14 de março de 2012

CALEIDOSCÓPIO 74

EFEMÉRIDES – Dia 14 de Março
Algernon Blackwood (1869 - 1951)
Algernon Henry Blackwood nasce em Shooter’s Hill, Londres. O fascínio que tem pelo hipnotismo e pelo sobrenatural leva-o ao estudo de filosofia e ocultismo. A sua escrita reflecte estes interesses: escreve centenas de contos de fantasmas/terror/sobrenatural e é reconhecido como um mestre deste género literário. The Empty House and Other Ghost Stories é publicado em 1906 e depois segue-se uma série de contos com John Silence, um investigador extraordinário. Em 1914 escreve Incredible Adventures, a primeira colectânea do género sobrenatural alguma vez publicada.



Showell Styles (1908 – 2005)
Frank Showell Styles nasce em Four Oaks, Birmigham, País de Gales, R.U. Explorador, montanhista escreve o primeiro livro policiário, Traitor’s Mountain, em 1946. Publica perto de 150 livros de aventuras históricas, parte na série Midshipman Quinn e na série Lieutenant Michael Fitton. Entre 1951 e 1969 utiliza o pseudónimo Glyn Carr para a escrita de ficção policial, escrevendo um total de 15 livros, todos da série Abercrombie Lewker. O autor usa também o pseudónimo C.L. Inker para as narrativas humorísticas.



TEMA — BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA POLICIÁRIA – 5
(continuação de
CALEIDOSCÓPIO 66)
A colectânea designada por As Mil e Uma Noites, só foi conhecida na Europa a partir de 1701, não obstante traduza a recolha de épocas bem remotas, verdadeiramente impossíveis de detectar. Os estudiosos têm concluído entretanto, que sua primeira tradução árabe teria sido feita em Bagdad no Século III, do Livro persa Hazar Efsanch que, por sua vez, teria origem indiana.
Cabe aqui perfeitamente a afirmação dos filósofos de que a luz de todo o conhecimento procede do Oriente.
Terão razão? De qualquer modo, representam um grupo de episódios muito antigos e de proveniências diversas, como se depreende da variedade de lugares em que se situam, muitos dos quais envolvem características que as definem como fortes raízes que sustentam a formação da grande árvore narrativa policiária.
Vejamos a história do mercador de Bagdad, Ali Cogia (uma entre outras):

No reinado do califa Harun-al-Raschid, um mercador chamado Ali Cogia, como bom muçulmano, resolveu ir em peregrinação a Meca.
Vendeu os móveis e a loja e, da posse de mil moedas de ouro conseguidas, preocupado se as levasse consigo: escolheu uma vasilha de bom tamanho, meteu-as lá e acabou de encher o recipiente com azeitonas.
Depois que a fechou muito bem, levou-a a casa de um mercador amigo a quem pediu que guardasse a vasilha.
Esse mercador respondeu delicadamente:
— Aqui está a chave do meu armazém. Levai a vasilha, pondo-a onde quiserdes e prometo-vos que lá a encontrareis quando voltardes.
Ali Cogia assim fez. Carregou depois um camelo e partiu.
De tal modo lhe correu bem a viagem que, depois de Meca, visitou Cairo, Damasco, Alepo, Xiraz e, sete anos depois resolveu voltar.
Entretanto, o seu amigo em Bagdad resolveu comer as azeitonas e, dirigindo-se ao armazém deparou com elas todas podres, mas encontrou as moedas de ouro que se apressou a tirar, enchendo a vasilha de azeitonas que foi comprar.
Ao voltar, o assunto foi posto na justtiça.
Nas vésperas do julgamento, o califa, com o grão-vizir Giafar e Mesrur, o chefe dos eunucos, fez o seu giro habitual pela cidade. Em determinado ponto deparou com uns rapazes que brincavam aos julgamentos e ficou a escutar.
Estava em causa o caso das azeitonas de Ali Cogia.
O rapaz que fazia de juiz perguntava:
— Sabeis por quanto tempo se podem conservar as azeitonas em condições de se poderem comer?
— Senhor — responderam-lhe — por muito cuidado que haja ao prepará-las e conservá-las, se se guardam por muito tempo, ao fim do terceiro ano já não valem nada: deixam de ter sabor, de ter cor, só servem para deitar fora.
— Se é assim — volveu o que fazia de juiz — se Ali Cogia esteve ausente sete anos, alguém mexeu na vasilha, pois posso garantir que as azeitonas que foram encontradas são deste ano.

Mas não se julgue que o Oriente tenha o exclusivo de histórias imaginariamente geradoras de espécie em causa.
Pedro Afonso ou Petrus Alphonsi, efectivamente Mose Sefardi, um judeu espanhol nascido em 1062 convertido ao catolicismo e médico do Ren Afonso, deixou em Disciplina Clericalis vasta obra de carácter filosófico e exemplos, nos quais se encontra desde anedotas puras a histórias inteligentes de observação e investigação, muito próximo das embrionárias histórias policiais.
Passamos por Samaveda, com a colecção de contos indianos Kathasaritsagora onde algo se poderia desfrutar, poeta, autor do livro Alif Ba com a bem concebida história de conta dos pães com versões diversas segundo autores, Nuzhetol Udeba ou Giraldo Cint Ecatormiti (1354 - 1426) um jurisconsulto e gramático que chegou a Kadi de Granada e deixou uma extensa colecção de anedotas, provérbios e contos da época, para nos fixarmos nas Histórias de Sinbdan, atribuídas a um sábio sírio desta última época.
Com as referências anteriores aproxima-se a Época das Literaturas Modernas. Citam-se, não obstante, o Novellino uma colecção de cem contos dos finais do século XIII, cuja exploração aduz um novo elemento em busca da identidade pré-policiaria.
A escolha recai sobre a resolução de um famoso litígio num tribunal de Alexandria e, como acontece com muitas outras narrativas aludidas, também ela de duvidosa proveniência. Transcreve-se não na exacta medida constante do Novellino, mas a que, reportada ao mesmo período, se afigura mais popular e melhor enroupamento na contextura.


