia, Índia, China, Tibete, etc. está patente nos contos e nos romances de aventuras, mistério e crime da sua obra literária. Nos anos 20 o autor fixa-se nos EUA e trabalha para Hollywood Studios como argumentista em filmes de sucesso como o The Thief of Bagdad. Publica em contos pulp magazines sob o pseudónimo Achmed Abdullah que usa habitualmente, ou A.A. Nadir e John Hamilton. Nos livros de mistério destacam-se The Honourable Gentleman And Others (1919), um livro de contos cujo cenário é a comunidade chinesa e Manhattan; The Swinging Caravan (1925), Steel And Jade (1927), e The Bungalow On The Roof (1931) e ainda os romances de sobrenatural Tales Of The Psychic (1920) e Mysteries Of Asia (1935).


TEMA — NARRATIVA DE FICÇÃO CIENTÍFICA
Quando organizamos um número especial de Célula Cinzenta o amigo Lima Rodrigues enviou-nos o conto que se segue. Não conhecemos o autor, mas a narrativa é esplêndida e mais uma vez, aqui fica reproduzido, com a devida vénia e parabéns ao autor.
M. Constantino

ESTRADA PARA SODOMA
De Josué da Silva
— Como te chamas?
— Ru.
— Possuis uns olhos bonitos, Ru.
— Olhos? Mas que importância têm os meus olhos? Só deves avaliar-me pelo grau de inteligência, Ga. Que te aconteceu? O reparador electrónico diz que eu atingi os oitenta acs. É boa média para uma mulher.
— Sorri, Ru.
— O sorriso é uma fraqueza. Só estamos aptos a sorrir sobre um grande triunfo. Porque, então, estaremos defendidos.
— Mas ousarás amar-me, ao menos?
— Que linguagem mais estranha, Ga. Decerto que te adoentaram os escritos que Tul confiscou aos seres daquele planeta… como se chama?
— Terra.
— Terra!
— Ensimesmaste, Ru. Que te sugeriu este nome?
— Não penses em coisas estranhas, Ga. Sabes que temos explicação para tudo, inclusivamente para a morte. Reflectia, apenas. Cada reflexão nossa traz consigo dez anos de ciência. Não te esqueças que somos os seres mais privilegiados dos mundos da quarta galáxia. Por isso, os mais fortes. E se queres que te diga, esse nome Terra somente me influiu no olfacto: de repente senti um odor violento a matéria decomposta.
— Como se pode ser forte sem possibilidades de amar? Só o amor nos realiza, Ru. Temos de reformar o coração, talvez a orgânica dos seres de Galeno ou acabaremos por nos destruir, destruindo connosco todas as maravilhas conseguidas. Ajuda-me, Ru. Vamos ao encontro dos corações fracos, reunamo-los e comecemos hoje mesmo em Galeno a campanha do amor. Se o não fizermos, dentro em pouco Galeno e os restantes mundos da quarta galáxia devorar-se-ão entre si.
— Cuidado, Ga. O elemento talvez nos traia e a Polícia Automática localizar-nos-á. Não gostaria de me ver no Grande Atrium, a responder por traição aos princípios da Sabedoria, sobre os quais Galeno se mantém.
— Ru, tu acreditas-me? Acreditas no amor?
Ela abanou a cabeça, uma bela cabeça dolicocéfala, rapada como todas as cabeças femininas de Galeno, a que um pequeno tufo de pêlos loiros a meio do crânio oferecia uma discreta elegância “talvez a achasse ridícula ou torpe se não a amasse tanto.”
— Não vou acreditar no que ignoro, Ga. E a palavra amor não se encontra nos nossos dicionários, nem nunca o seu sentido nos foi facultado. Apareceu há pouco, depois que aprisionámos aquele viajante do espaço com um nome cómico: Vladimir. Os ecos da Terra haviam-se apagado entre nós, embora se diga que descendemos de gente de lá, de seres como Vladimir (Ru tem um trejeito de desprezo, o trejeito seco, mau, dos seus lábios, podia muito bem ser a ponta de um sorriso de ironia ou de bravata). Felizmente que nos encontramos vários anos-luz aquém dos nossos pobres ascendentes. Sim, pobres ascendentes, Ga. Conheci de perto o tal ser. Coitado… Afirmou, vê lá, que era um sábio de grande nomeada na Terra. E sabes? A sua mentalidade não atingia a média dos nossos recém-nascidos quando saem da incubadora. Tão limitados! E pôs-se a fazer-me um discurso cheio de contradições, primitivo, engasgando-se amiúde e citando amiúde o amor. O amor, a união sacra entre dois seres, a continuidade da espécie. Por Galeno! Nós não precisamos disso para a continuidade da espécie, pois não, Ga? Como nasceste tu? E eu? Um reprodutor automático, um trabalhinho de laboratório e eis-nos. Somos adultos aos dez anos. O homem da Terra mostrou-me uma foto dos filhos com essa idade. Que seres horríveis, Ga. Não atingem metade da nossa altura na época em que já nos consideram maiores. Mostram um ar imbecil de inocência e ignorância…
— Sim, Ru. Mas são filhos do amor, não como nós, uma mera reprodução mecânica de laboratório. Filhos do amor, iguais aos primeiros homens que atingiram Galeno, no ano dois mil trezentos e nove da era terrestre.
— Os seis homens e as duas mulheres tripulantes do foguetão que por acaso descobriu Galeno, eram a nata da sabedoria desse pequeno planeta. De tal maneira as suas ideias tinham ganho avanço sobre as restantes mentalidades que se viram, de súbito, isolados, perseguidos, ameaçados de morte. E repara, Ga. Estamos no ano dois mil quatrocentos e sessenta e cinco. Em pouco mais de cem anos terrenos realizamos tudo quanto nenhum outro povo desta ou de outra galáxia realizou em milhares, em milhões de anos. Somos… como que o sol do Universo.
— Um sol sem calor, Ru
— Um sol menosprezante dos nadas do ser, mas plenipotente na sua irradiação de sabedoria. Afinal, um sol verdadeiro. Os sóis aquecem, revelam a sua luz num todo, sem que o pormenor os perturbe. Nós somos sol, Ga.
— E o amor, Ru?
— O amor, provaram-no os nossos sábios, era um vício dos seres que habitavam a Terra, um vício como muitos que eles cultivavam… os estupefacientes, o tabaco, a ociosidade, o talento. E tem cuidado, Ga. Eles imolavam-se reciprocamente, os viciosos do tabaco, dos estupefacientes imolavam os viciosos do amor que tentas, não sei com que móbil, reafirmar. Repara naquela lenda do Cristo deles. Uma intuitiva moral formada numa intuitiva sabedoria, levou-os a terminar com o energúmeno.
— Estás a cair numa tese religiosa, Ru. E eu não discuto religião. Discuto amor. E a religião só é amor… quando não é idolatria.
— Eu não discuto religião. Discuto o vício.
— A sabedoria de Galeno também é um vício.
— Mas um vício superior, Ga.
— Quer dizer que me não compreendes? Ou que me não acompanhas?
— A sabedoria só aceita a sabedoria. E o amor é, além do mais, ignorância.
— Por isso nós não criamos nada, Ru. Inventamos, apenas.

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