Cansado e de garganta a arder, Jemal-ed-Din, alegrava-se por ser este o último caso do dia que requeria a sua atenção, pensando, não obstante, na melhor maneira de lidar com Nasr-et-Din (traduza-se por “a vitória da Fé”), o arguto professor e “dirigente das preces”, oficialmente protegido pelo Imperador Tamerlão, que apreciava as suas graçolas e ironias e o dignificara com o título de “Hoja”. Este estivera toda a tarde no Tribunal, mascando ruidosas pastilhas goma e apontando falhas nos julgamentos de Jemal-ed-Din.
Réu e autor aproximaram-se da mesa do Cadi, um baixote, gordo, feio e sujo trazendo na mão um saco com dinheiro, o outro, um homem alto e condescendente.
Um dos dois tinha mandado subornar o juiz.
Jemal-ed-Din solicitou levemente:
— Sou Bedi-ud-Din. Este homem combinou cortar cinquenta carradas de lenha para um nobre… por cem moedas de ouro. Ofereci-me para ser seu sócio. Concordou. Agora depois que a lenha foi cortada e entregue e o pagamento feito, guarda o meu quinhão.
O outro homem, que enrubesceu explodiu:
— Ele é um trapaceiro e tenta roubar-me!
— Declare o seu nome na forma da lei, réu — disse Jemal-ed-Din asperamente — depois o caso.
— Isso não Cadi — atalhou o outro. Eu fiz a minha parte e, por isso, reclamo o meu quinhão.
Fez um sinal ao oficial de diligências do Tribunal que arrancou o saco da mão de Abnur Ago. Este mugiu como um touro:
— Fui EU quem cortou, quem enfeixou, carregou o burro, o conduziu e descarregou… Cinquenta vezes! Ele não fez nada!
— Nada disso! — repetiu Bedi-ud-Din — ajudei-o!
— De que forma? Diga de que forma! — berrou Ahmet Ago a ferver.
— Certamente — replicou Bedi-ud-Din.
— Eu gemi com força, cada vez que ele levantava o machado. Lamentei-me a valer cada vez que ele ergueu uma carga. Encorajei-o. Teve muita sorte em ter um sócio como eu! Está claro Cadi, fiz a minha parte.
— Está louco - bramiu Ahmet Ago.
— Nada disso, Cadi. Por acaso não lhe poupei o fôlego que precisava para gemer, queixar-se, não foi por minha causa que teve mais forças para concluir o trabalho?
O auditório agitou-se e Jemal-ed-Din congratulou-se por poder meter o Hoja no embrulho.
— Nasr-ed-Din — chamou. Como sois entre nós o mais sábio dos homens, peço o vosso precioso auxílio para proferir a sentença neste caso…
O Hoja adiantou-se.
— O autor — disse o juiz — foi certamente sócio do réu. Concordais? O Hoja acenou sabiamente, — Fez parte do seu trabalho — continuou Jemal-ed-Din a questão é… qual é o seu quinhão?
Vocês estão loucos! — gritava Ahmet Ago.
— Não tanto — adiantou o Hoja — o tribunal de Jemal-ed-Din é um tribunal de justiça, não de loucura, se me permitis Cadi, farei a divisão justa das moedas.
— Era o que eu tencionava! — afirmou o juiz.
O Hoja pediu que trouxessem uma bandeja e entregou-a a Bedi-ed-Din, dizendo-lhe: — Eu mesmo contarei as moedas.
Bedi sorriu, Ahmet encolheu-se com fatalismo.
O Hoja tirou a primeira moeda do saco de Ahmet Ago e deixou-a cair na bandeja.
— Soa bem... não é? — disse o Hoja - e, metodicamente, prosseguia, inclinando a cabeça a cada moeda que caia, fitando o radiante Bedi-ud-Din. Quando acabou de contar a quinquagésima moeda Ahmet Ago fechou os olhos. O Hoja virou o saco vazio…
— Cadi — perguntou o Hoja — mantive os altos padrões de justiça e equidade deste tribunal? Jemal-ed-Din fitando a pilha de moedas de ouro sobre a bandeja, fez um sinal afirmativo.
Então o Hoja pegando nas moedas voltou a colocá-las no saco e entregou-o a Ahmet Ago.
— As moedas — disse — foram agora divididas igualmente.
— Você deu todas as moedas a Ahmet Ago, eu não recebi nada! — gritou Bedi-ud-Din. — Nada disso — contestou o Hoja. — Ouviu quando fiz cair as moedas na bandeja, não foi? Esse foi o seu pagamento. E a lei: Bedi-ud-Din contribuiu com os sons do trabalho, em pagamento recebeu o som do dinheiro.

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